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sexta-feira, 31 de outubro de 2014

João de Deus ////// A Vida...............


A vida é o dia de hoje
A vida é ai que mal soa.
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!
A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave;
Nuvem que o vento nos ares,
Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou
A vida-pena caída
Da asa de ave ferida-
De vale em vale impelida
A vida o vento a levou!

João de Deus 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Maria Olinda Maia //// Sentidos....


Viajo por entre os tempos...
E entro no caminho dos teus sentidos...
Sinto-te...o perfume selvagem,
aquela aragem vinda do mar
dos teus dedos.
Toco-te...e admiro a beleza que há em ti.
Sentidos...
Viajo por entre os tempos....
 
Maria Olinda Maia
 
 
 

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

(Do livro "Jardim Dizpersivo", Editora Per Se, 2013) //// Canção da ausência

 
 
O tempo não se mede mais senão pela saudade...
Inútil as palavras para preencher
este vazio que se alonga além do mar e do infinito.
Claro que ninguém ouve,
mas, meu grito, tem subtons e densidades
que os ouvidos não escutam,
silencioso, na sua forma bruta de cortar a carne
sem deixar sinais visíveis.
Por um momento a ilusão
de que estais aqui
é mais forte que tua ausência,
então, percebo que é fruto exclusivo da demência,
deste querer que o tempo,
ou  a desesperança, não extingue
e transformo em canto
como única forma de mostrar
que o meu amor ainda está vivo.


(Do livro "Jardim Dizpersivo", Editora Per Se, 2013)






terça-feira, 28 de outubro de 2014

Paul Eluard ///// Olhar....


A curva dos teus olhos dá a volta ao meu peito
É uma dança de roda e de doçura.
Berço nocturno e auréola do tempo,
Se já não sei tudo o que vivi
É que os teus olhos não me viram sempre.
Folhas do dia e musgos do orvalho,
Hastes de brisas, sorrisos de perfume,
Asas de luz cobrindo o mundo inteiro,
Barcos de céu e barcos do mar,
Caçadores dos sons e nascentes das cores.
Perfume esparso de um manancial de auroras
Abandonado sobre a palha dos astros,
Como o dia depende da inocência
O mundo inteiro depende dos teus olhos
E todo o meu sangue corre no teu olhar.

Paul Eluard
 
 
 

segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Eugenio de Andrade //// O sorriso



Creio que foi o sorriso,
sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.
 
 
Eugenio de Andrade
 
 
 
 
Foto: Eugénio de Andrade 

O sorriso
 
Creio que foi o sorriso, 
sorriso foi quem abriu a porta. 
Era um sorriso com muita luz 
lá dentro, apetecia 
entrar nele, tirar a roupa, ficar 
nu dentro daquele sorriso. 
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.

domingo, 26 de outubro de 2014

João Vasconcelos / Jorge Rosa ///// Morri ontem....



Toda a vida que eu vivesse / Jurei que te dedicava
E toda a a vida deixava / No dia em que te perdesse

Deixei de ver-te, ceguei / Quis falar-te e fiquei mudo
Os meus sentidos e tudo / Que era meu, abandonei


Morri ontem, podem crer
Á hora em que o sol, morria
Á hora triste, em que o dia
É dia, e deixa de o ser;
Comigo nunca mais contem
Pois de mim mais nada existe
Morri quando tu partiste
Partiste ontem, morri ontem


A vida que Deus me deu / Só foi minha até á altura
Em que por sagrada jura / Todo o meu viver foi teu

Sem saberes o que fazias / Presa a outro amor fugiste
Sem pensares quando partiste / Que a minha vida partia



João Vasconcelos / Jorge Rosa
Repertório de Tony de Matos



sábado, 25 de outubro de 2014

Helena Guimarães //// Quando....

