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sábado, 29 de setembro de 2012

Carvajal de volta



Dame, dame la noche del desnudo...               

Antonio Carvajal

Dame, dame la noche del desnudo
para hundir mi mejilla en ese valle,
para que el corazón no salte, y calle:
hazme entregado, reposado y mudo.

Dame, dame la aurora, rompe el nudo

con que ligué mis rosas a tu talle,
para que el corazón salte y estalle:
hazme violento, bullidor y rudo.

Dame, dame la siesta de tu boca,

dame la tarde de tu piel, tu pelo:
sé lecho, sé volcán, sé desvarío.

Que toda plenitud me sepa a poca,

como a la estrella es poco todo el cielo,
como la mar es poca para el río.
  
Dá-me, dá-me a noite do desnudo...

Dá-me, dá-me a noite do desnudo
para afundar meu rosto neste vale,
para que o coração não salte e cale:
Faz-me entregue, repousado e mudo.

Dá-me, dá-me a aurora, rompe o nu  
com que liguei minhas rosas a teu talhe
para que o coração salte e estale:
faz-me violento, bulidor e rude.

Dá-me, dá-me o cochilo de tua boca,
dá-me a tarde de tua pele, teu cabelo:
sê leito, sê  vulcão, sê desvario.

Que toda a plenitude me saiba pouca,
como a estrela é pouca em todo o céu,
como ao mar é pouco todo rio.

Surdo, subterrâneo rio


Surdo, subterrâneo rio de palavras
me corre lento pelo corpo todo;
amor sem margens onde a lua rompe
e nimba de luar o próprio lodo.

Correr do tempo ou só rumor do frio
onde o amor se perde e a razão de amar
--- surdo, subterrâneo, impiedoso rio,
para onde vais, sem eu poder ficar?
Eugénio de Andrade

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Alvorada


 
E de súbito 
um corpo! Alvorada sombria, 
Alvorada nefasta envolta nuns cabelos.....



Julio Rocha by LeoFaria (2)

Eram negros e vivos. Quem sofria, 
Só de vê-los? 

Eram negros; e vivos como chamas. 
Brilhavam, azulados sob a chuva. 
Brilhavam, azulados, como escamas 
De sereia sombria, sob a chuva... 

Veio cedo de mais a trovoada: 
O vento me lembrou 
De quem eu sou. 
- Alvorada suspensa! Contemplada 
por alguém que chegou a uma sacada e à beira da varanda vacilou. 


David Mourão-Ferreira

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

De: José Antonio Pérez-Montoro



AMOR PRIMERO

José Antonio Pérez-Montoro

Hicimos el amor por vez primera

y el amor se hizo luz e inundó todo,
anegando hasta el último recodo,
y la sensación fue tan verdadera

de que el amor creado una carne era,

amor tan vivo fue en aquel periodo,
que yo no supe hallar oculto modo
de trazar linde, la sutil trinchera

entre amada y amor o amor y amada.

Toqué un seno, cual perfecta esfera;
total amor palpé en mano estigmada.

Por eso, en otras veces cualesquiera,

pide aquella experiencia recordada:
-Hagamos el amor por vez primera.


Primeiro amor

Fizemos amor pela vez primeira,

e o amor se fez luz inundando tudo
até o último recanto alagando,
com a sensação que foi tão verdadeira

de que nós dois só uma carne era,

um amor tão vivo naquele período,
que não soube achar oculto modo
de traçar lindes, ou subtil trincheira,

entre a amada e o amor, o amor e a amada.

Toquei um seio, qual perfeita esfera;
total o amor palpei com a mão espalmada.

Por isto, em outras vezes, qualquer que queira,

peço aquela experiência agora recordada:
-Façamos o amor como da vez primeira.


Do blog by spersivo

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Canção do Boêmio




Que noite fria! Na deserta rua
tremem de medo os lampiões sombrios.
Densa garoa faz fumar a lua,
ladram de tédio vinte cães vadios.

Nini formosa! Por que assim fugiste?
Embalde o tempo à tua espera conto.
Não vês, não vês?... Meu coração é triste,
como um calouro quando leva ponto.

A passos largos eu percorro a sala,
fumo um cigarro que filei na escola...
Tudo no quarto de Nini me fala,
embalde fumo... tudo aqui me amola.

