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terça-feira, 30 de setembro de 2008

Por fora por dentro....

Momento



Chegado o momento
em que tudo é tudo
dos teus pés ao ventre
das ancas à nuca
ouve-se a torrente
de um rio confuso
Levanta-se o vento
Comparece a lua
Entre linguas e dentes
este sol nocturno
Nos teus quatro membros
de curvos arbustos
lavra um só incêndio
que se torna muitos
Cadente silêncio
sob o que murmuras
Por fora por dentro
do bosque do púbis
crepitam-me os dedos
tocando alaúde
nas cordas dos nervos
a que te reduzes
Assim o momento
em que tudo é tudo
Mais concretamente
água fogo música

David Mourão-Ferreira

Foto:Zensen

domingo, 28 de setembro de 2008

Venhas com venhas....

Affonso Romano de Sant'Anna - Poemas para a amiga (Fragmento 3)



É tão natural
que eu te possua
é tão natural que tu me tenhas,
que eu não me compreendo
um tempo houvesse
em que eu não te possuísse
ou possa haver um outro
em que eu não te tomaria.
Venhas como venhas,
é tão natural que a vida
em nossos corpos se conflua,
que eu já não me consinto
que de mim tu te abstenhas
ou que meu corpo te recuse
venhas quando venhas.

E de ser tão natural
que eu me extasie
ao contemplar-te,
e de ser tão natural
que eu te possua,
em mim já não há como extasiar-me
tanto a minha forma
se integrou na forma tua.



Affonso Romano de Sant'Anna (Poeta e Jornalista Brasileiro, 1937- )

sábado, 27 de setembro de 2008

Se te posso pedir.....

A meias



Bebo o meu café enquanto bebes
do meu café. Intriga-me que faças isso.
Se te posso pedir um
(se podes tomar um igual)
porque hás-de querer do meu?
Que
não. Que não queres. Escuso
de pedir
que não queres. Então
começo
um cigarro e tu fumas do
meu cigarro dizes
«tenho quase a certeza de
não acabar um sozinha» por isso
fumas do meu. Dá-te
gozo esse roubar
de
leves goles furtivos
dá gozo participar
do prazer que eu possa ter
contigo
(e entre nós)
dá-se agora tudo
a meias.

João Luís Barreto Guimarães

Imagem daqui

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Procurando sentir....

Paulo Afonso Ramos - Momento



Foto: Angela Berlinde



Toco nos teus cabelos de solidão
com os meus dedos enfeitiçados de amor
procurando sentir a tua candura
e encontro-te, incerta, coberta de paixão
postada nua e incrivelmente pura
liberta, assim, de qualquer ignóbil dor.
Toco no teu rosto cândido
de uma imensa expressão
reflectido, por vezes, perdido
outras vezes lavado em emoção.
Toco no teu corpo sedento
construindo o nosso momento
que guardaremos no baú da recordação.
Toco num só corpo onde cresce o querer
confundo os corpos unidos pela vida
somos um só para amadurecer.
Cruzados num tempo da razão
descobrimos um só caminho
e é nesse momento que o percorremos devagarinho.



Paulo Afonso Ramos (Poeta Português que publica aqui)

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Por ti........

Fanatismo




Minh'alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver!
Não és sequer razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida!

Não vejo nada assim enlouquecida...
Passo no mundo, meu Amor, a ler
No misterioso livro do teu ser
A mesma história tantas vezes lida!

"Tudo no mundo é frágil, tudo passa..."
Quando me dizem isso, toda a graça
Duma boca divina fala em mim!

E olhos postos em ti, digo de rastros:
"Ah! Podem voar mundos, morrer astros,
Que tu és como Deus:Princípio e Fim!..."


Florbela Espanca

Foto:Alexandre T.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Doce......

Aparição amorosa



Doce fantasma, por que me visitas
como em outros tempos nossos corpos se visitavam?
Tua transparência roça-me a pele, convida
a refazermos carícias impraticáveis: ninguém nunca
um beijo recebeu de rosto consumido.

Mas insistes, doçura. Ouço-te a voz,
mesma voz, mesmo timbre,
mesmas leves sílabas,
e aquele mesmo longo arquejo
em que te esvaías de prazer,
e nosso final descanso de camurça.

