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quarta-feira, 30 de setembro de 2009

CONFISSÃO








Confissão


Confesso que acordo
Com o sabor dos teus beijos
Espreguiçando-se em meus lábios
Confesso que saio ás ruas
Com tuas carícias insones
Despindo a pele que me cobre
Confesso que em meus ouvidos
Ainda permanecem os teus gemidos
Musicando minhas lembranças
Confesso que minhas mãos
Guardam o mapa dos teus tesouros
Quando em tantas viagens te explorei
Confesso que meu corpo
Ainda tem tuas fragâncias
Debruçada uma em cada poro
Confesso que faço correr o tempo
Transformando hora em segundos
Para em teus braços me encontrar
Confesso que te deito em meus sonhos
Nos cetíneos lenções de prazer
Deixando as digitais do meu extase em ti
Confesso
E não quero perdão ou indulto
Por meu coração te respirar.....


Fernanda Guimarães ( Br.)

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Quem és tu



Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
Pisando o luar branco dos caminhos,
Sob o rumor das folhas inspiradas?
A perfeição nasce do eco dos teus passos,
E a tua presença acorda a plenitude
A que as coisas tinham sido destinadas.
A história da noite é o gesto dos teus braços,
O ardor do vento a tua juventude,
E o teu andar é a beleza das estradas.

Sophia de Mello Breyner

Foto:José Marafona

UMA POETISA DO PARAGUAI


UNA VEZ

María Luisa Artecona de Thompson

Hoy anduvimos celosamente humanos,
rescatando el idilio de las horas.
Por eso fui buscando un lapso claro
para ofrecerte mi vendimia simple.
Pero tú, generoso hasta el convite del vino
de mi agrazón oscura, hiciste uvas doradas,
y un poco deslumbrado
de pronto, todo lo cambiaste
y se tiñeron tus ojos de dulzura
y nada más que así fue nuestro encuentro.
Había una vez. No.
Erase una vez. No.
Que fueron muy felices. No.
Ya lo sé, amor,
son los tenaces juegos de tu ausencia.
(1984)

De: El canto a oscuras

Uma Vez

Hoje nós andamos zelosamente humanos,
resgatando o idílio das horas.
Por isso fui buscando um lapso claro
para oferecer-te minha vindima simples.
Porém, tu, generoso até o convite do vinho
escuro da minha amargura, fizestes uvas douradas,
e um pouco deslumbrado
de pronto, tudo mudastes
e se tingiram teus olhos de doçura
e nada mais que assim nosso encontro.
Houve uma vez. Não
Apague uma vez. Não
Que foram muito felizes. Não
Eu sei- era o amor,
são os tenazes jogos de tua ausência.

domingo, 27 de setembro de 2009

Dunas



Dunas brancas dunas
onde

altivo
brilha o sol;
tuas nádegas

Dunas firmes dunas
onde

célere
pulsa o sangue;
tuas nádegas

Dunas doces dunas
onde

trémulo
sucumbo ardendo;
tuas nádegas
suaves frescas e belas

João Melo

Imagem retirada do Google

sábado, 26 de setembro de 2009

Nudez



Fiquei nua de orgulho
fiquei nua de palavras,
fiquei nua de sonhos.

Vesti-me de amor e o amor me despiu.
Na matéria coberta, fiquei nua.

Cobri-me de choro.
Chorei vestida de amor e o amor me despiu.
Fiquei nua de novo!

Nua de mente e de corpo,
nua de alma, de gente.
Nua, vestida de amor para o amor!

Queria chorar e chorei. O amor deixou.
Queria falar e calei. O amor me calou.

Leve, com medo ...
Medo de ficar nua na frente do nu.
Nus de fato,
almas e corpos nus.

Dormi nua sobre o nu,
ambos vestidos de amor.

E se alguém entrasse e nos visse nus?
E se nos vissem nus?
Enxergariam também nossa nudez coberta?

Silvia Mota

Foto:Yvan Galvez
Amar é possuir. Não mais que o gozo
quero. Não sei porque desejas tanto
escravizar-me; escravizar-te. Quanto
menos me tens, mais me terás. Gostoso
é ser-me livre, alegre, escandaloso –
o peito aberto pra cantar meu canto;
os olhos claros pra ver todo encanto;
as mãos aladas, pássaros sem pouso.
Abre-me o corpo, vem dá-me o teu vale,
e a esconsa flor que ocultas hesitante,
pois o que falo o falo sem que fale
em tom de amor. Quero vaivem, espasmo -
um corpo a corpo num só corpo palpitante,
dois no galope até o sol de um só orgasmo.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Mar de Setembro



Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
Fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves, só
alma e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto,
puríssimo, doirado.