Diz-me o relógio, cinicando a um canto:
— Onde está ela que não veio ainda? -
Diz-me a poltrona: por que tardas tanto?
Quero aquecer-te, rapariga linda.

Em vão a luz da crepitante vela
de Hugo clareia uma canção ardente;
tens um idílio — em tua fronte bela...
um ditirambo — no teu seio quente...

Pego o compêndio... inspiração sublime!
Pra adormecer... inquietações tamanhas...
Violei à noite o domicílio, ó crime!,
onde dormia uma nação... de aranhas...

Morrer de frio quando o peito é brasa. . .
quando a paixão no coração se aninha?!
Vós, todos, todos, que dormis em casa,
dizei se há dor que se compare à minha!...

Nini! o horror deste sofrer pungente
só teu sorriso neste mundo acalma...
Vem aquecer-me em teu olhar ardente...
Nini! Tu és o cachenê dest'alma.

Deus do Boêmio! São da mesma raça
as andorinhas e o meu anjo louro...
Fogem de mim se a primavera passa,
se já nos campos não há flores de ouro...

E tu fugiste, pressentindo o inverno,
mensal inverno do viver boêmio...
Sem te lembrar que por um riso terno
mesmo eu tomara a primavera a prêmio...

No entanto ainda do Xerez fogoso
duas garrafas guardo ali... Que minas!
Além, de um lado, o violão saudoso
guarda no seio inspirações divinas...

Se tu viesses... de meus lábios tristes
rompera o canto... Que esperança inglória!...
Ela esqueceu o que jurar-lhes vistes,
ó Paulicéia, ó Ponte Grande, ó Glória!...

Batem!... Que vejo! Ei-la afinal comigo...
Foram-se as trevas... fabricou-se a luz...
Nini! Pequei... dá-me exemplar castigo!
Sejam teus braços... do martírio a cruz.


Castro Alves

Imagem retirada do Google

terça-feira, 25 de setembro de 2012

SEM IMPORTUNAR, POR FAVOR



Tentei,
Sem sucesso,
Controlar minha vida.
Acabei assim
Vivendo um terço,
Uma metade,
Quem sabe...

Sei
Que do meu destino
Não sei eu.
Talvez meu corpo,
Que esconde surpresas
Nem sempre agradáveis,
Ou outro, inesperado,
Que me assalta,
Em qualquer parte,
E se torna senhor
Da minha vida.

Infelizmente
Sou tão frágil
Que um simples dedo
Ou uma lâmina qualquer
Me torna uma vaga lembrança.

Muito mais cruel,
Porém é quem,
Igual a ela,
Com beijos e carinhos desmedidos
Me deixou vivo
E sem sentido.

Por favor,
Quem quiser doravante
Seja rápido:
Mate-me sem carinhos, beijos,
Perguntas ou desculpas.

Penélope




Mais do que um sonho: comoção!
Sinto-me tonto, enternecido,
quando, de noite, as minhas mãos
são o teu único vestido.

E recompões com essa veste,
que eu, sem saber, tinha tecido,
todo o pudor que desfizeste
como uma teia sem sentido;
todo o pudor que desfizeste
a meu pedido.

Mas nesse manto que desfias,
e que depois voltas a pôr,
eu reconheço os melhores dias
do nosso amor.


David Mourão-Ferreira

Imagem retirada do Google

domingo, 23 de setembro de 2012

Amostra sem valor




Eu sei que o meu desespero não interessa a ninguém.
Cada um tem o seu, pessoal e intransmissível:
com ele se entretém
e se julga intangível.

Eu sei que a Humanidade é mais gente do que eu,
sei que o Mundo é maior do que o bairro onde habito,
que o respirar de um só, mesmo que seja o meu,
não pesa num total que tende para infinito.

Eu sei que as dimensões impiedosos da Vida
ignoram todo o homem, dissolvem-no, e, contudo,
nesta insignificância, gratuita e desvalida,
Universo sou eu, com nebulosas e tudo.


