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sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

de Mia Couto //// Para ti....


Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo
Para ti
criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que falhei
o sabor do sempre
Para ti
dei voz, às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo
estava em nós
Nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos,
simplesmente porque
era noite
e não dormíamos.
Eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos,
vivendo de um só olhar
amando de uma só vida.


Mia Couto - (poeta moçambicano) 



Clique no endereço  :

http://youtu.be/h4BQ8Zb5Z1U




Cecília Meireles //// Espera.....

Espera...
O tempo seca a beleza,
seca o amor, seca as palavras.
Deixa tudo solto, leve,
desunido para sempre
como as areias nas águas.
O tempo seca a saudade,
seca as lembranças e as lágrimas.
Deixa algum retrato, apenas,
vagando seco e vazio
como estas conchas das praias.
O tempo seca o desejo
e suas velhas batalhas.
Seca o frágil arabesco,
vestígio do musgo humano,
na densa turfa mortuária.
Esperarei pelo tempo
com suas conquistas áridas.
Esperarei que te seque,
não na terra, Amor-Perfeito,
num tempo depois das almas.

Cecília Meireles  


CLIQUE NO ENDEREÇO :
http://youtu.be/Hib-UsNqxqo






quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

Fernando Pessoa //// Aguentar....

AGUENTAR...
Posso ter defeitos, viver ansioso e ficar irritado algumas vezes,
mas não esqueço que a minha vida é a maior empresa do mundo.
E que posso evitar que ela vá a falência.
Ser feliz é reconhecer que vale a pena viver
apesar de todos os desafios, incompreensões e períodos de crise.
Ser feliz é deixar de ser vítima dos problemas e
se tornar um autor da própria história.
É atravessar desertos fora de si, mas ser capaz de encontrar
um oásis no recôndito da sua alma .
É agradecer a Deus a cada manhã pelo milagre da vida.
Ser feliz é não ter medo dos próprios sentimentos.
É saber falar de si mesmo.
É ter coragem para ouvir um 'não'.
É ter segurança para receber uma crítica, mesmo que injusta.
Pedras no caminho?
Guardo todas, um dia vou construir um castelo...


Fernando Pessoa   


quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

são reis //// Gosto do silêncio !

Gosto do silêncio!
Daquele silêncio que se abate brutal sobre a pele
que avassala
trespassa
rasga
e faz sangrar
deixando no peito uma ferida
difícil de fechar
Gosto daquele silêncio que se bebe pela pele
e se transpira pela boca
em palavras nunca antes proferidas
porque nunca antes sentidas

são reis 

 


terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Miguel Torga ///// Súplica


Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.



Miguel Torga   



segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Fernando Campos de Castro /// O amor é como um rio....

O AMOR É COMO UM RIO
O amor é como um rio
Que nasce em qualquer lugar
Vais crescendo pouco a pouco
Até se tornar um louco
Difícil de controlar
Passa por cima de tudo
Nem tolera as suas margens
Em lucidez desmedida
Corre atrás da sua vida
Nas suas loucas miragens
O amor é rio imenso
Às vezes turvo e barrento
Tem fúrias e tempestades
Em convulsão de saudades
Que quase o tornam violento
O amor é como um rio
Tem a mesma condição
Depois de ser mar revolto
Corre livre, puro e solto
Nas margens do coração


Fernando Campos de Castro 




domingo, 22 de fevereiro de 2015

Amália Bautista /// Dizes que me amas....


.

.
Dizes que me amas de uma tal forma,
que não consigo deixar de corar;
que me amas de um modo primitivo,
sem razão aparente e sem desculpas
e que me amas porque me desejas,
porque sabes que eu também te amo
e como o monstro deste amor nos devora
a alma, a paciência e as maneiras.
É uma pena que todas estas coisas
morram em nós afogadas de silêncio.


Amalia Bautista   


sexta-feira, 20 de fevereiro de 2015

Miguel Torga /// Memória

Memória
Dei-te os dias, as horas e os minutos
Destes anos de vida que passaram;
Nos meus versos ficaram
Imagens que são máscaras anónimas
Do teu rosto proibido;
A fome insatisfeita que senti
Era de ti,
Fome do instinto que não foi ouvido.
Agora retrocedo, leio os versos,
Conto as desilusões no rol do coração,
Recordo o pesadelo dos desejos,
Olho o deserto humano desolado,
E pergunto porquê, por que razão
Nas dunas do teu peito o vento passa
Sem tropeçar na graça
Do mais leve sinal da minha mão…

Miguel Torga  




Rui Amaral Mendes //// Declaração...


e tudo falei
e nada te disse
para tudo olhei
para em nada te ver
em tudo toquei
em nada te senti
mas trago-te dentro de mim
donde me ausentei

Rui Amaral Mendes [na luz do crepúsculo, 2006]


CLIQUE NO ENDEREÇO


http://youtu.be/LIrWY48Kih4


 



Maria Helena Guimarães //// As tuas mãos meigas....

