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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

ANTÓNIO NOBRE




O TEU RETRATO




Deus fez a noite com o teu olhar,...
Deus fez as ondas com os teus cabelos;
Com a tua coragem fez castelos
Que pôs, como defesa, à beira-mar.


Com um sorriso teu, fez o luar
(Que é sorriso de noite, ao viandante)
E eu que andava pelo mundo, errante,
Já não ando perdido em alto-mar!


Do céu de Portugal fez a tua alma!
E ao ver-te sempre assim, tão pura e calma,
Da minha Noite, eu fiz a Claridade!


Ó meu anjo de luz e de esperança,
Será em ti afinal que descansa
O triste fim da minha mocidade!


ANTÓNIO NOBRE


Em, DESPEDIDAS (1902), (Lello e Irmãos, 2ª ed., 1985)







terça-feira, 29 de novembro de 2016

Maria do Rosário Pedreira


Toca-me onde me dói e verás
uma flor a abrir-se lentamente
sobre a pele, a maravilha nunca...
adivinhada de um mistério. Esta


é a tua vez de o desvendares -
paixão é uma palavra demasiado
antiga no meu corpo, já não sei a
última vez, a única vez. Toca-me


por isso devagar, não me lembro
da primavera que fez nascer a
doença sobre a ferida, não sinto
o recorte da cicatriz que o tempo


pousou nela. Agora chama-me ao
teu peito com as mãos, tal como a
chuva chama pelos narcisos sem


cessar, ano após ano; diz o meu
nome com os dedos a serem rios
que latejam no coração adormecido


de uma aldeia. Não me adivinhes -
lá, onde me doer, vou recordar-me.

Maria do Rosário Pedreira    




segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Pablo Neruda

“A noite na ilha”
Dormi contigo toda a noite
junto ao mar, na ilha.
Eras doce e selvagem entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.

Os nossos sonos uniram-se
talvez muito tarde
no alto ou no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento agita,
em baixo como vermelhas raízes que se tocam.

O teu sono separou-se
talvez do meu
e andava à minha procura
pelo mar escuro
como dantes,
quando ainda não existias,
quando sem te avistar
naveguei a teu lado
e os teus olhos buscavam
o que agora
– pão, vinho, amor e cólera –
te dou às mãos cheias,
porque tu és a taça
que esperava os dons da minha vida.

Dormi contigo
toda a noite enquanto
a terra escura gira
com os vivos e os mortos,
e ao acordar de repente
no meio da sombra
o meu braço cingia a tua cintura.
Nem a noite nem o sono
puderam separar-nos.

Dormi contigo
e, ao acordar, tua boca,
saída do teu sono,
trouxe-me o sabor da terra,
da água do mar, das algas,
do âmago da tua vida,
e recebi teu beijo,
molhado pela aurora,
como se me viesse
do mar que nos cerca.

Pablo Neruda
 



(Tradução de Albano Martins)  



Fernando Namora


A outra canção perdida



Das mulheres...
que na minha vida passaram
ficou-me aquela lembrança
de um fio de areia
sobre o regato sedento,
de qualquer frase
que se ficou no tinteiro,
de um cigarro caro
que se não fumou além do meio,
de um grito rouco
gorado nos ouvidos,
de folhas de um diário inacabado
que o tempo desbotou,
de vinho
que não deixou nódoa no soalho…


Sinto a alma ávida
como sempre
e um cansaço inútil
de bater a tantas portas.


Apenas, do logro,
me resta o travo
dos desejos amargos,
…e ainda às vezes
aquela esperança enganosa
de que passe
quem nunca no meu caminho passou.  


Fernando Namora

Arte: Bela Kadar
     



 


domingo, 27 de novembro de 2016

Cidália Ferreira

Chovia, naquela noite escura e fria  



Chovia, naquela noite escura e fria...
Nossos destinos iriam-se cruzar
Naquela rua, tão escura, abandonada
Silenciosa, de luzes apagadas,
Cuidadosamente a chuva caía
Para abençoar o encontro
Um desejo intenso nos possuía
E nem a chuva nos impedia
De seguirmos a estrada da vida
Deixando as nossas pegadas
Como sinal de vida vivida,
.
Nossa cumplicidade flutua
Nos pingos da chuva, ensejos
Onde secretamente nos abraçamos
Não importa se chove ou se faz frio,
Nesta rua onde o silêncio impera
Enquanto nos entregamos ao desejo
Sobre o reflexo duma estrela cadente,
Nosso carinho de entrega é notório
Não há chuva nem frio que nos impeça
A nossa entrega, em sofregos beijos
Enquanto chove sobre nós, serenamente.