Então, convicto,
ouço teu nome, única parte de ti que não se dissolve
e continua existindo, puro som.
Aperto... o quê? a massa de ar em que te converteste
e beijo, beijo intensamente o nada.
Amado ser destruído, por que voltas
e és tão real assim tão ilusório?
Já nem distingo mais se és sombra
ou sombra sempre foste, e nossa história
invenção de livro soletrado
sob pestanas sonolentas.
Terei um dia conhecido
teu vero corpo como hoje o sei
de enlaçar o vapor como se enlaça
uma ideia platónica no espaço?

O desejo perdura em ti que já não és,
querida ausente, a perseguir-me, suave?
Nunca pensei que os mortos
o mesmo ardor tivessem de outros dias
e no-lo transmitissem com chupadas
de fogo aceso e gelo matizados.

Tua visita ardente me consola.
Tua visita ardente me desola.
Tua visita, apenas uma esmola.

Carlos Drummond de Andrade visto no Palavras D'Ouro

Foto:Ben Heys

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domingo, 21 de setembro de 2008

Os dois....

A piscina



Os dois na piscina
Nus
Os corpos dançam
Ao sabor da água
Os teus cabelos soltos
As tuas mãos agarram-me
Toco no teu peito
Adoro o teu corpo
Musculado
Fazemos amor
Debaixo de água
A piscina toda se ilumina.

Foto:Howard Schatz

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Ontem....

Haiku


Ontem à noite
sonhei de corpo inteiro
— acordei com teu cheiro

Alonso Alvarez

Foto:zet_ka aa(Zet)

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Peço-te que venhas....

Sophia de Mello Breyner e Andresen



Chamo-Te porque tudo está ainda no princípio
E suportar é o tempo mais comprido.

Peço-Te que venhas e me dês a liberdade,
Que um só dos teus olhares me purifique e acabe.

Há muitas coisas que eu quero ver.

Peço-Te que sejas o presente.
Peço-Te que inundes tudo.
E que o teu reino antes do tempo venha.
E se derrame sobre a Terra
Em primavera feroz pricipitado.


------------------------------

Terror de te amar num sítio tão frágil como o mundo

Mal de te amar neste lugar de imperfeição
Onde tudo nos quebra e emudece
Onde tudo nos mente e nos separa

Foto:Artur Ferrão

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Oh, meu amor.....

-De onde me chegam estas palavras?

Nunca houve palavras para gritar a tua ausência

Apenas o coração
Pulsando a solidão antes de ti
Quando o teu rosto dóia no meu rosto
E eu descobri as minhas mãos sem as tuas
E os teus olhos não eram mais
que um lugar escondido onde a primavera
refaz o seu vestido de corolas.

E não havia um nome para a tua ausência.

Mas tu vieste.

Do coração da noite?
Dos braços da manhã?
Dos bosques do Outono?

Tu vieste.
E acordas todas as horas.
Preenches todos os minutos.
acendes todas as fogueiras
escreves todas as palavras.

Um canto de alegria desprende-se dos meus dedos
quando toco o teu corpo e habito em ti
e a noite não existe
porque as nossas bocas acendem na madrugada
uma aurora de beijos.

Oh, meu amor,
doem-me os braços de te abraçar,
trago as mãos acesas,
a boca desfeita
e a solidão acorda em mim um grito de silêncio quando
o medo de perder-te é um corcel que pisa os meus cabelos
e se perde depois numa estrada deserta
por onde caminhas nua.

Joaquim Pessoa

sábado, 13 de setembro de 2008

Delirando......

Paixão



Cada vez mais
Estou apaixonado!
Já não passo sem ti
Sem o teu cheiro
Sem o teu corpo
Sem a tua voz
Sem os teus beijos
Sem o teu sexo
Sem as tuas mãos
E quando estás comigo
Sorrio
Dou-me
Sou feliz…

Foto:Howard Schatz

Não demores.....

A Voz




Da tua voz
o corpo
o tempo já vencido

os dedos que me
vogam
nos cabelos

e os lábios que me
roçam pela boca
nesta mansa tontura
em nunca tê-los...

Meu amor
que quartos na memória
não ocupamos nós
se não partimos...

Mas porque assim te invento
e já te troco as horas
vou passando dos teus braços
que não sei
para o vácuo em que me deixas
se demoras
nesta mansa certeza que não vens.


