Seguidores

quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Mais breve

 









                                              



Mais breve

Não te vais agora que apenas tu me chegas,
leve ilusão de sonho, densa, intensa flor viva.

Meu inflamado coração, para o corte
duro é e audaz ... , para o domínio, brando ...

Meu inflamado coração à deriva ...
Não te vais, apenas já chegando.

Se tu se vais, se de mim fostes...: quando
regresses, voltarás ainda mais lasciva
e me acharás, lascivo, te esperando ...


Ilistração: talitakamache.blogspot.com

                                                

Canção da esperança inútil

 



                         

Canção da esperança inútil


Eis que, de novo, um tempo novo,
como uma estrada de esperanças,
abre as asas e canta a doce canção de viver.
Não há, virtualmente, nada de novo,
exceto, o desejo de que as coisas sejam diferentes...
No entanto, a magia dos marcos
nos deixa contentes
e induz a pensar que todas as dores passarão,
quando só nós passamos,
em busca do amanhã conhecido:
os braços da mulher indesejada
que só nos promete tirar
o sentimento de viver.


Ilustração: A jovem e a morte de Hans Baldung Grien (1510.

Longo caminho,

 



Longo caminho



Os novos dias
como flores da vida
brotam
e vão, tristes ou alegres,
compondo o jardim da vida.
Eu sei, querida,
que não te amei como devia
nem com a intensidade que queria,
porém, o meu desejo infinito permanece
e, se aquece, mesmo, na distância, em saber
que longo é o caminho
do nosso louco querer.

Ilustração: docecomoachuva.blogspot.com

terça-feira, 29 de setembro de 2020

Neruda, uma vez mais

 




Voy haciendo de todas un collar infinito
para tus blancas manos, suaves como las uvas.

                                        Poema V


Para que tu me ouças
minhas palavras
se adelgaçam às vezes
como as voltas das gaivotas nas praias .

Colar, cascavel ébrio,
para as tuas mãos suaves como as uvas .

E vejo distante as minhas palavras.
Mais do que minhas são tuas.
Vão trepando na minha velha dor como nas pedras.

Elas trepam assim pelas paredes úmidas .
És tu a culpada deste jogo sangrento.

Elas estão fugindo da minha guarida escura.
Toda cheia de tu, toda cheia.

Antes que tu povoaram a solidão que ocupas,
e elas estão mais acostumados a minha tristeza do que tu.

Agora quero que digam o que quero dizer-te
para que tu ouças como quero que tu ouças.

O vento da angústia ainda as podem arrastar.
Furacões de sonhos ainda, às vezes, podem derrubá-las,

Ouça outras vozes na minha voz dolorida.
Pranto de velhas bocas, sangue de velhas súplicas.
Ama-me, companheira. Não me deixes. Segue-me.
Segue-me, companheira, nesta onda de angústia.

Porém, se vão tingindo com o amor minhas palavras.
Todas o ocupas tu, tudo ocupas.

Vou fazendo de tudo um colar infinito
para as tuas brancas mãos, suaves como uvas.

                                     

Mistura fina







                                                      

Mistura fina


A vida são meus sonhos.
Sonhos simples: acordar em dias de não querer nada
e fazer amor nas manhãs, nas tardes,  nas madrugadas...
Comer uma refeição leve, frugal
ou uma refeição  desesperada
que, de tudo provando, nada mais se almeja.
Beber..uma cerveja, um copo de vinho,
uma taça de champanha que seja
em Buenos Aires, em Praga ou Portugal,
quem sabe em Búzios,
ou mesmo em Santarém.
Se, ao teu lado, estiver bem.
e me deixar ficar feliz
com o teu olhar,
doce como alfinim,
que me faz misturar vida
e sonho, enfim.


segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Ricardo- águialivre

 




                                        Vem sentar-te comigo em areais de brancura

.
Vem sentar-te comigo em areais de brancura
Juntos pelo destino, olhar o mar, enamorados
A vida se esvai quando ainda nela se procura
Os elos do sonho por amores desmoronados
Um beijo, sabor a sal, viagem de pensamento
Vivamos a felicidade nas arestas da demência
Unidos viajando pelas doçuras do sentimento
Palavras ocas, amor quente de complacência
Adorna o coração pelas pétalas do teu querer
Deixa-te marear pelo afecto do teu lindo ser
Liberta esse teu grito pelas águas de ternura
Nos apoios da alma guarda afectos e abraços
Deita ao mar palavras de sentidos embaraços
Vem sentar-te comigo em areais de brancura
.........
Publicada por Ricardo- águialivre





Miguel Esteves Cardoso

 



                               Amor...