AS TUAS MÃOS MEIGAS ...

As tuas mãos meigas e morenas
que deslizam no meu corpo, lentas,
em busca de morna intimidade,
têm laivos de sensualidade,
de entrega, de posse e sedentas
bebem carícias de afecto plenas.

Caminhando no meu abandono,
despertam mananciais de prazer,
ponteados subtís de ternura.
Doce lascívia que perdura
na intensidade do querer
que nimba a fronteira do meu ser.

Essas mãos ávidas e atrevidas,
as tuas, que o corpo me protejem
numa suave posse, desligada,
corporizam, de forma delicada,
aquelas emoções que inda emergem
no diário comum das nossas vidas

Maria Helena Guimarães
Do livro """ INTIMIDADES """ 1994 





quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

COMO SE.........

Como se...

 O firmamento parava nos meus olhos para te olhar. Como se a Primavera tivesse trazido as cores de todas as flores imperecíveis e os desígnios insondáveis do mundo e arredores. Dizias frases supostamente com sentido, e tomavas no teu o meu corpo como se não existisse a hora seguinte, e o amanhã pudesse ser remoto e adiável.

 Inventei em ti a frescura das manhãs e o mistério do movimento de translação da terra, a ondulação das giestas, os gestos quentes e atlânticos feitos de azul e mar. A certeza ilusória de um trilho em direcção ao sol poente, como anjo de asas cortadas que se tivesse esquecido de descobrir a claridade dos dias, mas se aventurasse na penumbra da noite.

 Reconheci o teu respirar no meu, sempre que a lua se sentava distraidamente no meu peito quando adormecias e me encostava a ti, e  existia uma leve brisa feita de ternura que despertava em deslumbramento todos os silêncios. Uma brisa feita de oceanos de palavras não ditas, amarrotadas nos bolsos, e da opulência de mãos acesas que davam luz aos corpos e incendiavam a matéria. Pendurei no teu corpo o infinito, como se um momento tivesse em si a semente robusta de um dia claro e abrangente. Como se tudo existisse em ti...

 Suaves gotas de chuva tépida molham o regresso dos dias. Descubro-te ainda em cada arco-íris, como se fosses o sol que me ilumina aonde quer que vá. Como se um brado sereno travasse os movimentos antes incontidos das marés, e todos os rios só encontrassem agora o caminho para o orvalho do meu olhar. Todo o sentimento de ausência pode ser um longuíssimo adágio ou uma sinfonia descontínua de sons e imagens difusas que estremecem no ruído dos dias. Ou tímidos vazios imperiais de desalento. Lá fora a manhã vagarosamente se anuncia. Restos de noite sobem de mão dada com a densa neblina enquanto o meu corpo, mera superfície lavrada, desperta a lembrança do Verão fazendo soprar um bafo quente de tempo irrepetível.

 Continuas a caminhar nos meus passos com a leveza das aves anónimas que há muito voaram para longe, aladas na ventania que deixa para trás árvores decapitadas. Galopo contudo a crista da manhã como se me esquecesse de ser triste, e a tranquilidade da noite tivesse emprestado ao dia uma doce e serena resignação.






CLIQUE NO ENDEREÇO :

http://youtu.be/DAQBiqomiNo



quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Nuno Júdice ///// Carta esboço


Lembro-me agora que tenho de marcar um
encontro contigo, num sítio em que ambos
nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma
das ocorrências da vida venha
interferir no que temos para nos dizer. Muitas
vezes me lembrei de que esse sítio podia
ser, até, um lugar sem nada de especial,
como um canto de café, em frente de um espelho
que poderia servir de pretexto
para reflectir a alma, a impressão da tarde,
o último estertor do dia antes de nos despedirmos,
quando é preciso encontrar uma fórmula que
disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É
que o amor nem sempre é uma palavra de uso,
aquela que permite a passagem à comunicação ;
mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale,
de súbito, o sentido da despedida, e que cada um de nós
leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio
ser, como se uma troca de almas fosse possível
neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e
me peças: «Vem comigo!», e devo dizer-te que muitas
vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde,
isto é, a porta tinha-se fechado até outro
dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então
as palavras caem no vazio, como se nunca tivessem
sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar
um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos
para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que
é também a mais absurda, de um sentimento; e, por
trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia
seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores
do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos
encontrar, que há-de ser um dia azul, de verão, em que
o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas,
que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo
das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros.