Cidália Ferreira






sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Julia Prilutzky

UMA POETISA ARGENTINA

Dame tu brazo, amor, y caminemos,

Julia Prilutzky
Dame tu brazo, amor, y caminemos,
dame tu mano y sírveme de guía.
Ya no quiero saber si es noche o día:
mis ojos estánciegos.Avancemos.
Dame tu estar, amor, en los extremos,
tu presencia y tu infiel sabiduría:
por los caminos de la sangre mía
ya no sé si es que vamos o volvemos.
Y no me digas nada. No es preciso.
Deja que vuelva al pórtico indeciso desde donde no escucho ni presencio:
Todo fue dicho ya, tan a menudo,
que ahora tengo miedo, amor, y dudo
de aquello que está al borde del silencio.

Dá-me teu braço, amor, e caminhemos

Dá-me teu braço, amor, e caminhemos,
Dá-me tua mão e serve-me de guia
Já não quero saber se é noite ou dia:
Meus olhos são cegos. Avancemos.

Da-me teu ser, amor, com teus extremos,
Tua presença e tua infiel sabedoria:
Pelas modos que meu sangue se esvaía
Já não sei se vamos ou se voltamos.

E não me digas nada. Não é preciso.
Deixa que eu volte ao portão indeciso
De onde não te escuto nem te presencio:

Tudo foi dito já, assim tão repetido,
Que agora tenho medo, amor, e duvido
Daquilo que está à beira do silêncio.

* VALERIO MAGRELLI *


Se para te falar devo marcar um número
transformas-te em número,
dispões as linhas
na combinação a que respondes.
O três que se repete,...
o nove em terceiro lugar,
indicam algo do teu rosto.
Quando te procuro
devo desenhar a tua imagem,
devo reproduzir os sete algarismos
análogos ao teu nome
até se entreabrir o cofre-
-forte da tua viva voz.





VALERIO MAGRELLI

Arte: Claudio Alerce  




quarta-feira, 23 de novembro de 2016

Nuno Júdice

A PROVA DO HUMANO




Quem terá notado o gesto subtil do velho quando,
ao enrolar o tabaco, limpou o indicador cheio de cuspo
no tampo da mesa? Ali, há exactamente dois dias,
sentara-me eu a escrever reflexões religiosas e um canto
filosófico; depois, cansado do trabalho mental,
desenhei a lápis duas ou três figuras na madeira gasta.
Agora, os restos de café e a saliva dos velhos transformam
esses desenhos banais em peças
de uma autêntica mitologia.
O fumo do tabaco envolve-os como se fosse uma névoa antiga
e as palavras trocadas, a meia voz,
pelos ocasionais frequentadores daquele canto
lembram-me esconjuros, maldições, ou apenas
a invocação de algum espírito transitório.
Assim, não posso passar sem ir, uma ou duas vezes por dia,
àquele sítio: observar um culto que, inconscientemente,
iniciei; e também ouvir o velho Baco
cujas histórias me dão sede e sono.
Mas que fazer nesta cidade de província,
no inverno, à parte ouvir os velhos
ou inventar histórias, enquanto se bebe café
e aguardente?


Nuno Júdice

em Crítica doméstica dos paralelepípedos, 1973    


Amalia Rodrigues - Barco Negro

terça-feira, 22 de novembro de 2016

Hamilton Ramos Afonso

Hoje 



Hoje presisava

tanto...
abrigar-me na 
enseada dos teus
braços, 
do calor e perfume
do teu colo,
sentir teus lábios,
em beijo casto 
e terno 
nas covinhas da
minha face
das tuas mãos
enlaçadas
nas minhas


Eu hoje precisava
tanto,
de derramar 
ternura,
em contemplação, 
no teu rosto…


Precisava,tanto…
de ti 
tu sabes 
que sim…  




Hamilton Ramos Afonso    




 Este poema de que gosto muito.
por ser ao mesmo tempo forte e ternurento.
é a letra de uma das minhas canções preferidas do álbum , que faz vinte e cinco anos.
por coincidência,. ei-la aqui...