António Gedeão

Imagem retirada do Google

Aconteceu-me




Eu vinha de comprar fósforos
e uns olhos de mulher feita
olhos de menos idade que a sua
não deixavam acender-me o cigarro.
Eu era eureka para aqueles olhos.
Entre mim e ela passava gente como se não passasse
e ela não podia ficar parada
nem eu vê-la sumir-se.
Retive a sua silhueta
para não perder-me daqueles olhos que me levavam espetado
E eu tenho visto olhos !
Mas nenhuns que me vissem
nenhuns para quem eu fosse um achado existir
para quem eu lhes acertasse lá na sua ideia
olhos como agulhas de despertar
como íman de atrair-me vivo
olhos para mim!
Quando havia mais luz
a luz tornava-me quase real o seu corpo
e apagavam-se-me os seus olhos
o mistério suspenso por um cabelo
pelo hábito deste real injusto
tinha de pôr mais distância entre ela e mim
para acender outra vez aqueles olhos
que talvez não fossem como eu os vi
e ainda que o não fossem, que importa?
Vi o mistério!
Obrigado a ti mulher que não conheço
.

Almada Negreiros

Imagem retirada do Google

Teoria do amor




Amor é mais do que dizer.
Por amor no teu corpo fui além
e vi florir a rosa em todo o ser
fui anjo e bicho e todos e ninguém.

Como Bernard de Ventadour amei
uma princesa ausente em Tripoli
amada minha onde fui escravo e rei
e vi que o longe estava todo em ti.

Beatriz e Laura e todas e só tu
rainha e puta no teu corpo nu
o mar de Itália a Líbia o belvedere.

E quanto mais te perco mais te encontro
morrendo e renascendo e sempre pronto
para em ti me encontrar e me perde
r.

Manuel Alegre

sábado, 22 de setembro de 2012

O mar




Ondas que descansam no seu gesto nupcial
abrem-se caem
amorosamente sobre os próprios lábios
e a areia
ancas verdes violetas na violência viva
rumor do ilimite na gravidez da água
sussurros gritos minerais inércia magnífica
volúpia de agonia movimentos de amor
morte em cada onda sublevação inaugural
abre-se o corpo que ama na consciência nua
e o corpo é o instante nunca mais e sempre
ó seios e nuvens que na areia se despenham
ó vento anterior ao vento ó cabeças espumosas
ó silêncio sobre o estrépito de amorosas explosões
ó eternidade do mar ensimesmado unânime
em amor e desamor de anónimos amplexos
múltiplo e uno nas suas baixelas cintilantes
ó mar ó presença ondulada do infinito
ó retorno incessante da paixão frigidíssima
ó violenta indolência sempre longínqua sempre ausente
ó catedral profunda que desmoronando-se permanece!
António Ramos Rosa
Imagem retirada do Google

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

De : Ricardo Miguel Costa / CONCERT



CONCERT

Ricardo Miguel Costa

Aseguran que al hombre

se lo conoce por su silencio.

Pero jamás mujer alguna

tocó mayor música
que su cuerpo desnudo.

Él la escucha con pasión

y la recibe plenamente,
a voluntad.

Es más, la aplaude de pie

pero se reserva secretamente
la fiebre del sonido.

Moraleja: el hombre es un sordo

abandono de sí mismo.
(apenas una campana golpeando
 bajo el agua)
                                            (De Homo dixit, 1993).

CONCERTO


Asseguram que o homem

se conhece pelo seu silêncio.

Porém, jamais mulher alguma

tocou uma música maior

que seu corpo nu.

Ele a escuta com paixão

e a recebe plenamente,

à vontade.

 
E mais, a aplaude de pé,
porém, se reserva secretamente
a febre do som.

Moral da história: o homem é um surdo
abandonado a si

mesmo. 


(Apenas um sino tocando

sob a água).  


Do blog by spersivo

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Lírica do Silêncio




Somos larva e semente
Somos o trigo o vento e a colheita
Somos o mar o cais e a aventura
O transe da partida e a chegada
Somos a carne do medo e a madrugada
Raiz do desespero amor coragem
Temos pressa e somos a paciência
Somos o dia que passa e somos sempre
Somos a polpa do tempo
A pausa da memória o movimento
Lavramos o silêncio com palavras
Que apenas soletramos surdamente.