Eugénio de Andrade

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

A SOLIDÃO É UMA FERA

TRISTE LAMENTO

É quase ontem em mim
Quando não sei de ti.Temo olhar no espelho
Os cabelos brancos,
Os dedos, inúteis .
Os braços, o peito, como o olhar, vazios,
Depois de tanto tempo
Sem finalidade.

Escondo o sabor amargo da saudade,
O tremor dos lábios,
A solidão dos dias sem movimento
Que cabem num poema também lento,
Triste lamento.

A pouca fé que resta
Lembra da festa,
Do prazer, do sexo glorioso,
Que ficou para trás.

E tudo, hoje, tem um gosto insípido de nunca mais.

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

COMO SE FOSSE UMA CANTIGA

EU NÃO SABIA SABIÁ

Eu não sabia sabiá
Eu não sabia
Como o amor doía
Eu não sabia
E com o amor fui brincar
Agora canto que é pra não chorar

Voa sabiá, voa
Que quem tem asas
Tem é que voar

Voa sabiá, voa
Que quem perde o amor
Tem é que chorar

Eu não sabia sabiá
Eu não sabia
Como o amor é bom
Eu não sabia
E se choro é com a alegria
De quem ainda vai voltar a amar

Voa sabiá voa
Que não se ama
Tanto assim à-toa

Voa sabia voa
Que só com amor
É que a vida é boa.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Dormes...



XVIII

Dormes... Mas que sussurro a umedecida
Terra desperta? Que rumor enleva
As estrelas, que no alto a Noite leva
Presas, luzindo, à túnica estendida?

São meus versos! Palpita a minha vida
Neles, falenas que a saudade eleva
De meu seio, e que vão, rompendo a treva,
Encher teus sonhos, pomba adormecida!

Dormes, com os seios nus, no travesseiro
Solto o cabelo negro... e ei-los, correndo,
Doudejantes, sutis, teu corpo inteiro

Beijam-te a boca tépida e macia,
Sobem, descem, teu hálito sorvendo
Por que surge tão cedo a luz do dia?!

Olavo Bilac

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

YEATS FORTEMENTE TRAÍDO



WORDS

William Butler Yeats

I had this thought a while ago,
'My darling cannot understand
What I have done, or what would do
In this blind bitter land.'
And I grew weary of the sun
Until my thoughts cleared up again,
Remembering that the best I have done
Was done to make it plain;
That every year I have cried, 'At length
My darling understands it all,
Because I have come into my strength,
And words obey my call';
That had she done so who can say
What would have shaken from the sieve?
I might have thrown poor words away
And been content to live.

Palavras

Há pouco tempo atrás pensei
“Minha querida toda incompreensão encerra
Do que fiz, ou quanto farei
Nesta cega e amarga terra”.

E do sol me afastei
Até meus pensamentos clarearem
Que meu melhor feito, ao que sei,
Foi de sempre expressar-me claramente.

Assim ano a ano repetirei: “Enfim,
Minha querida, entende tudo que meus termos expressem,
Pois, trago esta imensa força em mim
De que comando e as palavras me obedecem”.

Quem sabe, se assim fosse, poderia dizer
Que, talvez, seja possível outro final
Onde possa das pobres palavras me desfazer
Para somente viver afinal.

domingo, 20 de setembro de 2009

NOVAMENTE PIQUERAS



VIA ÚNICA

e sem embargo pensemos que chegas de noite
e te encostas do meu lado
e ofereces o teu corpo desnudo entre os lençóis
e de repente somos

heróis em nosso pequeno paraíso noturno
feito movimento perpétuo
sussurros gemidos caricias fora de tempo
e da mística sensação de desacerto
na cama no espaço

e flutuando na escuridão:
o rosto furtivo e terno de Deus

sábado, 19 de setembro de 2009

POEMA DA ESPERA


Talvez seja melhor
Que não venhas.
Ou, melhor ainda se nunca
tivesses vindo.