Maria Teresa Horta

sexta-feira, 12 de setembro de 2008

Foi para ti.....

Foi para ti que criei as rosas




Foi para ti que criei as rosas.
Foi para ti que lhes dei perfume.
Para ti rasguei ribeiros
e dei ás romãs a cor do lume.


Eugénio de Andrade

Foto:Pedro Marques Pereira

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Para ti.....

Nuvens



Nua vens
eu nas
nuvens.

Eleitos de explendor....

Eleitos



Quem caminha pela sombra
Arrasta a sua pequena vida gelada
por planícies sem cor,
ou em fresca jornada
através duma alfombra.

Eleitos do esplendor,
entre a memória
e a expectativa,
não há intermitências para a dor!

Quantos oásis, neste queimar
de sol a pique?

Mas repassamos os dedos nas areias,
na esperança viva
de que algo fique.

Manuel Filipe,

Foto:Robert Stalzer

quarta-feira, 10 de setembro de 2008

O meu defeito é te .........

Um jeito estúpido de te amar



Eu sei que eu tenho um jeito meio estúpido de ser
E de dizer coisas que podem magoar e te ofender
Mas cada um tem o seu jeito todo próprio de amar
E de se defender
Você me acusa e só me preocupa
Agrava mais e mais a minha culpa
E eu faço e desfaço, contra feito
O meu defeito é te amar demais.

Palavras são palavras
E a gente nem percebe
O que disse sem querer
E o que deixou pra depois
Mas o importante é perceber
Que a nossa vida em comum
Depende só e unicamente de nós dois
Eu tento achar um jeito pra explicar
Você bem que podia me aceitar
Eu sei que eu tenho um jeito meio estúpido de ser
Mas é assim que eu sei te amar.

Isolda/Milton Carlos

Foto:David Hamilton

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Amar é pensar.....

Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela



Passei toda a noite, sem dormir, vendo, sem espaço, a figura dela,
E vendo-a sempre de maneiras diferentes do que a encontro a ela.
Faço pensamentos com a recordação do que ela é quando me fala,
E em cada pensamento ela varia de acordo com a sua semelhança.
Amar é pensar.
E eu quase que me esqueço de sentir só de pensar nela.
Não sei bem o que quero, mesmo dela, e eu não penso senão nela.
Tenho uma grande distracção animada.
Quando desejo encontrá-la
Quase que prefiro não a encontrar,
Para não ter que a deixar depois.
Não sei bem o que quero, nem quero saber o que quero. Quero só
Pensar nela.
Não peço nada a ninguém, nem a ela, senão pensar.

Alberto Caeiro

Foto:Yuri B

O corpo noutro corpo....

Amor



Quem ousará dizer que ele é só Alma?
Quem não sente no corpo a alma expandir-se
até desabrochar um puro grito
de orgasmo, num instante infinito?

O corpo noutro corpo entrelaçado,
fundido, dissolvido, volta à origem
dos seres que Platão viu completados:
é um, perfeito em dois; são dois em um.

Integração na cama ou já no cosmo?
Onde termina o quarto e chega aos astros?
Que força em nossos flancos nos transporta
a essa extrema região, etérea, eterna?

Ao delicioso toque do clitóris,
já tudo se transforma, num relâmpago.
Em pequenino ponto desse corpo,
a fonte, o fogo, o mel se concentraram.

Vai a penetração rompendo nuvens
e devassando sóis tão fulgurantes
que nunca a vista humana os suportara,
mas, varado de luz, o coito segue.

E prossegue e se espraia de tal sorte
que, além de nós, além da própria vida,
como activa abstração que se faz carne,
a idéia de gozar está gozando.

E num sofrer de gozo entre palavras,
menos que isto, sons, arquejos, ais,
um só espasmo em nós atinge o climax:
é quando o amor morre de amor, divino.

Quantas vezes morremos um no outro,
no úmido subterrâneo da vagina,
nessa morte mais suave do que o sono:
a pausa dos sentidos, satisfeita.

Então a paz se instaura. A paz dos deuses,
estendidos na cama, estátuas
estátuas vestidas de suor, agradecendo
o que a um Deus acrescenta o amor terrestre.

Pedro Miguel S. Duarte

Foto:Sergey Ryzhkov

sábado, 6 de setembro de 2008

Só de amor ....