Rui Namorado


Foto:Satoshi Saikusa

terça-feira, 18 de setembro de 2012

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Soneto


 
Torso

Passei ontem a noite junto dela.
Do camarote a divisão se erguia
Apenas entre nós - e eu vivia
No doce alento dessa virgem bela... Tanto amor, tanto fogo se revela
Naqueles olhos negros! Só a via!
Música mais do céu, mais harmonia
Aspirando nessa alma de donzela! Como era doce aquele seio arfando!
Nos lábios que sorriso feiticeiro!
Daquelas horas lembro-me chorando! Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro
É sentir todo o seio palpitando...
Cheio de amores! E dormir solteiro!


Álvares de Azevedo

domingo, 16 de setembro de 2012

Sed de ti


Sed de ti      
Hilarión Cabrisas

¡Qué sed tengo de ti!  Eres la fuente
que corre cristalina ante mis ojos,
y son inútiles mis brazos flojos
para hacer que se tuerza la corriente.

Inútilmente domo mis antojos,

y trato de olvidarte inútilmente:
sueña mi mente con tu tersa frente
y con el vino de tus labios rojos.

¿Qué daño habré hecho yo, que en mi camino

todo me llega tarde? Si es mi sino
cargar el fardo de mi vida trunca,

¡que no te vuelva a ver! Yo te lo pido

por Dios... ¡Cuánto mejor hubiera sido
que no te hubiera conocido nunca!
Sede de ti

Que sede tenho de ti! És a fonte
que corre cristalina ante meus olhos,
e são inúteis meus braços frouxos
para fazer com que se desvie a corrente.

Inutilmente domo os meus desejos,
e trato de te esquecer inutilmente:
sonha minha mente com tua be
la frente
 
e com o vinho de teus lábios vermelhos.

Que mal que fiz eu, que em meu caminho, 
tudo só me chega tarde? Se é meu destino
Carregar o fardo de minha vida truncada

Que não volte a te ver! É o que te pediria e mais nada.
por Deus ... Que melhor haveria sido
se nunca te houvesse conhecido!
 
 
Do Blog By Spersivo
 
 
 

sábado, 15 de setembro de 2012

Do amoroso esquecimento...




Eu agora - que desfecho!
Já nem penso mais em ti...
Mas será que nunca deixo
De lembrar que te esqueci?

Mário Quintana


Dois poemas





Em que idioma te direi
este amor sem nome
que é servo e rei?

Como o direi?
Como o calarei?

*

É como se a noite se molhasse
repentinamente, quando choras.
É como se o dia se demorasse,
quando te espero e tu te demoras.

Albano Martins

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Borboleta




Borboleta dos amores,
Como a outra sobre as flores,
Porque és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,
Porque deixas tu a rosa
E vais beijar o jasmim?

Pois essa alma é tão sedenta
Que um só amor não contenta
E louca quer variar?
Se já tens amores belos,
P'ra que vais dar teus desvelos
Aos goivos da beira-mar?

Não sabes que a flor traída
Na débil haste pendida
Em breve murcha será?
Que de ciúmes fenece
E nunca mais estremece
Aos beijos que a brisa dá?...

Borboleta dos amores,
Como a outra sobre as flores,
Porque és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,
Porque deixas tu a rosa
E vais beijar o jasmim?!

Tu vês a flor da campina,
E bela e terna e divina,
Tu dás-lhe o que essa alma tem;
Depois, passado o delírio,
Esqueces o pobre lírio
Em troca duma cecém!

Mas tu não sabes, louquinha,
Que a flor que pobre definha
Merece mais compaixão?
Que a desgraçada precisa,
Como do sopro da brisa,
Os ais do teu coração?

Borboleta dos amores,
Como a outra sobre as flores,
Porque és volúvel assim?
Porque deixas, caprichosa,
Porque deixas tu a rosa
E vais beijar o jasmim?

Se a borboleta dourada
Esquece a rosa encarnada
Em troca duma outra flor;
Ela - a triste, molemente
Pendida sobre a corrente,
Falece à míngua d'amor.

Tu também minha inconstante
Tens tido mais dum amante
E nunca amaste a um só!
Eles morrem de saudade,
Mas tu na variedade
Vais vivendo e não tens dó!

Ai! és muito caprichosa!
Sem pena deixas a rosa
E vais beijar outras flores;
Esqueces os que te amam...
Por isso todos te chamam:
- Borboleta dos amores!

Casimiro de Abreu

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Chovia... chovia...




Naquela tarde, como chovia!