Nuno Júdice, in “Poesia Reunida”  



António Nobre //// O teu retrato

 
 
Deus fez a noite com o teu olhar,
Deus fez as ondas com os teus cabelos;
Com a tua coragem fez castelos
Que pôs, como defesa, à beira-mar.
Com um sorriso teu, fez o luar
(Que é sorriso de noite, ao viandante)
E eu que andava pelo mundo, errante,
Já não ando perdido em alto-mar!
Do céu de Portugal fez a tua alma!
E ao ver-te sempre assim, tão pura e calma,
Da minha Noite, eu fiz a Claridade!
Ó meu anjo de luz e de esperança,
Será em ti afinal que descansa
O triste fim da minha mocidade!
   


António Nobre (1867-1900) 





 
beijinhos

António Carlos Santos //// Zénite


.

.
Recolho-me nos ventos
do teu perfume de alfazema
para viajar sem pressas
pelos teus carinhos,
entrelaçar-me feito poema
em teus ternos e lentos beijos
E assim – no silêncio do aconchego –
voamos ambos por inteiro
na cumplicidade da noite
e nos segredos dos lençóis.
E planamos…
planamos…
sem desassombro e sem fim
nas asas da fantasia
e nas inquietas teias
dos nossos corpos
onde parte de mim vive em ti,
num dilúvio de chamas flamejantes
para encontrar flores frescas
e eternizar a primavera.

António Carlos Santos

in "Da Geometria do Amor"
Arte: serge marshennikov 


terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Mário Cesariny

Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco
conheço tão bem o teu corpo
sonhei tanto a tua figura
que é de olhos fechados que eu ando
a limitar a tua altura
e bebo a água e sorvo o ar
que te atravessou a cintura
tanto, tão perto, tão real
que o meu corpo se transfigura
e toca o seu próprio elemento
num corpo que já não é seu
num rio que desapareceu
onde um braço teu me procura
Em todas as ruas te encontro
Em todas as ruas te perco..


Mário Cesariny 




segunda-feira, 16 de fevereiro de 2015

Fernando Campos de Castro //// Amar é quando chegas

AMAR É QUANDO CHEGAS
Amar é quando chegas de mansinho
E trazes nos teus gestos mil segredos
De coisas que não sei mas adivinho
Suspensas da varanda dos teus dedos
É ver nos olhos teus a luz solar
Mostrando quanto vês e quanto sentes
Sentir que vem contigo o céu e o mar
Nas tuas mãos abertas transparentes
Amar é quando chegas noite alta
E aqueces minha cama funda e fria
Trazendo tudo aquilo que me falta
A alma e o teu corpo de alegria
Amar é sentir mais o que não digo
Das coisas principais que não vivi
Amar o nosso amor a sós contigo
Para morrer depois dentro de ti

Fernando Campos de Castro 
 
 

domingo, 15 de fevereiro de 2015

Laura Santos //// Pele

Pele

                                        

Tudo acorda em mim enevoado
quando em mim te afundas e te deitas.
Um torpor, um arrepio na espinha
quando nas minhas coxas te ajeitas
em leve murmúrio abafado
numa vontade que já não é minha.
Seiva, saliva, humidade de poros,
vaga de lume batida em corpo salgado
tropicais cascatas e meteoros
oscilando em revolta navegação
como calado de barco afogado
fogo liberto em silêncio de amarração.
A minha pele adormecida
 é avida de astrolábios desconcertados
de tanta sede acometida.
De gestos de ternura perfumados
de sol, chuva e frescas nuvens
de mastros de coragem levantados.
Mas tu hoje não vens.

Laura Santos 



 NÚ SENTADO ///   PICASSO

Helena Guimarães /// Não, não é desejo o que sinto !

Não, não é desejo o que sinto!

É esta fome de ti

como se não houvesse caminho
para caminhar,

ar para respirar,

água para molhar-me
os lábios ávidos,

palavras para alimentar-me o dia,

brisa para refrescar-me
a alma esquiva,

um abraço para
velar-me o sono,

um canto para

o meu abandono,

nesta imensa caminhada

que é a minha vida.
  