 
Quando te digo " quero tudo "
e te vejo , de repente , emudecer ,
sinto quanto é pouco o meu dizer
e como sou vaga e te iludo.
O tudo é um quase nada
que preenche o dia e o momento.
Uma  presença , um enfiamento ,
rocio em alva madrugada...
O tudo é seguir-te na loucura ,
é quebrar as regras que me impus.
É o saber que te seduz
o caminho proibido da aventura...
É uma parcela de carinho
a preencher o meu vazio ,
um pouco do teu quente Estio
a aquecer o meu caminho.
É o colher todos os dias
aquilo que me queres dar.
Conjugar tempos de amar
em secretas melodias...
 
helena guimaraes
Do livro  "" Contigo à lareira "" 2012
 
 
 
 
 
 
 

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Maria Helena Guimarães //// NO MEU INTERIOR


No meu interior tenho um santuário
onde tu tens um altar...
É um lugar tão secreto
onde não entra ninguém.
É um lugar de silêncio
onde eu medito também.
As velas são pensamentos
e os pensamentos são sonhos;
o chão ternura infinita
onde me rojo a teus pés;
e em fantasias me deito,
despido meu corpo inteiro
em sacrifício de amor.
No meu interior tenho um santuário
onde tu tens um altar...
As ofertas são o sangue
que me corre acelerado
quando te vejo me olhando,
os olhos sempre fugindo;
e são a mente, tão cheia
só de ti, a noite e o dia;
e a volúpia das horas
pela mente construída,
e a vida...
No meu interior tenho um santuário
onde tu tens um altar...

Maria Helena Guimarães
Do livro "" Intimidades "" 1994


   

quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Joaquim Pessoa /// Bastava-nos amar . E não bastava



Bastava-nos amar. E não bastava
o mar. E o corpo? O corpo que se enleia?
O vento como um barco: a navegar.
Pelo mar. Por um rio ou uma veia.
 
Bastava-nos ficar. E não bastava
o mar a querer doer em cada ideia.
Já não bastava olhar. Urgente: amar.
E ficar. E fazermos uma teia.
 
Respirar. Respirar. Até que o mar
pudesse ser amor em maré cheia.
E bastava. Bastava respirar
 
a tua pele molhada de sereia.
Bastava, sim, encher o peito de ar.
Fazer amor contigo sobre a areia.

Joaquim Pessoa 

 


Fernando Campos de Castro //// SÓ QUERO SABER DE TI


Não quero saber do vento
Que me traz ao pensamento
Aromas do teu sabor
Nem da brisa refrescante
Que me traz a cada instante
O cheiro do teu amor
Nem da água fresca e pura
Que me lembra essa loucura
Duma boca transcendente
Nem da onda que desmaia
No leito daquela praia
Que foi nossa antigamente
Nem do fogo que me grita
Este verdade infinita
De nada ser como era
Nem do rosto dessa chama
Que deita na tua cama
O meu corpo à tua espera
Nem do vento nem da água
Nem deste fogo de mágoa
Que me queima sem ter fim
Só quero saber do fado
Do teu corpo iluminado
A morar dentro de mim
 
Fernando Campos de Castro
 
 

terça-feira, 21 de outubro de 2014

Fascínio.................

 
 
É pura poesia o que
liga minha alma
à tua.
Já disse mil vezes
da emoção,
um milhão de vezes
do fascínio com que
teus olhos
devoram os meus...
 

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Casimiro de Abreu ///// Sonhando

 
 

Um dia, oh linda, embalada
Ao canto do gondoleiro,
Adormeceste inocente
No teu delírio primeiro,
- Por leito o berço das ondas,
Meu colo por travesseiro!
Eu, pensativo, cismava
Nalgum remoto desgosto,
Avivado na tristeza
Que a tarde tem, ao sol-posto,
E ora mirava as nuvens,
Ora fitava teu rosto.
Sonhavas então, querida,
E presa de vago anseio
Debaixo das roupas brancas
Senti bater o teu seio,
E meu nome num soluço
À flor dos lábios te veio!
Tremeste como a tulipa
Batida do vento frio...
Suspiraste como a folha
Da brisa ao doce cicio...
E abriste os olhos sorrindo
Às águas quietas do rio!
Depois - uma vez - sentados
Sob a copa do arvoredo,
Falei-te desse soluço
Que os lábios abriu-te a medo...
- Mas tu, fugindo, guardaste
Daquele sonho o segredo!...
 
Autor: Casimiro de Abreu
 
Happy young woman with colorful latex balloons : Foto de stock
 

domingo, 19 de outubro de 2014

Laura Santos //// A-amar Aqui.....