Me lembro de que a chuva caía
lá fora
sem parar,
e seu surdo rumor até parecia
um sussurro de quem chora
ou uma cantiga de embalar...

Me lembro que tu chegaste
inquieta, ansiosa,
mas logo te aconchegaste
em meus braços, quietinha...
(...enrodilhada como uma gatinha...)

E eu quase não sabia o que fazer:
se de encontro ao meu peito te deixava adormecer...
se te mantinha acordada, para seres minha...

Me lembro que chovia... chovia sem parar...
E que a chuva caía a turvar as vidraças
anoitecendo o quarto em seus tons baços...

Me lembro de que te sentia
aconchegada em meus braços...

Me lembro que chovia...
E de que era bom porque chovia,
e porque estavas ali, e porque eu te queria...
Sim, me lembro que tudo era bom...
E que a chuva caía, caía,
monótona, sem parar,
naquele mesmo tom...

Naquela tarde, amor, como chovia!

Agora, quando longe de ti, nem sou mais eu
em minha melancolia,
não posso mais ouvir a chuva cair
que não fique a lembrar tudo o que aconteceu
naquele dia...

Naquele dia...
enquanto chovia...

J. G. de Araújo Jorge

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Um clássico de Portugal...





O pastor - Madredeus
Voz: Teresa Salgueiro
Música: Madredeus
Letra: Pedro Ayres Magalhães


Ai que ninguem volta
ao que ja deixou
ninguem larga a grande roda
ninguem sabe onde que andou

Ai que ninguem lembra
nem o que sonhou,
e aquele menino canta
a cantiga do pastor.

Ao largo ainda arde
a barca da fantasia,
e o meu sonho acaba tarde
deixa a alma de vigia.
Ao largo ainda arde
a barca da fantasia,
e o meu sonho acaba tarde
acordar que eu nao queria

Ao largo ainda arde
a barca da fantasia,
e o meu sonho acaba tarde
deixa a alma de vigia.
Ao largo ainda arde
a barca da fantasia,
e o meu sonho acaba tarde
acordar que eu nao queria.

Simplesmente Lindo!!!!


domingo, 9 de setembro de 2012

Poetas Escolhidos–XI –“Desafio” à Vida




Estigma

Filhos dum deus selvagem e secreto
E cobertos de lama, caminhamos
Por cidades,
Por nuvens
E desertos.
Ao vento semeamos
O que os homens não querem.
Ao vento arremessamos
As verdades que doem
E as palavras que ferem.
Da noite que nos gera, e nós amamos.
Só os astros trazemos.
A treva ficou onde
Todos guardamos a certeza oculta
Do que nós não dizemos
Mas que somos.


José Carlos Ary dos Santos, in "Obra Poética", pág.51, Edições Avante

Súplica




Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.

Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria...
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.

Miguel Torga

Este inferno de amar !




Este inferno de amar — como eu amo!
Quem mo pôs aqui n’alma… quem foi?
Esta chama que alenta e consome,
Que é a vida — e que a vida destrói —
Como é que se veio a atear,
Quando — ai quando se há-de ela apagar?
Eu não sei, não me lembra; o passado,
A outra vida que dantes vivi
Era um sonho talvez… — foi um sonho —
Em que paz tão serena a dormi!
Oh! que doce era aquele sonhar…
Quem me veio, ai de mim! despertar?

Só me lembra que um dia formoso
Eu passei… dava o Sol tanta luz!
E os meus olhos, que vagos giravam,
Que fez ela? Eu que fiz? — Não não sei
Mas nessa hora a viver comecei…

Almeida Garrett


Foto:Grzegorz Szczerbaciuk

sábado, 8 de setembro de 2012

Azul de ti


Friday, September 07, 2012




Azul de ti

Eduardo Carranza

Pensar en ti es azul, como ir vagando
por un bosque dorado al mediodía:
nacen jardines en el habla mía
y con mis nubes por tus sueños ando.

Nos une y nos separa un aire blando,
una distancia de melancolía;
yo alzo los brazos de mi poesía,
azul de ti, dolido y esperando.

Es como un horizonte de violines
o un tibio sufrimiento de jazmines
pensar en ti, de azul temperamento.

El mundo se me vuelve cristalino,
y te miro, entre lámparas de trino,
azul domingo de mi pensamiento.