Helena Guimarães   





sábado, 14 de fevereiro de 2015

Almada Negreiros ///// Aconteceu-me


Aconteceu-me



Eu vinha de comprar fósforos
e uns olhos de mulher feita
olhos de menos idade que a sua
não deixavam acender-me o cigarro.
Eu era eureka para aqueles olhos.
Entre mim e ela passava gente como se não passasse
e ela não podia ficar parada
nem eu vê-la sumir-se.
Retive a sua silhueta
para não perder-me daqueles olhos que me levavam espetado
E eu tenho visto olhos !
Mas nenhuns que me vissem
nenhuns para quem eu fosse um achado existir
para quem eu lhes acertasse lá na sua ideia
olhos como agulhas de despertar
como íman de atrair-me vivo
olhos para mim!
Quando havia mais luz
a luz tornava-me quase real o seu corpo
e apagavam-se-me os seus olhos
o mistério suspenso por um cabelo
pelo hábito deste real injusto
tinha de pôr mais distância entre ela e mim
para acender outra vez aqueles olhos
que talvez não fossem como eu os vi
e ainda que o não fossem, que importa?
Vi o mistério!
Obrigado a ti mulher que não conheço.



 
Almada Negreiros   





Eugénio de Andrade /// Shelley sem anjos e sem pureza



Shelley sem anjos e sem pureza,
aqui estou à tua espera nesta praça,
onde não há pombos mansos mas tristeza
e uma fonte por onde a água já não passa.
Das árvores não te falo pois estão nuas;
das casas não vale a pena porque estão
gastas pelo relógio e pelas luas
e pelos olhos de quem espera em vão.
De mim podia falar-te,mas não sei
que dizer-te desta história de maneira
que te pareça natural a minha voz.
Só sei que passo aqui a tarde inteira
tecendo estes versos e a noite
que te há-de trazer e nos há-de de deixar sós


Eugénio de Andrade   



Laura Santos //// Promessa


Um dia soltarei as borboletas que trago na barriga
E no ar lançarei as vagas.
Contigo ficarei para sempre comigo a sós, e irei
Sempre com uma moldura na voz
Rodear-te de atenção e loucura. Em ti porei
Para sempre, como no presente, a minha ternura.
Nus, teus braços barcos cordas, esperarei
Em cada vale o deslizar de todas as neves
E se suspendam de ti as folhas, alegrias breves.
A mar-te-ei como às flores, para sempre todas as tuas cores.
Ficarei liberta e louca nas casas da tua boca
E amar-te-ei sempre nas asas duma gaivota
Com olhos brancos de espuma...
Flutuante, bela e capaz de romper uma a uma
Cada nuvem que aparecer.
Amar-te-ei sempre.

Laura Santos   





Clique no endereço

http://youtu.be/jpV46ycq0dQ

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Almeida Garrett /// Este inferno de amar !



Este inferno de amar — como eu amo!
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida — e que a vida destrói —
Como é que se veio a atear,
Quando — ai quando se há-de ela apagar?
Eu não sei, não me lembra; o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez… — foi um sonho —
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar…
Quem me veio, ai de mim! despertar?
Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Que fez ela? Eu que fiz? — Não não sei
Mas nessa hora a viver comecei…


Almeida Garrett   




José Régio //// Soneto de amor



Não me peças palavras, nem baladas,
Nem expressões, nem alma... Abre-me o seio,
Deixa cair as pálpebras pesadas,
E entre os seios me apertes sem receio.
Na tua boca sob a minha, ao meio,
Nossas línguas se busquem, desvairadas...
E que meus flancos nus vibrem no enleio
Das tuas pernas ágeis e delgadas.
E em duas bocas uma língua..., - unidos,
Nós trocaremos beijos e gemidos,
Sentindo o nosso sangue misturar-se.
Depois... - abre os teus olhos, minha amada!
Enterra-os bem nos meus, não digas nada...
Deixa a vida exprimir-se sem disfarce!


José Régio  




quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Nuno Júdice //// Carta ( Esboço )


Lembro-me agora que tenho de marcar um
encontro contigo, num sítio em que ambos
nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma
das ocorrências da vida venha
interferir no que temos para nos dizer. Muitas
vezes me lembrei de que esse sítio podia
ser, até, um lugar sem nada de especial,
como um canto de café, em frente de um espelho
que poderia servir de pretexto
para reflectir a alma, a impressão da tarde,
o último estertor do dia antes de nos despedirmos,
quando é preciso encontrar uma fórmula que
disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É
que o amor nem sempre é uma palavra de uso,
aquela que permite a passagem à comunicação ;
mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale,
de súbito, o sentido da despedida, e que cada um de nós
leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio
ser, como se uma troca de almas fosse possível
neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e
me peças: «Vem comigo!», e devo dizer-te que muitas
vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde,
isto é, a porta tinha-se fechado até outro
dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então
as palavras caem no vazio, como se nunca tivessem
sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar
um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos
para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que
é também a mais absurda, de um sentimento; e, por
trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia
seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores
do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos
encontrar, que há-de ser um dia azul, de verão, em que
o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas,
que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo
das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros.


