ouço-te bater por dentro de mim
Pensarás que não te escrevi antes porque o Verãoconsome a energia da alma com um apetite solar; eporque as tempestades do crepúsculo incendiaram aspalavras com o rápido fogo aéreo. No entanto, euouço aquelas aves que gastaram as asas na travessiado espírito, cujos olhos viram o que havia de duvidosonas traseiras do invisível, onde um deus culpadose esconde e se ouvem as vozes sem nexo dosanjos enlouquecidos. Essas aves deixaram de saber voar;agarram-se aos ramos dos arbustos e, ao fim da tarde,gritam em direcção às nuvens com os olhos secos esem medo. Abri-lhes o peito: e encontrei as entranhasverdes como as folhas perenes do norte. Então,ouço-te bater por dentro de mim, embora estejas morto;e os teus dedos tenham perdido a força antiga quedesafiava a sombra. Procuro uma entrada no átriodesabrigado da página; avanço entre sílabas e versosperdendo-me do silêncio na insistência dos passos.O passado é todo o dia de ontem; a vida coube-meneste bolso do infinito onde guardei os últimos cigarros;o teu amor gastou-se com um breve brilho deisqueiro. Saio sem desejo dos desertos de Outubroe Novembro, arrastando o Outono com os pés, nas planíciesprovisórias de um esquecimento de estações.Carta de Outono | Nuno Júdice | in, A Condescendência do Ser
1 comentário:
Estações, um baralho de cartas viciado, onde as tristezas predominam e os trunfos são poucos ou nenhuns para o naipe do Outono; um tempo suave e doce, dono de um crepúsculo que nasce pela manhã e que mostra os caminhos tapados pelas folhas caídas das arvores desnudadas, que nos convidam a pensar e a colher do antigo somente o que não esmorece !!!... <3
Beijo Conde
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