Azul de ti

 Pensar em ti é azul, como ir vagando
 por uma floresta dourada ao meio-dia:
 nascem jardins no que falo por magia
 e com minhas nuvens por teus sonhos ando.

 Nos  une e nos separa um ar tão brando,
 uma distância de tal melancolia;
 Eu levanto os braços da minha poesia
 azul de ti, doída e esperando.

 És como um horizonte de violinos afins
 ou um suave odor de machucados jasmins,
 pensar em ti,  de azul temperamento.

 O mundo volta a mim tão cristalino
 e te olho, entre lâmpadas, lamento
 o azul domingo de meu pensamento.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Esta manhã encontrei o teu nome




Esta manhã encontrei o teu nome nos meus sonhos
e o teu perfume a transpirar na minha pele. E o corpo
doeu-me onde antes os teus dedos foram aves
de Verão e a tua boca deixou um rasto de canções.

No abrigo da noite, soubeste ser o vento na minha
camisola; e eu despi-a para ti, a dar-te um coração
que era o resto da vida - como um peixe respira
na rede mais exausta. Nem mesmo à despedida

foram os gestos contundentes: tudo o que vem de ti
é um poema. Contudo, ao acordar, a solidão sulcara
um vale nos cobertores e o meu corpo era de novo
um trilho abandonado na paisagem. Sentei-me na cama

e repeti devagar o teu nome, o nome dos meus sonhos,
mas as sílabas caíam no fim das palavras, a dor esgota
as forças, são frios os batentes nas portas da manhã.

Maria do Rosário Pedreira

Foto: Barry Elkins

De nenhum olhar I




Hoje o tempo não me enganou. Não se conhece uma aragem na tarde. O ar queima, como se fosse um bafo quente de lume, e não ar simples de respirar, como se a tarde não quisesse já morrer e começasse aqui a hora do calor. Não há nuvens, há riscos brancos, muito finos, desfados de nuvens. E o céu, daqui, parece fresco, parece a água limpa de um açude. Penso: talvez o céu seja um mar grande de água doce e talvez a gente não ande debaixo do céu mas sim em cima dele; talvez a gente veja as coisas ao contrário e a terra seja como um céu e quando a gente morre, quando a gente morre, talvez a gente caia e se afunde no céu

Jose Luis Peixoto

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

DOM TESO
Rogério Simões
Black & white



Estava Dom Teso a descansar
No meio dos seus dois colchões
Quando uma moçoila ao passar
Deita a mão ao seus…melões

- De pé! Ao seu lugar!
Vamos à procura de luta
Não se pode assim deixar
Quem apalpa tão bem a fruta!

E se a atrevida era esbelta!
Tinha um corpo de atleta!
E um “papo” que nem um nabo!

E eis já todo aprumado…
Grita o dono transtornado
- Pára Dom Teso que é rabo…

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Libelo




De que mais precisa um homem senão de um pedaço de mar - e um barco com o nome da amiga, e uma linha e um anzol pra pescar?
E enquanto pescando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos, uma pro caniço, outra pro queixo, que é para ele poder se perder no infinito, e uma garrafa de cachaça pra puxar tristeza, e um pouco de pensamento pra pensar até se perder no infinito...
De que mais precisa um homem senão de um pedaço de terra - um pedaço bem verde de terra - e uma casa, não grande, branquinha, com uma horta e um modesto pomar; e um jardim - que um jardim é importante - carregado de flor de cheirar?
E enquanto morando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para mexer a terra e arranhar uns acordes de violão quando a noite se faz de luar, e uma garrafa de uísque pra puxar mistério, que casa sem mistério não tem valor de morar...
De que mais precisa um homem senão de um amigo pra ele gostar, um amigo bem seco, bem simples, desses que nem precisa falar - basta olhar - um desses que desmereça um pouco da amizade, de um amigo pra paz e pra briga, um amigo de paz e de bar?
E enquanto passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas mãos para apertar as mãos do amigo depois das ausências, e pra bater nas costas do amigo, e pra discutir com o amigo e pra servir bebida à vontade ao amigo?
De que mais precisa um homem senão de uma mulher pra ele amar, uma mulher com dois seios e um ventre, e uma certa expressão singular?
E enquanto pensando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de um carinho de mulher quando a tristeza o derruba, ou o destino o carrega em sua onda sem rumo?
Sim, de que mais precisa um homem senão de suas mãos e da mulher - as únicas coisas livres que lhe restam para lutar pelo mar, pela terra, pelo amigo...