Porque se assim fosse
Não sentiria
O que estou sentindo
Tamanha ausência de significado.

Talvez seja melhor
Que não venhas.
Podes não ser
Mais nada do que foi
E só matar
O que houve entre nós dois.

Tanto tempos separados
Deve fazer diferença
E se, de repente,
Somos dois estranhos?

Não, é melhor que não venhas.
Melhor permanecer, como agora,
Sem saber por quais caminhos,
Lugares e bancos
Os teus sonhos repousam.

No entanto há uma parte de mim
Que insiste
Em que, de fato, jamais partistes.
E ainda sonha
Com os dias gloriosos
De tua volta
E me sussura
Que não te esquecerei.

Talvez seja melhor que não venhas-
Repito, ansioso, por ouvir tua voz rouca
Me chamar, novamente, de “Meu lindo”!

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Alexandre O'Neill




Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca,
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto,
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído,
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte,
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte.

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

OSCAR WONG




A lua fértil

O mar, a gruta obscura de onde brama a serpente,
o disco vermelho que transpira.
A lua vem, fértil,
iluminar o teu olhar de âmbar.

Esbelta e terna me cobiças,
Gardênia cândida
Tua pupila resplandece

Bebo teu amor em densos goles,
Insaciável se agita o amanhecer nos nossos corpos.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

terça-feira, 15 de setembro de 2009

DANÇA....................



Dançam ao som dos movimentos
As cortinas ondulam
Amam-se devagar,
Prolongam o prazer
Os corpos escorregam
Entre os lençóis
Como se estivessem
Nas ondas do mar
Beijam-se como se fosse a última vez
E assim entram um no outro

Foto:Howard Schatz

segunda-feira, 14 de setembro de 2009






Este frio que me penetra na alma
Esta lucidez amarga
Este Outono triste
Pessoas com o rosto cerrado
Parece que tudo fica mais negro
Olho em volta e vejo anónimos
No ritual da manhã
A beber o café
Saem apressados para o trabalho.
Passam as horas,
Voltam como autómatos para casa
Jantam, vêem televisão, deitam-se…
No dia seguinte tudo se repete
Onde estão os afectos?
Onde está o calor humano?
Cada vez há mais solidão.
Não se vive, vegeta-se…

domingo, 13 de setembro de 2009

Mar de Setembro



Tudo era claro:
céu, lábios, areias.
O mar estava perto,
Fremente de espumas.
Corpos ou ondas:
iam, vinham, iam,
dóceis, leves, só
alma e brancura.
Felizes, cantam;
serenos, dormem;
despertos, amam,
exaltam o silêncio.
Tudo era claro,
jovem, alado.
O mar estava perto,
puríssimo, doirado.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Divagação



Queria escrever um poema de amor
Daqueles que os poetas escrevem
Bonitos, sensuais, eróticos
Mas não sei.
O amor é algo estranho
Tão depressa se ama
Como se des (ama).
Parece que a vida não tem espaço para o amor
Tudo corre, anda stressado,
As famílias não falam.
É uma vida de loucos.
Quem tem tempo e espaço para o amor?
Por isso queria escrever um poema de amor
Mas não sei…

Foto:Misha Gordin

Poemas



Na grande confusão
deste medo
deste não querer saber
na falta de coragem
ou na coragem de
me perder me afundar
perto de ti tão longe
tão nu
tão evidente
tão pobre como tu
oh diz-me quem sou eu
quem és tu?

António Ramos Rosa

Foto:Marek Straszewski

Momento



Chegado o momento
em que tudo é tudo
dos teus pés ao ventre
das ancas à nuca
ouve-se a torrente
de um rio confuso
Levanta-se o vento
Comparece a lua
Entre linguas e dentes
este sol nocturno
Nos teus quatro membros
de curvos arbustos
lavra um só incêndio
que se torna muitos
Cadente silêncio
sob o que murmuras
Por fora por dentro
do bosque do púbis
crepitam-me os dedos
tocando alaúde
nas cordas dos nervos
a que te reduzes
Assim o momento
em que tudo é tudo
Mais concretamente
água fogo música

David Mourão-Ferreira

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Bicarbonato de soda



Súbita, uma angústia...
Ah, que angústia, que náusea do estômago à alma!
Que amigos que tenho tido!
Que vazias de tudo as cidades que tenho percorrido!
Que esterco metafísico os meus propósitos todos!
Uma angústia,
Uma desconsolação da epiderme da alma,
Um deixar cair os braços ao sol-pôr do esforço...
Renego.
Renego tudo.
Renego mais do que tudo.
Renego a gládio e fim todos os Deuses e a negação deles.
Mas o que é que me falta, que o sinto faltar-me no estômago e na
circulação do sangue?
Que atordoamento vazio me esfalfa no cérebro?