                                         Aqui
                                         Local de estevas, calcário, urze e medronheiro,
                                         corridinho estonteante, alegres e tristes fados,
                                         todo o sonho acorda permanente e passageiro.
                                         Pequenos, médios, e grandes peixes prateados
                                         saltam como pérolas agonizantes na traineira,
                                         das redes da faina em rústicos cestos de vime
                                                                                                                          derramados.

                                         Aqui
                                         O Inverno exibe a luz roubada do Verão,
                                          o sacrifício das gentes é dádiva que tece
                                          presentes de contentamento e comunhão.
                                          Inventam-se castelos e moiras na bruma,
                                          contos de mistério, trova que desaparece
                                          escrita em areia, ondas, sargaço, fresca
                                                                                                                        espuma.

                                         Aqui
                                         Onde o luto se veste da cabeça aos pés,
                                          o som das concertinas desce pela serra
                                          e as cegonhas fazem lar nas chaminés
                                          enquanto o sol cobre de ouro os laranjais.
                                          A fé desliza velozmente dos céus à terra
                                          por longa trança de luar oculta nos densos
                                                                                                                        matagais.

                                          Aqui
                                          Onde o amor se fez veleiro vagabundo,
                                           velas a todo o pano abandonam o cais
                                           embriagadas de viagem e azul profundo
                                           desbravando o etéreo rasto das gaivotas.
                                           Alheias a tormentas, ocasos e vendavais
                                           traçam no vento as coordenadas de todas
                                                                                                                             as rotas.
                                                                                                                              

Laura Santos   


Natalia Juskiewicz com a "Canção do Mar", numa abordagem ao fado através do violino.



NOTA :   poema bem estruturado , assim como a música que lhe confere uma alma diferente.


sábado, 18 de outubro de 2014

são reis //// esta noite

Esta noite quero escrever um poema na tua pele
que seja feito de palavras e gemidos
de gestos que vêm de dentro
de ternura pura
Esta noite quero que as palavras se escrevam
e permaneçam escritas
muito para além do toque e dos beijos
das chegadas e dos abraços
e das portas de saída
Esta noite quero que os nossos corpos
sejam e saibam a poesia

 
são reis

  
Foto: Esta noite quero escrever um poema na tua pele
que seja feito de palavras e gemidos
de gestos que vêm de dentro
de ternura pura

Esta noite quero que as palavras se escrevam
e permaneçam escritas
muito para além do toque e dos beijos
das chegadas e dos abraços
e das portas de saída

Esta noite quero que os nossos corpos
sejam e saibam a poesia

são reis



quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Maria do Rosário Pedreira //// Pedido....


Hoje podes deitar-te na minha cama
e contar-me mentiras - dizer, não sei,
que o amor tem a forma da minha mão
ou que os meus beijos são perguntas que
não queres que ninguém te faça senão

eu; que as flores bordadas na dobra do
meu lençol são de jardins perfeitos que
antes só existiam nos teus sonhos; e que
na curva dos meus braços as horas são
mais pequenas do que uma voz que no

escuro se apagasse. Hoje podes rasgar
cidades no mapa do meu corpo e
inventar que descobriste um continente
novo
- uma pátria solar onde gostavas
de morrer e ter nascido. Eu não me

importo com nada do que me digas esta
noite: amo-te, e amar-te é reconhecer o
pólen excessivo das corolas, o seu vermelho
impossível. Mas amanhã, antes de partires,

não digas nada, não me beijes nas costas
do meu sono. Leva-me contigo para sempre
ou deixa-me dormir - eu não quero ser
apenas um nome deitado entre outros nomes.


Maria do Rosário Pedreira 




David Mourão Ferreira /// Noites




Vamos abrir a noite
com música de Jazz
Vamos abrir a noite
Percorrê-la depois
num barco de borracha
Enforcar a memória
Celebrar o segredo
Descobrir de repente
Uma ilha que nasce dentro
do teu vestido
Chamar-lhe madrugada
Adormecer contigo

David Mourão Ferreira  
 
 

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Viveres....



Quero  loucura por inteiro. Qualquer que seja ela...Gota a gota, dedo a dedo, penetrando nas vertigens dos meus medos e desrespeitando sem ternura os limites da minha sanidade. Quero peneirar meus demónios nas minhas más intenções e no compasso de um silêncio áspero onde o sobressalto do prazer se faz vencedor sem concorrência e me grita em gotas de sémen doce misturadas com lágrimas cor de lua que, estou vivo. Estranhamente vivo. Simplesmente vivo


.