Uma das tragédias da nossa idade é a invasão do domínio pessoal por valores que pertencem apenas ao domínio social.
Assim, a liberdade, por exemplo, passou a ser um verdadeiro constrangimento do amor, da amizade. Certas noções de autonomia acabam por destruir a base profunda de uma relação humana séria e sentida: a lealdade. Não se pode querer amar e ser amado sem prescindir daquilo que se preza ser a "liberdade". A lealdade é um constrangimento que se aceita e que se cumpre em nome de algo (de alguém) que se julga (porque se ama) mais precioso que a liberdade. Quando se é independente não se pode depender de (confiar em) ninguém. Não querer ser livre, quando se ama, é não querer ficar sozinho. Se custa abdicar, sacrificar, pactuar, é esse o preço a pagar, por algo que vale muito mais: o valor raro, sem preço, de amar.
Miguel Esteves Cardoso







EDGARDO XAVIER

 



                        Não fora o teu olhar a ditar-me o caminho

e seria mais um na guerra dos sentidos.
Assim, bebo na tua boca a vida e
aos teus silêncios amarro a minha sede.
As tuas palavras são a lei do meu espírito
e o teu corpo o meu campo de luxúria.
Contigo sinto azul em qualquer céu.

EDGARDO XAVIER
XVIII
in AZUL COMO O SILÊNCIO (Chiado Ed., 2014)





Amigos , Amigos

 




                                  

AMIGOS, AMIGOS

 


A verdade é que não sei porque amo meus amigos.

Alguns, poucos, talvez, seja por serem loucos ou tristes.

Outros porque tocam bandolim, violão, pandeiro

(não sei explicar, mas, poucos são movidos por dinheiro)

e, quase todos, bebem muito cerveja, vinho, uísque e cachaça.

Muitos por cantarem bem, ou terem algum talento inato,

e, uns poucos poetas, poetas, em geral, são muito chatos.

Há os que sempre me encantam pela delicadeza ou trato

e os que, simplesmente, são amigos por apenas amigos serem.

Não sei também explicar como se fizeram amigos.

Há uns que chegaram de repente, outros bem devagar.

Há os que se perdem na estrada e nunca mais vão voltar.

Sempre fazemos amigos em qualquer lugar,

mas, os maiores, os verdadeiros, dos quais nem preciso falar,

são os menos lembrados, deles nem vivo a falar

porque estão sempre à mão,

pois, não importa o tempo, nem a distância,

que eles vivem no meu coração.

domingo, 27 de setembro de 2020

Florbela Espanca

 




                                  

Anseios



Meu doido coração aonde vais,
No teu imenso anseio de liberdade?
Toma cautela com a realidade;
Meu pobre coração olha que cais!

Deixa-te estar quietinho! Não amais
A doce quietação da soledade?
Tuas lindas quimeras irreais,
Não valem o prazer duma saudade!

Tu chamas ao meu seio, negra prisão!
Ai, vê lá bem, ó doido coração,
Não te deslumbres o brilho do luar!...

Não estendas tuas asas para o longe..
Deixa-te estar quietinho, triste monge,
Na paz da tua cela,a soluçar...



Florbela Espanca   





João Luís Barreto Guimarães

 



                                     Proximidades...

Adormecemos juntos acordamos
apartados
disputamos o lençol como quem
puxa a razão para si:
a quantos beijos estamos hoje de distância?
De manhã a voz é lenta chega
a chegar atrasada (a
cama feita a correr não
vá a empregada encontrar caída
entre lençóis
a palavra proibida). Se
os braços devem cair ao
longo da fadiga de um corpo
que seja ao longo do teu
(tu não me olhes assim
com o ruído dos olhos:
os beijos desarrumados depois
de os utilizares)
por favor fica a meu lado. Quero
que sejas tu o
parente mais chegado.

João Luís Barreto Guimarães





Nuno Júdice

 




                         

Um amor



Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão.
puxaste-me para os teus olhos
transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua,
ainda apanhámos o crepúsculo.
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar
diferente inundava a cidade. Sentei-me
nos degraus, do cais, em silêncio.
Lembro-me do som dos teus passos,
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas,
e a tua figura luminosa atravessando a praça
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é,
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali,
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha
essa doente sensação que
me deixaste como amada
recordação.