Nuno Júdice, in “Poesia Reunida”     


Clique no endereço

http://youtu.be/b8JOi1q5ugs

Ângelo de Lima //// Eu ontem vi-te....

Eu ontem vi-te...

Eu ontem vi-te...
Andava a luz
Do teu olhar,
Que me seduz
A divagar
Em torno de mim.
E então pedi-te,
Não que me olhasses,
Mas que afastasses,
Um poucochinho,
Do meu caminho,
Um tal fulgor
De medo, amor,
Que me cegasse,
Me deslumbrasse
fulgor assim.


Ângelo de Lima   


quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Maria Helena Guimarães //// Outono


Chegaste !
Sorriste e disseste :
- Estamos no Outono !
Não sei se falavas
dos castanhos dourados
lá de fora ,
se dos fios brancos
que nos emolduram a fronte.
Trouxeste contigo
a quietude e plenitude
da natureza.
Perdemo-nos
nos nossos pensamentos.
Definitivamente,
estamos no Outono.

Maria Helena Guimarães

Do livro "" Contigo à lareira "" 2012



  


terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Casimiro de Abreu ///// Clara....

Clara
Não sabes, Clara, que pena eu teria se — morena tu fosses em vez de clara! Talvez... quem sabe... não digo... mas refletindo comigo talvez nem tanto te amara!  A tua cor é mimosa, brilha mais da face a rosa tem mais graça a boca breve. O teu sorriso é delírio... És alva da cor do lírio, és clara da cor da neve!  A morena é predileta, mas a clara é do poeta: assim se pintam arcanjos. Qualquer, encantos encerra, mas a morena é da terra enquanto a clara é dos anjos!  Mulher morena é ardente: prende o amante demente nos fios do seu cabelo; — A clara é sempre mais fria, mas dá-me licença um dia que eu vou arder no teu gelo!  A cor morena é bonita, mas nada, nada te imita nem mesmo sequer de leve. — O teu sorriso é delírio... És alva da cor do lírio, és clara da cor da neve!



Casimiro de Abreu 







José Ángel Buesa //// Pequena canción

                                                                

José Ángel Buesa

Amor y primavera
son una cosa igual,
y cada cual lo sabe a su manera:
Vos, señora, pasando por mi acera;
yo, cuidando del rosal.

Es la única cosa
que exista entre los dos:
Vos que pasáis, feliz de ser hermosa,
yo, esperando que nazca alguna rosa
digna de vos...



Pequena canção
Amor e primavera
são uma coisa igual,
e cada qual o sabe a sua maneira:
vós, senhora, passando por minha calçada;
eu, cuidando das roseiras.

É a única coisa
que existe entre os dois:
vós, que passais feliz de ser formosa,
eu, esperando que nasça alguma rosa
digna de vós...


José Ángel Buesa    

 


Fernando Campos de Castro /// Estas mãos que te dou


Vê as mãos que aqui te dou, brancas e nuas
Tão cansadas e tão frias, quão distantes
Mas que sonham agarrar ainda as tuas
Com a mesma lucidez que tinham antes
Estas mãos que já respiram despedida
Tão marcadas em delírios sobre a pele
São farrapos das estrelas de uma vida
Que ficou de ti em mim tão fria e breve
Mãos que acendem cada dia de lonjura
P’ra poder guardá-lo em mim uma só vez
Nesta doce solidão quase loucura
Que a tua eterna ausência de mim fez
Vê as mãos que aqui te dou como desvelos
Que se quebram com acenos d’ansiedade
Estas mãos com que desprendo os teus cabelos
E o teu corpo de mil sedes e saudade

Fernando Campos de Castro  





segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

helena guimaraes //// Ontem....


Quando ontem , na conversa,
os teus olhos, ora fugídios,
mergulharam nos meus
demoradamente.
Houve um singular instante
em que algo indefenido aconteceu.
As palavras voaram no espaço
e tudo à nossa volta se quedou,
repentinamente.
O teu olhar , até aí indiferente,
surpreendeu-se , tornou-se vivo,
inquieto, procurou-me a alma,
interrogativamente.
Quebraram-se as linhas duras de teu rosto,
adoçaram-se os teus lábios num sorriso
e comungamos ternura,
delicadamente....


De helena guimarães
do livro "" Intimidades ""/// 1994  






Paulo Mendes Campos //// Três coisas....