Helena Guimarães //// TENHO SAUDADES

 
Tenho saudades!
Não da idade, mas da inocência,
da minha natural consciência
de ver o mal longe de mim.
Viver com as mãos abertas,
ter um colo de carinho
para quem me cruzasse o caminho
nas montanhas da descoberta.
Tenho saudades!
De ver em cada ser um irmão,
não ver as pedras no chão,
não olhar para as veredas.
Olhar apenas para os céus
ver lá em cima Deus
e acreditar com o coração
que é Pai, assim, abrigo
para qualquer filho perdido.
Tenho saudades de não saber,
de ser livro sem palavras,
de ser criatura com asas
para voar sonhos mil.
Tenho saudades, sim,
tenho saudades de ser inocente
sentir o vento nas faces.
Não ver olhos rapaces,
olhos brilhantes de ódio,
não conhecer o opróbio
do homem no mundo vil.
Tenho saudades!
De ser menina inocente
para quem a verdade era uma,
o Amor era infinito,
a vida era sem escolhos,
olhar os outros nos olhos
e encontrar seres iguais
com voos que eram os mesmos
de uma subida sem fim
em direcção à felicidade.
Juntos percorrer o caminho
comungar o mesmo destino
de alcançar a Liberdade.
Tenho saudades!
 
Helena Guimarães
 

terça-feira, 14 de outubro de 2014


Olha para mim, estou aqui contemplando o teu olhar,

Penetro no azul que adormece os meus sonhos,

Neles vejo o deserto infinito do meu amor,

Sente o perfume que escolhi para esta noite, uma porção magica que

deitei no meu corpo para enfeitiçar o teu desejo por mim!

Rasgo as memorias, quero viver uma nova historia,

Quero ser eu novamente, uma folha em branco onde possas riscar, escrevinhar, desenhar, pintar …apenas um novo rosto criado por ti!
 


segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Florbela Espanca

Florbela Espanca
                  
                                                     "Tens sido vida fora o meu desejo
                                                      E agora, que te falo, que te vejo,
                                                      Não sei se te encontrei...se te perdi.."

 Uma vida imensa  de apenas 36 anos (Vila Viçosa 1894-Matosinhos 1930) abreviada devido a uma alma perturbada e sofredora, (experienciando ora estados de depressão, ora de exaltação), que conseguiu transformar o sofrimento  em poesia pincelada de erotismo, feminilidade caprichosa e panteísmo.
 Florbela Espanca foi uma das primeiras mulheres em Portugal a frequentar o ensino secundário. Inscreveu-se depois no curso de Direito da Universidade de Lisboa, licenciatura que não terminaria.
 De destacar na sua obra o "Livro de Mágoas"(1919), o "Livro de Soror Saudade"(1923),  "Charneca em Flor" e "Reliquiae"( ambos editados postumamente em 1931).
 Todos os seus sonetos foram reunidos em "Sonetos Completos",obra publicada em 1934, e sucessivamente reeditada. Com disse José Régio, existem "Mulheres com talento vocabular e métrico para talharem um soneto como quem talha um vestido..."
 Afectada por uma neurose, não resistiu à terceira tentativa de suicídio. Faleceu no dia do seu aniversário, a 8 de Dezembro de 1930.

                                                            ALMA PERDIDA
                                                Toda esta noite o rouxinol chorou,
                                                Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
                                                Alma de rouxinol, alma de gente,
                                                Tu és talvez, alguém que se finou!

                                                Tu és, talvez, um sonho que passou,
                                                Que se fundiu na Dor, suavemente...
                                                Talvez sejas a alma, a alma doente
                                                Dalguém que quis amar e nunca amou

                                                Toda a noite choraste...e eu chorei
                                                Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
                                                Que ninguém é mais triste do que nós!

                                                Contaste tanta coisa à noite calma,
                                                Que eu pensei que tu eras a minh'alma
                                                Que chorasse perdida em tua voz!...
                                                                            
                                                                    in  "Livro de Mágoas" ("Sonetos Completos")


Florbela Espanca tem sido cantada por artistas tão diferentes  como Luísa Basto, Tereza Silva Carvalho, Luís Represas, Mariza, ou Fagner...Como tal, tendo dificuldade em escolher uma interpretação, prefiro chamar a atenção para o filme "Florbela" realizado por Vicente Alves do Ó, protagonizado por Dalila Carmo, Ivo Canelas e Albano Jerónimo.