Nuno Júdice

Imagem retirada do Google

Ana Luísa Amaral

 



                      

Título por haver



No meu poema ficaste
de pernas para
o ar
(mas também eu
já estive tantas vezes)

Por entre versos vejo-te as mãos
no chão
do meu poema
e os pés tocando o título
(a haver quando eu
quiser)

Enquanto o meu desejo assim serás:
incómodo estatuto:
preciso de escrever-te
do avesso
para te amar em excesso

Ana Luísa Amaral

Imagem retirada do Google

David Mourão Ferreira

 



                      

Rangia entre nós dois a música da areia



Rangia entre nós dois a música da areia
como se fosse Agosto a dedilhar um sistro
Agora está fechada a casa onde te amei
onde à noite uma vez devagar te despiste

Floresça o clavicórdio em pleno mês de Outubro
Na harpa de Setembro entrelaçou-se a vinha
A que vem de repente entre os dois este muro
feito de solidão de sal de marés vivas

Podia conjurar-te a que não me esquecesses
mas é longe do Mar que os navios são tristes
De que serve o convés com a sombra das redes

Quis a tua nudez. Não quis que te despisses

David Mourão-Ferreira

Imagem retirada do Google

António Ramos Rosa

 




                           

Quando te vi senti um puro tremor de primavera



Quando te vi senti um puro tremor de primavera
e a voluptuosa brancura de um perfume
No meu sangue vogavam levemente
anénomas estrelas barcarolas
O siêncio que te envolvia era um grande disco branco
e o teu rosto solar tinha a bondade de um barco
e a pureza do trigo e de suaves açucenas
Quando descobri o teu seio de luminosa lua
e vi o teu ventre largamente branco
senti que nunca tinha beijado a claridade da terra
nem acariciara jamais uma guitarra redonda
Quando toquei a trémula andorinha do teu sexo
a adolescência do mundo foi um relâmpago no meu corpo
E quando me deitei a teu lado foi como se todo o universo
se tornasse numa voluptuosa arca de veludo
Tão lentamente pura e suavemente sumptuosa
foi a tua entrega que eu renasci inteiro como um anjo do sol

António Ramos Rosa

Imagem retirada do Google

sábado, 26 de setembro de 2020

Para variar....

 



                          PORQUE RIR FAZ BEM


À porta da barbearia estava um papagaio. Sempre que a Micas passava por lá ele dizia:

- "Ó Puta!"

Ela já farta, um dia queixou-se ao dono...

Ele, para castigar o papagaio, pintou-o de preto.

Dois dias depois a Micas passou à porta e o papagaio não disse nada...

Perguntou ela:

- "Então, já não dizes nada?"

Respondeu o papagaio:

- "Quando estou de smoking não falo com putas"



                       

Rui Namorado

 



                               

Lírica do Silêncio



Somos larva e semente
Somos o trigo o vento e a colheita
Somos o mar o cais e a aventura
O transe da partida e a chegada
Somos a carne do medo e a madrugada
Raiz do desespero amor coragem
Temos pressa e somos a paciência
Somos o dia que passa e somos sempre
Somos a polpa do tempo
A pausa da memória o movimento
Lavramos o silêncio com palavras
Que apenas soletramos surdamente.

Rui Namorado

Foto:Satoshi Saikusa

De Wind

 



                   TRANSPARENTE  



                    Dias cruzados

Pensamentos sublimados
Saudades de alguém
Jogo de xadrez
Razão e emoção
Empate técnico.

Não perceber relações
Jogos, máscaras, o "social".

Palavras cruzadas
Directas
Puras, água do mar
Livres, vento que sopra.

Eu
Sem truques de magia
Sou transparente
Olhar directo.


Wind









                  


                        

Sei-te de cor / Paulo Gonzo

 



                   Sei-te de cor   /   Paulo Gonzo


                                 Sei de cor

cada traço
do teu rosto
do teu olhar.
Cada Sombra
da tua voz.
E cada silêncio
cada gesto que tu faças
Meu amor sei-te de cor

Sei
Cada capricho teu
E o que não dizes
Ou preferes calar.
Deixa-me adivinhar
não digas que o louco sou eu
se for tanto melhor
Amor sei-te de cor

Sei
Por que becos te escondes.
Sei ao pormenor
o teu melhor e o pior.
Sei de ti mais do que queria
Numa palavra diria
Sei-te de cor.


Paulo Gonzo 




      

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

Carlos Drummond de Andrade

 

                    



                               DESTRUIÇÃO

          


                               Os amantes se amam cruelmente

e com se amarem tanto não se vêem.
Um se beija no outro, refletido.
Dois amantes que são? Dois inimigos.

Amantes são meninos estragados
pelo mimo de amar: e não percebem
quanto se pulverizam no enlaçar-se,
e como o que era mundo volve a nada.

Nada. Ninguém. Amor, puro fantasma
que os passeia de leve, assim a cobra
se imprime na lembrança de seu trilho.

E eles quedam mordidos para sempre.
deixaram de existir, mas o existido
continua a doer eternamente.

Carlos Drummond de Andrade