Não consigo entender
O tempo
A morte
Teu olhar
O tempo é muito comprido
A morte não tem sentido
Teu olhar me põe perdido
Não consigo medir
O tempo
A morte
Teu olhar
O tempo, quando é que cessa?
A morte, quando começa?
Teu olhar, quando se expressa?
Muito medo tenho
Do tempo
Da morte
De teu olhar
O tempo levanta o muro.
A morte será o escuro?
Em teu olhar me procuro.

Paulo Mendes Campos, in 'Antologia Poética' 




Rhye open

http://youtu.be/sng_CdAAw8M   


Clique no endereço



domingo, 8 de fevereiro de 2015

Jaime Sabines Tu cuerpo está a mi lado....

                                          

Tu cuerpo está a mi lado
Fácil, dulce, callado.
Tu cabeza en mi pecho se arrepiente
Con los ojos cerrados
Y yo te miro y fumo
Y acaricio tu pelo, enamorado.
Esta mortal ternura con que callo
Te está abrazando a ti mientras yo tengo
Inmóviles mis brazos.
Miro mi cuerpo, el muslo
En que descansa tu cansancio,
Tu blando seno oculto y apretado
Y el bajo y suave respirar de tu vientre
Sin mis labios.
Te digo a media voz
Cosas que invento a cada rato
Y me pongo de veras triste y solo
Y te beso como si fueras tu retrato.
Tú, sin hablar, me miras
Y te aprietas a mí y haces tu llanto
Sin lágrimas, sin ojos, sin espanto.
Y yo vuelvo a fumar, mientras las cosas
Se ponen a escuchar lo que no hablamos.

Jaime Sabines


Teu corpo está a meu lado
Teu corpo está a meu lado
Fácil, doce, calado.
Tua cabeça em meu peito se arrepende
Com os olhos fechados
E eu te olho e fumo
E acaricio teu pelo, enamorado.
Esta mortal ternura com que calo
Te está abraçando, enquanto eu tenho
Imóveis meus braços.
Eu olho o teu corpo, a coxa
Em que descansa o teu cansaço,
Teu seio macio, oculto e apertado
E, o baixo e suave respirar do teu ventre
Sem os meus lábios.
Te digo a meia voz
Coisas que invento a cada instante
E me ponho deveras triste e só
E te beijo como se fosses o teu retrato.
Tu, sem falar, me olhas
E te apertas a mim e crias o teu pranto
Sem lágrimas, sem olhos, sem espanto.
E eu volto a fumar enquanto as coisas
Se põem a escutar o que não falamos.


Jaime Sabines   


Rui Amaral Mendes ///// Geometria

Geometria...
quis ensinar-te a geometria do amor
como se a subjectividade dos afagos
pudesse ser decantada em certezas de
linhas eternas que unem dois pontos
separados no espaço
quis ensinar-te a geometria do amor
mas a linha que nos une
é um conjunto infinito de pontos
uma recta traçada no papel
definida por duas existências singulares
pontos existenciais
e o sentido essencial de tudo o que é infinito
não cabe na palavra nem
o sentido do absoluto que nos enforma
digo-te: os actos de Deus não são geométricos!
quis ensinar-te a geometria do amor
uma recta que nasce algures
unindo-nos na passagem por cada um de nós
rumo a exacto e imprevisível destino
num tempo sem fim num espaço ondulatório


Rui Amaral Mendes [Na luz do crepúsculo...]  

 Clique em http

http://youtu.be/wPxVbbdll8A

sábado, 7 de fevereiro de 2015

Cecília Meireles //// Desejo.....


Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão,
deixo o mar bravo e o céu tranquilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces? - me perguntarão.
- Por não ter palavras, por não ter imagens.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras? Tudo. Que desejas? - Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão!
Estandarte triste de uma estranha guerra...)
Quero solidão.

Cecília Meireles   

Clique no endereço abaixo 


http://youtu.be/pJouVU0jlH0

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

valter hugo mãe Escolha

Escolha...
[...]
tens este pedaço de chão, escolhe definitivamente
entre a vida e a morte. não penses em mais nada,
senão na vida e na morte. quando sentires o corpo
frio, o sangue sem correr, percebe que conheces
mais do que te parecia à partida, e que há
neste pedaço de chão, enquanto tu estiveres
nele, uma extensão de cada coisa do mundo. e
estarás como tentacular, acedendo aqui e
acolá pela magnifica estratégia da existência
humana, e em cada pensamento trarás para perto
o que julgas longe e farás a gestão difícil, mas
rigorosa, dos teus afectos. só então te erguerás
convicto da vida ou da morte. o corpo menos frio,
o sangue começando a correr, talvez uma vontade
de ver pela janela quem circunda a casa de vez
em quando. hoje, a esta mesma hora em que te
falo, estou contigo, e se não estiver, se por um
acaso escolher a morte, pensa que não é nada
senão um exagero no tempo com com que deixei
o corpo frio, e o sangue, já sabes, sem correr.