Florbela, de Vicente Alves do Ó Trailer do filme sobre Florbela Espanca 480p

domingo, 12 de outubro de 2014

Joaquim Pessoa //// A Amor é....

O Amor é...O Amor é...O amor é o início. O amor é o meio. O amor é o fim. O amor faz-te pensar, faz-te sofrer, faz-te agarrar o tempo, faz-te esquecer o tempo. O amor obriga-te a escolher, a separar, a rejeitar. O amor castiga-te. O amor compensa-te. O amor é um prémio e um castigo. O amor fere-te, o amor salva-te, o amor é um farol e um naufrágio. O amor é alegria. O amor é tristeza. É ciúme, orgasmo, êxtase. O nós, o outro, a ciência da vida. 
O amor é um pássaro. Uma armadilha. Uma fraqueza e uma força. 
O amor é uma inquietação, uma esperança, uma certeza, uma dúvida. O amor dá-te asas, o amor derruba-te, o amor assusta-te, o amor promete-te, o amor vinga-te, o amor faz-te feliz. 
O amor é um caos, o amor é uma ordem. O amor é um mágico. E um palhaço. E uma criança. O amor é um prisioneiro. E um guarda. 
Uma sentença. O amor é um guerrilheiro. O amor comanda-te. O amor ordena-te. O amor rouba-te. O amor mata-te. 
O amor lembra-te. O amor esquece-te. O amor respira-te. O amor sufoca-te. O amor é um sucesso. E um fracasso. Uma obsessão. Uma doença. O rasto de um cometa. Um buraco negro. Uma estrela. Um dia azul. Um dia de paz. 
O amor é um pobre. Um pedinte. O amor é um rico. Um hipócrita, um santo. Um herói e um débil. O amor é um nome. É um corpo. Uma luz. Uma cruz. Uma dor. Uma cor. É a pele de um sorriso. 

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum' 

sábado, 11 de outubro de 2014

Femea................

"Se ela ria, era a risada sexual de uma mulher satisfeita, o riso de um corpo desfrutando a si próprio, sendo acariciado pelo mundo inteiro. É estranho o que pode fazer a um homem a visão um animal verdadeiramente sexual na sua frente. A natureza animal da mulher tem sido cuidadosamente disfarçada em coisas que servem para distrair o homem do seu desejo e não para acentuá-lo.
As mulheres que são totalmente sexuais, com o refluxo do útero em seus rostos, que despertam no homem o desejo de penetrá-las imediatamente; as mulheres cujas roupas são apenas um recurso da natureza para tornar mais proeminentes certos pedaços do seu corpo, ..., as mulheres que atiram seu sexo em cima de nós, a partir do cabelo, olhos, nariz, boca, o corpo todo - são essas as mulheres que amo.
As outras, nós temos que procurar o animal que existe nelas. Diluíram-no, disfarçaram-no, perfumaram-no, de modo que acabassem cheirando como outra coisa - como quê? Como anjos?"




quinta-feira, 9 de outubro de 2014

Laura Santos //// Aromas.....



Sonhei que cheirava a café acabado de fazer
enquanto o teu corpo amanhecia.
A tua pele cheirava a tangerinas,
a minha, a amoras rubras e silvestres,
fragrâncias quentes e finas
ao canto de cada entardecer
quando te desnudas e te vestes.
 Na breve penumbra das horas
sonhei que cheirava a rosmaninho,
a frescos coentros acabados de cortar,
se te aproximavas de mansinho...
enquanto preparava secreto manjar.
Odores salgados de maresia.
Algo me invadia; perfumes de anis,
alecrim, poejo, manjericão.
Uma paz de hortelã, de tomilho,ou de limão,
 de maçãs vermelhas e conversas
saboreadas ao contacto da tua mão.
 Sei que cheirava altos pinheiros,
floridos aloendros, campos de alfazema,
odores muito mais intensos
do que poderia escrever em poema.
Cheiro a estevas e terra molhada,
a roupa lavada com sabão
despida na prévia madrugada.
Desejaria teu corpo aroma
a anoitecer perto do meu.
Ou a amanhecer de repente,
brisa canção a rodopiar
num prado perto do céu.
Perdi o sentido do olfacto.
Que sonho inventado é este,
ilusório e contrafeito,
este tormento em doce retrato,
leve e caricato,
que trago no meu peito?...


