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sexta-feira, 6 de setembro de 2019

Mia Couto






O Amor, Meu Amor
Nosso amor é impuro 
como impura é a luz e a água 
e tudo quanto nasce 
e vive além do tempo.

Minhas pernas são água, 
as tuas são luz 
e dão a volta ao universo 
quando se enlaçam 
até se tornarem deserto e escuro. 
E eu sofro de te abraçar 
depois de te abraçar para não sofrer.

E toco-te 
para deixares de ter corpo 
e o meu corpo nasce 
quando se extingue no teu.

E respiro em ti 
para me sufocar 
e espreito em tua claridade 
para me cegar, 
meu Sol vertido em Lua, 
minha noite alvorecida.

Tu me bebes 
e eu me converto na tua sede. 
Meus lábios mordem, 
meus dentes beijam, 
minha pele te veste 
e ficas ainda mais despida.

Pudesse eu ser tu 
E em tua saudade ser a minha própria espera.

Mas eu deito-me em teu leito 
Quando apenas queria dormir em ti.

E sonho-te 
Quando ansiava ser um sonho teu.

E levito, voo de semente, 
para em mim mesmo te plantar 
menos que flor: simples perfume, 
lembrança de pétala sem chão onde tombar.

Teus olhos inundando os meus 
e a minha vida, já sem leito, 
vai galgando margens 
até tudo ser mar. 
Esse mar que só há depois do mar.

Mia Couto, in "idades cidades divindades".

1 comentário:

mariferrot disse...

Amor,a palavra do imensurável, na sua maior dimensão, com infinita profundidade, na imensidão da imensidade,corre e foge da realidade !!!...

Bj Conde <3