valter hugo mãe  

NOTA :   clique no endereço
 
="https://www.youtube.com/embed/pgA18zrn9RE"

FUEL TO FIRE Agnes Obel


FUEL TO FIRE


="https://www.youtube.com/embed/hqZGvkF00DI"


Nota :   clique neste endereço




Fuel To Fire

Do you want me on your mind?
Or do you want me to go home?
It might be yours
Is as sure as I can say
But can't be far away

Ooh
Ooh

Roses on parade
They follow you around
Upon your shore
Is as sure as I can say
But can't be far away

Ooh
Ooh

Like fuel to fire

To the town we'll go
And to your hideaway
Where the towers grow
Gone to be far away
Sit quietly
Alone

Eyes want to cry
And do
They undo?
Upon your shore
Then as sure as I can say
But can't be far away

Oh, what a day
To choose
Torn by our world
All that is safe
To you
Is like fuel to the fire

To the town we'll go
And to your hideaway
Where the towers grow
Gone to be far away
Never do we know
Never do they give away
Where the towers grow
Only you will lead us there

Sit quietly
Alone
Sit quietly
Alone

Combustível Para o Fogo

Você me quer em sua mente?
Ou você quer que eu vá para casa?
Isto pode ser seu
É tão certo como eu posso dizer
Mas não pode estar muito longe

Ooh
Ooh

Rosas no desfile
Elas seguem em sua volta
Sobre suas margens
É tão certo como eu posso dizer
Mas não pode estar muito longe

Ooh
Ooh

Como combustível para o fogo

Para a cidade iremos
E para seu esconderijo
Onde as torres crescem
Sumido para estar longe
Sente-se quietamente
Sozinho

Olhos querem chorar
E choram
Eles não choram?
Sobre suas margens
Então, tão certo como eu posso dizer
Mas não pode estar muito longe

Oh, que dia
Para escolher
Dividido pelo nosso mundo
Tudo o que é seguro
Para você
É como combustível para o fogo

Para a cidade iremos
E para seu esconderijo
Onde as torres crescem
Sumido para estar longe
Nunca sabemos
Nunca eles concedem
Onde as torres crescem
Só você vai nos levar até lá

Sente-se quietamente
Sozinho
Sente-se quietamente
Sozinho


quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

Lua Diurna //// Poema encomendado

bji....
 
 
queria fazer.te um poema
que te gritasse baixinho:
não desistas
meu amor
por favor
não desistas
Há um principio do fim na desistência
e o Amor
que se cala na ausência já não se detém
na ilusão
da aparência
que se tornou vulgar
e sem sentido.
amar é respeitar
é bem querer
não é um entretém
nem um lazer
e se assim for
não deve ser
não se pode amar todos e a ninguém
porque o amor que é amor
..à alma vem
implode sem razão que o defina
é a morte ou
é a vida....
e a vida que se tem
em quem se ama
não pode ser um sonho envenenado
tem que ser de verdade
e p'ra valer
um tudo ou nada
que se entregue
a outro ser....
doado
e consentido...
pode ser até um sonho
entontecido
um beijo de ternura embriagado
mas nunca
(ou tão só somente)
um poema encomendado 

(Lua Diurna)

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Maria do Rosario Pedreira //// Diz - me o teu nome....

Diz-me o teu nome 

      



Diz-me o teu nome - agora, que perdi
quase tudo, um nome pode ser o princípio
de alguma coisa. Escreve-o na minha mão

com os teus dedos - como as poeiras se
escrevem, irrequietas, nos caminhos e os
lobos mancham o lençol da neve com os
sinais da sua fome. Sopra-mo no ouvido,

como a levares as palavras de um livro para
dentro de outro - assim conquista o vento
o tímpano das grutas e entra o bafo do verão
na casa fria. E, antes de partires, pousa-o

nos meus lábios devagar: é um poema
açucarado que se derrete na boca e arde
como a primeira menta da infância.

Ninguém esquece um corpo que teve
nos braços um segundo - um nome sim.

Maria do Rosário Pedreira

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2015

Laura Santos ///// Desconcerto



O amor é um barco distante no mar,
ou este ondular constante do meu coração
nas praias do teu olhar?
Ou é apenas o saltitar das minhas mãos, tão persistente
na estrada da imaginação descrita pelo sol poente?
Será este céu que se sente tão fundo na alma...
É lava de vulcão
ou apenas a estranha calma
duma louca e desconcertada oração?
Será flor de jardim,
ou apenas este pomar a brotar desajeitado
dentro e fora de mim?