Devo tomar qualquer coisa ou suicidar-me?
Não: vou existir. Arre! Vou existir.
E-xis-tir...
E--xis--tir ...

Meu Deus! Que budismo me esfria no sangue!
Renunciar de portas todas abertas,
Perante a paisagem todas as paisagens,

Sem esperança, em liberdade,
Sem nexo,
Acidente da inconseqüência da superfície das coisas,
Monótono mas dorminhoco,
E que brisas quando as portas e as janelas estão todas abertas!
Que verão agradável dos outros!

Dêem-me de beber, que não tenho sede!

Álvaro de Campos

Foto: Dylan Ricci

Poema



Amo-te por sobrancelha, por cabelo, debato-te em
corredores branquíssimos onde se jogam
as fontes de luz,
discuto-te a cada nome, arranco-te com
delicadeza de cicatriz.
Vou-te pondo no cabelo
cinzas de relâmpago
e fitas que dormiam à chuva.
Não quero que tenhas uma forma, que sejas
precisamente o que vem atrás da tua mão.
porque a água, considera a água e os leões
quando se dissolvem no açúcar da fábula,
e os gestos, essa arquitectura do nada.
acendendo as lâmpadas a meio do
encontro.
Todas as manhãs és a ardósia em que te invento
te desenho.
Pronto a apagar-te, assim não és, nem tão pouco com
esse cabelo liso, esse sorriso.
Busco a tua soma, a beira da taça onde o
vinho é também a lua e o espelho,
Busco essa linha que faz tremer um homem
numa galeria de museu.
Além disso amo-te, e faz tempo e frio.

Julio Cortázar visto no Palavras D'Ouro

Foto retirada do Google

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Dádiva



Não me peçam palavras melífluas
quando apenas a sonora gargalhada
me irrompe do peito como pedra lascada
nem sorrisinhos de catálogo de moda
quando o mijar numa esquina da cidade
é um acto poético e cheira a vida
não me peçam gestos simétricos e convencionais
quando um cosmopolítico manguito
abarca toda a náusea
de Bordalo a Pasolini
Não me peçam nunca aquilo que vós quereis
porque eu dou apenas aquilo que possuo
e que é esta raiva enorme de cuspir
esta feroz vontade de gritar
e o sexo amplo enorme e predisposto
a fertilizar o amor em todas as esquinas
peçam-me a mim
nada mais
e dar-vos-ei tudo o que possuo
o suor o sangue o sexo
EU
e comigo dar-vos-ei o homem primitivo
o que recusa a civilização do marketing
o que caga nas gravatas dos public-relations
mas que aposta no futuro único do
CRESCEI E MULTIPLICAI-VOS
Sim peçam-me a mim
Tomai e comei

ESTE É O MEU CORPO

Fernando Peixoto

Foto:Solatges Irina

Lembra-te



Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos

Mário Cesariny

Foto:Michael Vahle

terça-feira, 8 de setembro de 2009

É MUITO SONHO




Não me diga que estou sonhando

Eu estou vivendo num mundo
Onde o ódio não existe
As pessoas vivem em harmonia
Parece que ninguém usa seu punho

Eu estou vivendo no mundo
Onde as galinhas e raposas jantam juntas
Basta olhar para o leão e o urso
Que são os melhores amigos para sempre

Eu estou vivendo no mundo
Quando um peixe e um tubarão possuem uma forte amizade
Este mundo é maravilhoso
Nada pode dar errado na verdade

Eu estou vivendo no mundo
Onde sempre tenho um parceiro
Por favor, não diga que eu estou sonhando
Porque o meu mundo é verdadeiro.

sábado, 5 de setembro de 2009

Obscuro domínio



Amar-te assim desvelado
entre barro fresco e ardor.
Sorver o rumor das luzes
entre os teus lábios fendidos.

Deslizar pela vertente
da garganta, ser música
onde o silêncio aflui
e se concentra.