Laura Makabresku





O meu amor existe


O meu amor tem lábios de silêncio
e mãos de bailarina
e voa como o vento
e abraça-me onde a solidão termina

O meu amor tem trinta mil cavalos
a galopar no peito
e um sorriso só dela
que nasce quando a seu lado eu me deito

O meu amor ensinou-me a chegar
sedento de ternura
sarou as minhas feridas
e pôs-me a salvo para além da loucura

O meu amor ensinou-me a partir
nalguma noite triste
mas antes, ensinou-me
a não esquecer que o meu amor existe



Jorge Palma

segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Um Rosto

...
Apenas
uma coisa inteiramente transparente:
o céu, e por baixo dele a linha obscura do horizonte
nos teus olhos, que pude ver ainda
através de pálpebras semicerradas, pestanas húmidas
da geada matinal, uma névoa de palavras murmuradas
num silêncio de hesitações. Há quanto tempo,
tudo isto? Abro o armário onde o tempo antigo
se enche de bolor e fungos; limpo os papéis,
cartas que talvez nunca tenha lido até ao fim, foto-
grafias cuja cor desaparece, substituindo os corpos
por manchas vagas como aparições; e sinto, eu
próprio, que uma parte da minha vida se apaga
com esses restos.  




Nuno Júdice






domingo, 20 de novembro de 2016

Hamilton Ramos Afonso

Hoje





Hoje precisava,
tanto
abrigar-me na 
enseada dos teus
braços, 
do calor e perfume
do teu colo,
sentir teus lábios,
em beijo casto 
e terno 
nas covinhas da
minha face
das tuas mãos
enlaçadas
nas minhas


Eu hoje precisava
tanto,
de derramar 
ternura,
em contemplação, 
no teu rosto…


Precisava,tanto…
de ti 
tu sabes 
que sim…  




Hamilton Ramos Afonso 




Manuel Bandeira

Teu corpo claro e perfeito  



Teu corpo claro e perfeito,


– Teu corpo de maravilha,
Quero possuí-lo no leito
Estreito da redondilha...


Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa... flor de laranjeira...


Teu corpo, branco e macio,
É como um véu de noivado...

Teu corpo é pomo doirado...

Rosal queimado do estio,
Desfalecido em perfume...

Teu corpo é a brasa do lume...

Teu corpo é chama e flameja
Como à tarde os horizontes...


É puro como nas fontes
A água clara que serpeja,
Quem em antigas se derrama...

Volúpia da água e da chama...

A todo o momento o vejo...
Teu corpo... a única ilha
No oceano do meu desejo...


Teu corpo é tudo o que brilha,
Teu corpo é tudo o que cheira...
Rosa, flor de laranjeira...  



Manuel Bandeira  






sábado, 19 de novembro de 2016

Fernando Echevarría

Amor à vista

Entras como um punhal 
até à minha vida. 
Rasgas de estrelas e de sal 
a carne da ferida.

Instala-te nas minas. 
Dinamita e devora. 
Porque quem assassinas 
é um monstro de lágrimas que adora.

Dá-me um beijo ou a morte. 
Anda. Avança. 
Deixa lá a esperança 
para quem a suporte.

Mas o mar e os montes... 
isso, sim. 
Não te amedrontes. 
Atira-os sobre mim.

Atira-os de espada. 
Porque ficas vencida 
ou desta minha vida 
não fica nada.

Mar e montes teus beijos, meu amor, 
sobre os meus férreos dentes. 
Mar e montes esperados com terror 
de que te ausentes.

Mar e montes teus beijos, meu amor!..