Serenata



Pelas ribeiras do rio
está a noite a molhar-se
e nos peitos de Lolita
só de amor morrem os ramos.

Só de amor morrem os ramos.
A noite canta despida
sobre as pontes que tem Março.
Lolita lava o seu corpo
com água salgada e nardos.

Só de amor morrem os ramos.
A noite de anis e prata
rebrilha pelos telhados,
Prata de arroios e espelhos.
Anis de tuas coxas brancas.

Só de amor morrem os ramos.

Frederico García Lorca


sexta-feira, 5 de setembro de 2008

Não conto não....

Segredo



Não contes do meu
vestido
que tiro pela cabeça

nem que corro os
cortinados
para uma sombra mais espessa

Deixa que feche o
anel
em redor do teu pescoço
com as minhas longas
pernas
e a sombra do meu poço

Não contes do meu
novelo
nem da roca de fiar

nem o que faço
com eles
a fim de te ouvir gritar

Maria Tereza Horta

Foto:Alexander Feodorov


quinta-feira, 4 de setembro de 2008

Foi Feitiço II



Eu gostava de olhar para ti
E dizer-te que és uma luz
Que me acende a noite, me guia de dia e seduz...

Para mim tu és o sol
Que me ilumina e conduz
Mão dada na luz

Eu gostava de ser como tu
Não ter asas e poder voar
Ter o céu como fundo, ir ao fim do mundo e voltar...

Tu és como eu
Juntos voamos ao sabor do vento
Sem destino, colados, sobre o mar

Eu não sei o que me aconteceu...
Foi feitiço!
O que é que me deu?
Para gostar tanto assim de alguém
Como tu...

Também não sei…
Foi química!
O que se passou comigo?
Para amar tanto alguém
Como tu…

Eu gostava que olhasses
Para mim
E sentisses que sou o teu mar
Mergulhasses sem medo, um olhar em segredo, só para eu
Te abraçar...

É claro que olho
Para ti meu amor
Sinto-te o meu mar azul
Mergulho em ti, olho-te
Abraçamo-nos…

O primeiro impulso é sempre mais justo, é mais verdadeiro...
E o primeiro susto dá voltas e voltas na volta redonda de um beijo profundo...

O primeiro impulso é sempre o que devemos seguir
E o primeiro susto dá voltas na magia de um beijo molhado…

André Sardet


Foto:Howard Schatz

Sim reconheço......

Post Scriptum



Agora regresso à tua claridade.
Reconheço o teu corpo, arquitectura
de terra ardente e lua inviolada,
flutuando sem limite na espessura
da noite cheirando a madrugada.
Acordaste na aurora, a boca rumorosa
dum desejo confuso de açucenas;
rosa aberta na brisa ou nas areias,
alta e branca, branca apenas,
e mar ao fundo, o mar das minhas veias.
Estás de pé na orla dos meus versos
ainda quente dos beijos que te dei;
tão jovem, e mais que jovem, sem mágoa
- como no tempo em que tinha medo
que tropeçasses numa gota de água.

Eugénio de Andrade

Foto:Stanmarek

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Para eu " brincar " de novo....

Teu corpo seja brasa



Foto: Andreas Heumann



teu corpo seja brasa
e o meu a casa
que se consome no fogo

um incêndio basta
pra consumar esse jogo
uma fogueira chega
pra eu brincar de novo



Alice Ruiz (Poetisa e escritora brasileira)

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Beija meus ......

Geometria dos corpos



A menor distância
entre dois pontos
está na conjunção
de nossos corpos
que se atraem na razão inversa
da razão e do verso.

Beija meus senos
percorre minha hipotenusa
para te perderes no triângulo
molhado sob minhas bermudas
e descobrir minhas incógnitas
me rasgando com teu cateto.

Encaixa teu cilindro
em meu cone que te precisa
e acha, usa e abusa,
descobre o meu ponto G...

Encontra a quadratura do círculo
na curva de meus quadris.

Camila Sintra

Foto:Stanmarek

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Me rendo......

Nem velas nem molho branco



Nem velas nem molho branco
hoje nosso jantar
acontece por baixo da mesa

desfias minhas pernas de seda
teu beijo promete mais tarde

jogo a toalha de renda no chão
me rendo.

Martha Medeiros

Foto:Stanmarek