Vinícius de Moraes

terça-feira, 4 de setembro de 2012

LITANIA

EUGÉNIO DE ANDRADE, in ATÉ AMANHÃ,



O teu rosto inclinado pelo vento;



a feroz brancura dos teus dentes;

as mãos, de certo modo, irresponsáveis,
e contudo sombrias, e contudo transparentes


o triunfo cruel das tuas pernas,

colunas em repouso se anoitece;
o peito raso, claro, feito de água;
a boca sossegada onde apetece

navegar ou cantar, ou simplesmente ser

a cor dum fruto, o peso duma flor;
as palavras mordendo a solidão,
atravessadas de alegria e de terror,

são a grande razão, a única razão
.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Na memória

 

 

Que a tua boca
se suspenda em mim,
nas palavras
que usaremos
após o amor:
que a tua voz
se estenda no beijo
permitido pelo reencontro.
Avivaremos a memória
no vasto mar
das nossas vidas.

Paula Raposo.

TANGENTE


 

 

É na tangência
do infinito

que nos podemos tocar,
trazendo no corpo
todas as fantasias
memorizadas;
como se de
um plano
marcado a ferros,
libertássemos
a adrenalina
dos conceitos.

Paula Raposo

Um poema


 

 

A tua voz é um poema,
em ti, em mil e uma ideias

que me prendem;
e são, também, as tuas mãos,
o poema que a preto e branco
soletro na minha pele;
adormeço - hoje -
no cansaço de te amar:
um quadro, um poema,
a vida por viver.

Paula Raposo.

domingo, 2 de setembro de 2012

A dança




Não te amo como
se fosses uma rosa ou um topázio 
Ou a flecha de cravos, que o fogo lança.

Amo-te como certas coisas escuras devem ser amadas,

Em segredo, entre a sombra e a alma.

Amo-te como a planta que não floresce e carrega,

Escondida dentro de si, a luz de todas as flores.

E, graças ao teu amor, escura no meu corpo

Vive a densa fragrância que cresce da terra.

Amo-te sem saber como ou quando ou de onde.

Amo-te tal como és, sem complexos nem orgulhos.

Amo-te assim porque não sei outro caminho além deste

Onde não existo eu nem tu.

Tão perto que a tua mão no meu peito é a minha mão.

Tão perto que, quando fechas os olhos, adormeço.


Pablo Neruda

sábado, 1 de setembro de 2012

Acaso....

Acaso No acaso da rua o acaso da rapariga loira.
Mas não, não é aquela.

A outra era noutra rua, noutra cidade, e eu era outro.
Perco-me subitamente da visão imediata,
Estou outra vez na outra cidade, na outra rua,
E a outra rapariga passa.

Que grande vantagem o recordar intransigentemente!
Agora tenho pena de nunca mais ter visto a outra rapariga,
E tenho pena de afinal nem sequer ter olhado para esta.

Que grande vantagem trazer a alma virada do avesso!
Ao menos escrevem-se versos.
Escrevem-se versos, passa-se por doido, e depois por gênio, se calhar,
Se calhar, ou até sem calhar,
Maravilha das celebridades!

Ia eu dizendo que ao menos escrevem-se versos...
Mas isto era a respeito de uma rapariga,
De uma rapariga loira,
Mas qual delas?
Havia uma que vi há muito tempo numa outra cidade,
Numa outra espécie de rua;
E houve esta que vi há muito tempo numa outra cidade
Numa outra espécie de rua;
Por que todas as recordações são a mesma recordação,
Tudo que foi é a mesma morte,
Ontem, hoje, quem

Virtual Girl
sabe se até amanhã?

Um transeunte olha para mim com uma estranheza ocasional.
Estaria eu a fazer versos em gestos e caretas?
Pode ser... A rapariga loira?
É a mesma afinal...
Tudo é o mesmo afinal ...

Só eu, de qualquer modo, não sou o mesmo, e isto é o mesmo também afinal. 





Álvaro de Campos, in "Poemas"
Heterónimo de Fernando Pessoa