Laura Santos  




Maria Helena Guimarães //// Esta melancolia

Esta melancolia
Esta melancolia
que me mescla a subsistência,
é a interior lactência
duma imensa nostalgia.
Uma macia neblina
que dá tom de irrealidade
à existente crueldade
e o efeito sublima.
O rúbido da paixão
esbate-se em tons de rosa
de ternura deliciosa,
uma suave encantação
A intença amargura
da inópia observada,
pelo estro expurgada
em calma se transfigura.
Esta estranha melancolia
que me mescla a subsintência,
é uma singular eminência
que me abonança e extasia.

Maria Helena Guimarães
Do livro ""  Intimidades "" 1994 


terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Cris Anvago //// Todos os dias....

TODOS OS DIAS
Quero-te
No orvalho da noite
Na sombra dos dias quentes
Abraço o teu desejo
Nas horas da nossa paixão
Meu amor
Os teus lábios são morangos
Suculentos e vermelhos
Que provo em cada beijo
Quero-te...
Nos dias sombrios de Outono
Nos dias amenos da Primavera
Todos os dias te revejo
O teu corpo á minha espera
Carinhos intensos...
Reencontro-te nos meus braços
Nos teus olhos
Meu amor
O oceano onde mergulhamos
No infinito desejo


Cris Anvago  





segunda-feira, 2 de fevereiro de 2015

José Ángel Buesa //// CANCIÓN DE UN SUEÑO

                                            

Otra vez, esta noche, ví tu mano en la mía,
otra vez, esta noche, volví a soñar contigo,
yo, que no soy tu amante ni siquiera tu amigo,
sino un hombre que pasa bajo la luz del día.

Sin embargo, en la sombra donde el tiempo no existe,
se buscan nuestras almas, no sé por qué. Y despierto
vagamente inconforme de que no ha sido cierto,
triste de una tristeza que no llega a ser triste.

Algo ocurre en la noche, pero yo no lo digo:
ni a ti, que nada sabes, ni a ti te diré nada,
pero al mirar tus ojos sabré, por tu mirada,
si  también, esta noche, tú has soñado conmigo.


José Ángel Buesa


Canção de um sonho
Outra vez, esta noite, vi tua mão na minha,
outra vez, esta noite, voltei a sonhar contigo
eu, que não sou teu amante nem sequer teu amigo,
senão um homem que, sob a luz do dia, vinha.

Sem embargo, na sombra onde o tempo não existe,
se buscam nossas almas, nem sei por que. E desperto
vagamente inconformado de que não seja certo,
triste de uma tristeza que nem chega a ser triste.

Algo ocorre na noite, porém, eu não o digo:
nem a ti, que nada sabes, nem a ti direi nada,
porém, ao olhar teus olhos saberei pela olhada
se, também, esta noite, tu  há sonhado comigo.



Reinaldo Ferreira ///// Se eu nunca disse que os teus dentes


Se eu nunca disse que os teus dentes
São pérolas,
É porque são dentes.
Se eu nunca disse que os teus lábios
São corais,
É porque são lábios.
Se eu nunca disse que os teus olhos
São dónix, ou esmeralda, ou safira,
É porque são olhos.
Pérolas e ónix e corais são coisas,
E coisas não sublimam coisas.
Eu, se algum dia com lugares-comuns
Houvesse de louvar-te,
Decerto buscava na poesia,
Na paisagem, na música,
Imagens transcendentes
Dos olhos e dos lábios e dos dentes.
Mas crê, sinceramente crê,
Que todas as metáforas são pouco
Para dizer o que eu vejo.
E vejo olhos, lábios, dentes.


Reinaldo Ferreira  
   


domingo, 1 de fevereiro de 2015

Fernando Campos de Castro //// O amor é como um rio


O amor é como um rio
Que nasce em qualquer lugar
Vais crescendo pouco a pouco
Até se tornar um louco
Difícil de controlar
Passa por cima de tudo
Nem tolera as suas margens
Em lucidez desmedida
Corre atrás da sua vida
Nas suas loucas miragens
O amor é rio imenso
Às vezes turvo e barrento
Tem fúrias e tempestades
Em convulsão de saudades
Que quase o tornam violento
O amor é como um rio
Tem a mesma condição
Depois de ser mar revolto
Corre livre, puro e solto
Nas margens do coração

Fernando Campos de Castro