Laura Santos 





Laura Santos /// Ilusão


 

Sou mente tola que tudo inventa.
Porque não admito que o sol te aqueça
sem a minha presença.
Ou que a chuva te molhe
e acaricie sem pedir-me licença.
Que o sorriso que em mim se apresenta
fique triste quando te olhe.
Para ti desejei livres espaços
ocupados por árvores e por brisas,
corropio de amor, breves cansaços,
musgo verde, chão de pétalas de rosas
em movimento que tu pisas.
Criei nos teus ombros altas pontes
e nas tuas mãos abri sem querer
pequenos lagos, doces frescas fontes.
No teu olhar imaginei um pedaço de céu
que depressa  de mim desapareceu.
Mas nunca verdadeiramente te perdi.
De coisa nenhuma nunca algo nasceu.
Poderia dizer-te da tristeza sem idade,
falar-te desta angústia. Da fatalidade
desta tremenda estupidez....
Nada daria a medida das minhas penas,
do peso dos dias e das noites,
da alegria e contentamento que não se fez,
da beleza de todas as coisas pequenas.
Dos extensos, duradouros desertos
de sonhos adormecidos e despertos.
Deste exílio permanente em lugar nenhum.
Uma saudade de histórias não contadas;
apenas fantasia intensa sem maravilha...
Ilusões de óptica, escuras fundas estradas
como se fosses apenas uma ilha.
Não existe já um lamento ou um quebranto.
Apenas uma ausência que me atravessa,
uma lança que me trespassa, um triste canto.
Não existe já uma atrevida promessa.
Nem mágoa contida, nem devassa.
Apenas foste embora para a tua colina.
O teu e o meu tempo depressa passa
sabes do tesouro que existe no fundo da mina.
Mas, em ti persisto sem que esteja.
 
Laura Santos  
 
Escolhi para este poema, "A Case of You", composição e interpretação de Joni Mitchell, tema aqui interpretado com um ligeiro sabor a fado, por Ana Moura. Uma voz muito particular e sedutora. 
A versão de K.D.Lang é também muito bonita.
 
 
 
 

são reis

E por entre todas as dúvidas
eu escolho a única certeza
Que mais vale meu olhar sombrio
mas que eu entenda
que mil cores na pupila
que nada me digam!
 
 
são reis



quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Rainer Maria Rilke a Lou Andreas-Salomé

Tira-me a luz dos olhos: continuarei a ver-te
Tapa-me os ouvidos: continuarei a ouvir-te
E embora sem pés caminharei para ti
E já sem boca poderei ainda convocar-te.
Arranca-me os braços: continuarei abraçando-te
Com o meu coração como com a mão
Arranca-me o coração: ficará o cérebro
E se o cérebro me incendiares também por fim
Hei-de então levar-te no meu sangue.



Rainer Maria Rilke a Lou Andreas-Salomé


terça-feira, 7 de outubro de 2014

De LUAR //// A tua ausência.....





Sempre soube que o pensamento
viaja à velocidade da luz
renasce sempre que morre
porque penso em ti.
Convenço-me disso
quando se aproxima a tua partida,
mas, não consigo explicar
a parte de mim que se perde,
a lágrima que se solta na tua ausência
a dor profunda que arde no peito
sentir invisível que se apodera de mim
e me consome a alma.
Eu sei que vais sussurrar ao ouvido
que o tempo é breve e vais voltar
mas o meu triste coração
é engolido pelas trevas.
Não sei o que dizer às minhas mãos
que não estás aqui...
Não sei o que dizer às minhas palavras
que choram a tua ausência
.

LUAR  ( pseudónimo )

Eugénio de Andrade ((( PEDIDO ....)))


De que lado viste chegar
o outono? Por que janela
o deixaste entrar? és tu quem
canta em surdina, ou a luz
espessa das suas folhas?
Em que rio te despes para sonhar?
É comigo que voltas
a ter quinze anos e corres
contra o vento até te perderes
na curva da estrada?
A quem dás a mão e confias
um segredo? Diz-me,
diz-me, para que possa habitar
um a um os meus dias.