Irreprimível queimadura
ou vertigem desdobrada
beijo a beijo,
brancura dilacerada

Penetrar na doçura da areia
ou do lume,
na luz queimada
da pupila mais azul,

no oiro anoitecido
entre pétalas cerradas,
no alto e navegável
golfo do desejo,

onde o furor habita
crispado de agulhas,
onde faça sangrar
as tuas águas nuas.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

COISAS DO PASSADO

RECEITA

Ouve a música....olha o mar
Sob essas estrelas
Tendo por leito a areia
Vamos amar.

Vamos amar
Como se nem a morte nem o dia
Fosse chegar.
Amemos, pois,
Com o desespero
De quem come arroz com fome
Decorando a noite de gemidos e ais
Como se fosse só hoje e nunca mais..

quinta-feira, 3 de setembro de 2009

Entre os teus lábios



Entre os teus lábios
é que a loucura acode,
desce à garganta,
invade a água.

No teu peito
é que o pólen do fogo
se junta à nascente,
alastra na sombra.

Nos teus flancos
é que a fonte começa
a ser rio de abelhas,
rumor de tigre.

Da cintura aos joelhos
é que a areia queima,
o sol é secreto,
cego o silêncio.

Deita-te comigo.
Ilumina meus vidros.
Entre lábios e lábios
toda a música é minha.

Eugénio de Andrade

Foto:Janosch Simon

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

VIAS TRANSVERSAIS...CRIS MORENO


De amor

Pedro Salinas

Para vivir no quiero
Islas, palacios, torres.
¡Qué alegría más alta:
vivir en los pronombres!

Quítate ya los trajes,
Las señas, los retratos;
Yo no te quiero así,
Disfrazada de otra,
Hija siempre de algo.

Te quiero pura, libre,
Irreductible : tú.

Sé que cuando te llame
Entre todas las gentes
Del mundo,
Sólo tú serás tú.

Y cuando me preguntes
Quién es el que te llama,
"El que te quiere suya",
Enterraré los nombres,
Los rótulos, la historia.
Iré rompiendo todo
Lo que encima me echaron
Desde antes de nacer.
Y vuelto ya al anónimo
Eterno del desnudo,
De la piedra, del mundo,
Te diré : "Yo te quiero, soy yo."


De Amor


Para viver não quero
Ilhas, palácios, torres.
Que alegria mais alta:
Viver nos pronomes!

Tire já as roupas
Os signos, os retratos;
Eu não te quero assim
Disfarçada de outra
Filha sempre de algo.

Te quero pura, livre,
Irredutível: tu.

Sei que quando te chamo
Entre todas as pessoas
do mundo
Só tu serás tu.

E quando me perguntares
Quem é que te chama,
"É o que tu queres seu".
Enterrarei os nomes,
Os rótulos, a história.
Irei rompendo tudo
O que antes me jogaram
Mesmo antes de nascer.
E novamente já anônimo
Eternamente nu,
da pedra, do mundo,
Te direi: "Eu te quero, sou eu."

O deserto onírico



Quando a minha jornada é um deserto,
à noite revejo-me nas areias do Egipto,
e desfila a minha vida, de perfil.

Existo, mas não ponho nem disponho
e acordo aflito,
porque afinal, feito matéria de sonho,
sinto-me breve,
vago,
e mesmo desperto, muito frágil.

Poema:Manuel Filipe

Foto:João Pedro Sousa

terça-feira, 1 de setembro de 2009

SEM IMPORTUNAR, POR FAVOR


Tentei,
Sem sucesso,
Controlar minha vida.
Acabei assim
Vivendo um terço,
Uma metade,
Quem sabe...

Sei
Que do meu destino
Não sei eu.
Talvez meu corpo,
Que esconde surpresas
Nem sempre agradáveis,
Ou outro, inesperado,
Que me assalta,
Em qualquer parte,
E se torna senhor
Da minha vida.

Infelizmente
Sou tão frágil
Que um simples dedo
Ou uma lâmina qualquer
Me torna uma vaga lembrança.

Muito mais cruel,
Porém é quem,
Igual a ela,
Com beijos e carinhos desmedidos
Me deixou vivo
E sem sentido.

Por favor,
Quem quiser doravante
Seja rápido:
Mate-me sem carinhos, beijos,
Perguntas ou desculpas.