Fernando Echevarría   




Rodrigo Y Gabriela

fado

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

Eufrázio Filipe

LÁBIOS




Demoras-te senhora nestas águas
porque é sempre breve
o instante
das pequenas vertigens

vieste colher os meus lábios
para incendiar uma pedra

na verdade o teu corpo
tão líquido e incerto
na voragem dos destinos inventados
vibra no ritmo das marés
ilumina-se por dentro
num feixe de faúlhas

habita as fendas rema
por onde espumam as salivas

demoras-te senhora
sentada no meu barco 

mas nunca saberás
dos meus lábios uma palavra
sempre que tocar os teus

nem das línguas
o fogo regurgitado
que nos liberta



Eufrázio Filipe
no "Chão de Claridades"

quinta-feira, 17 de novembro de 2016

Hamilton Ramos Afonso


Apeteces-me






Quando a minha alma , pensa na tua …

Quando te namoro o olhar , 
me embriago com o teu sorriso
te estendo as minhas mãos 
e acaricio as tuas...


Apeteces-me...
...quando beijo os teus lábios, 
pego em ti e te dou colo 
e nele te abraço sussurrando-te 
o meu afecto ao teu ouvido...


Apeteces-me …
...quando os nossos dois corpos se colam ,
misturando os perfumes de cada pele
vestindo-nos de amor, 
celebrando a vontade da união 
de duas almas que se pertencem...

Apeteces-me...
Hoje e sempre..  

Hamilton Ramos Afonso   




isabel De sousa

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

Sophia de Mello Breyner Andresen


Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,
Sacode as aves que te levam o olhar.
Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras....
Porque eu cheguei e é tempo de me veres,
Mesmo que os meus gestos te trespassem
De solidão e tu caias em poeira,
Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras
E os teus olhos nunca mais possam olhar.  




Sophia de Mello Breyner Andresen   




António Botto


Quanto, quanto me queres?


Quanto, quanto me queres? — perguntaste...
Numa voz de lamento diluída;
E quando nos meus olhos demoraste
A luz dos teus senti a luz da vida.


Nas tuas mãos as minhas apertaste;
Lá fora da luz do Sol já combalida
Era um sorriso aberto num contraste
Com a sombra da posse proibida...


Beijámo-nos, então, a latejar
No infinito e pálido vaivém
Dos corpos que se entregam sem pensar...


Não perguntes, não sei — não sei dizer:
Um grande amor só se avalia bem
Depois de se perder.   




António Botto    





terça-feira, 15 de novembro de 2016

Ana Alvarenga



Já fiz tanto por amor...

 Já fiz tanto por amor.
 Já fiz tanto e (afinal) não fiz nada:
 está tudo por fazer...

 Madrugadas para inaugurar,
 beijos para tecer,
 corpos por TOCAR,
 noites de enternecer.
 Já fiz tanto por amor...
 Já fiquei, já parti;
 Já fui, já fugi;
 Já desisti, já combati;
 Já teimei, já insisti;
 Já obriguei, já ri.
 Já fiz tanto por amor...
 enlouqueci os rios,
 enfraqueci os mares,
 devorei mil-sóis,
 prendi os ventos,
 soltei as feras.
 Já fiz tanto por amor...
 desmaiei pelo teu sorriso,
 rendi-me ao teu olhar,
 entreguei-me ao teu beijo,
 suspirei de saudade,
 e amei-te - como só eu sei amar...
 Já fiz tanto por amor...
 e ainda tudo me falta fazer.

 Ana Alvarenga  

 

   


   

Maria Rosário Pedreira

Vieste como um barco carregado de vento, abrindo
feridas de espuma pelas ondas. Chegaste tão depressa
que nem pude aguardar-te ou prevenir-me; e só ficaste
o tempo de iludires a arquitectura fria do estaleiro
onde hoje me sentei a perguntar como foi que partiste,
se partiste,
que dentro de mim se acanham as certezas e
tu vais sempre ardendo, embora como um lume
de cera, lento e brando, que já não derrama calor.
Tenho os olhos azuis de tanto os ter lançado ao mar
o dia inteiro, como os pescadores fazem com as redes;
e não existe no mundo cegueira pior do que a minha:
o fio do horizonte começou ainda agora a oscilar,
exausto de me ver entre as mulheres que se passeiam
no cais como se transportassem no corpo o vaivém
dos barcos. Dizem-me os seus passos
que vale a pena esperar, porque as ondas acabam
sempre por quebrar-se junto das margens. Mas eu sei
que o meu mar está cercado de litorais, que é tarde
para quase tudo. Por isso, vou para casa
e aguardo os sonhos, pontuais como a noite.  


Maria Rosário Pedreira