Eugénio de Andrade
 
 
 

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Antonio Botto

 Quanto, quanto me queres? – perguntaste
Numa voz de lamento diluída;
E quando nos meus olhos demoraste
A luz dos teus senti a luz da vida.
Nas tuas mãos as minhas apertaste;
Lá fora da luz do Sol já combalida
Era um sorriso aberto num contraste
Com a sombra da posse proibida…
Beijámo-nos então, a latejar
No infinito e pálido vaivém
Dos corpos que se entregam sem pensar…
Não perguntes, não sei – não sei dizer:
Um grande amor só se avalia bem
Depois de se perder.
 
 
António Botto
 
Foto: Quanto, quanto me queres? – perguntaste
Numa voz de lamento diluída;
E quando nos meus olhos demoraste
A luz dos teus senti a luz da vida.
Nas tuas mãos as minhas apertaste;
Lá fora da luz do Sol já combalida
Era um sorriso aberto num contraste
Com a sombra da posse proibida…
Beijámo-nos então, a latejar
No infinito e pálido vaivém
Dos corpos que se entregam sem pensar…
Não perguntes, não sei – não sei dizer:
Um grande amor só se avalia bem
Depois de se perder.

António Botto
 

domingo, 5 de outubro de 2014

Al Berto, “O Medo”

Foram Breves e Medonhas as Noites de Amor
foram breves e medonhas as noites de amor
e regressar do âmago delas esfiapava-lhe o corpo
habitado ainda por flutuantes mãos
estava nu
sem água e sem luz que lhe mostrasse como era
ou como poderia construir a perfeição
os dias foram-se sumindo cor de chumbo
na procura incessante doutra amizade
que lhe prolongasse a vida
e uma vez acordou
caminhou lentamente por cima da idade
tão longe quanto pôde
onde era possível inventar outra infância
que não lhe ferisse o coração
 
Al Berto, “O Medo”
 
 

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Florbela Espanca


                                                Toda esta noite o rouxinol chorou,
                                                Gemeu, rezou, gritou perdidamente!
                                                Alma de rouxinol, alma de gente,
                                                Tu és talvez, alguém que se finou!

                                                Tu és, talvez, um sonho que passou,
                                                Que se fundiu na Dor, suavemente...
                                                Talvez sejas a alma, a alma doente
                                                Dalguém que quis amar e nunca amou!

                                                Toda a noite choraste...e eu chorei
                                                Talvez porque, ao ouvir-te, adivinhei
                                                Que ninguém é mais triste do que nós!

                                                Contaste tanta coisa à noite calma,
                                                Que eu pensei que tu eras a minh'alma
                                                Que chorasse perdida em tua voz!...

                                                                            
                                                                    in  "Livro de Mágoas" ("Sonetos Completos")


quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Rui Amaral Mendes //// Outono....


hoje
quais primeiras folhas que
se entregam ao húmus da terra
num outono a dealbar
no ciclo das estações que de-compõem a minha existência
fios salgados de um
pequeno rio que nasce no meu âmago
escorrem pelo meu rosto
imolando-se no fogo
de vastos campos de afectos
por ceifar
vivo manhã num tempo novo
depois do equinócio
em que o movimento celeste
lentamente distancia a luz
do meu ser
conduzindo a novos compassos
onde predominará
a escuridão
em que vivo a ausência de ti
 
Rui Amaral Mendes in na luz do crepúsculo
 

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

Cecília Meireles, in 'Poemas (1957). /// Como se morre de velhice


Como se morre de velhice
ou de acidente ou de doença,
morro, Senhor, de indiferença.
Da indiferença deste mundo
onde o que se sente e se pensa
não tem eco, na ausência imensa.
Na ausência, areia movediça
onde se escreve igual sentença
para o que é vencido e o que vença.
Salva-me, Senhor, do horizonte
sem estímulo ou recompensa
onde o amor equivale à ofensa.
De boca amarga e de alma triste
sinto a minha própria presença
num céu de loucura suspensa.
(Já não se morre de velhice
nem de acidente nem de doença,
mas, Senhor, só de indiferença.)
 
 
 
Cecília Meireles, in 'Poemas (1957).
 

O BOSS.........Bruce Springsteen