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domingo, 31 de março de 2019

António Ramos Rosa



















A nudez da palavra que te despe.
Que treme, esquiva.
Com os olhos dela te quero ver,
que te não vejo.
Boca na boca, através de que boca
posso eu abrir-te e ver-te?
É meu receio que escreve e não o gosto
do sol de ver-te?
Todo o espaço dou ao espelho vivo
e do vazio te escuto.
Silêncio de vertigem, pausa, côncavo
de onde nasces, morres, brilhas, branca?
És palavra ou és corpo unido em nada?
É de mim que nasces ou do mundo solta?
Amorosa confusão, te perco e te acho,
à beira de nasceres tua boca toco
e o beijo é já perder-te.


António Ramos Rosa
Photo: Man Ray

sábado, 30 de março de 2019

Isabel de carvalho sousa





POESIA
Vestes a noite
com a tua claridade nua
teu feitiço.
Vagueias em mim
pelos sentidos
e eu percorro o deserto
à procura de mim
e do mistério.

Chamo-te 
envolvo-me 
e sinto-te Lua
neste eterno retorno
que me sabe a ti


Isabel de carvalho sousa

A imagem pode conter: flor

por isabel sousa







às vezes......
às vezes tenho medo
que as palavras que te escrevo
não passem de lugares comuns
embalado no lugar onde o coração
mas,não é comum o que trago se aconchega
mas são direitas e limpas
podem ser comuns as palavras que te escrevo
no infinito da alma a celebrar-te
como limpo e direito é este céu que se abre no meu rosto
as mãos e a vida
com as aves foi o teu sorriso que me iluminou o olhar e
num querer escrever a direito
é assim que nasce o amor aconchegado na alma nas linhas tortas da vida!
só os olhos sabem ler)
(porque o que é escrito na alma

por isabel sousa


................. Um devaneio. .................





Imagem




Sua imagem despertou em mim
o desejo de tocá-lo
meu instinto quer você!

Deixe-me beijá-lo
com carinho ao ver na lua
sinais de outrora
como na aurora
Quero ser sua.

As noites outonais
me trouxeram você
envolve-me
penetra-me
sinta-me
enlouqueça-me
embriaga-me
com sua existência
repleta de sua essência.

Não nos perca
em momento algum
brindamo-nos
no universo de nós.

sexta-feira, 29 de março de 2019

Eugénio de Andrade





POESIA

Se as mãos pudessem (as tuas,
as minhas) rasgar o nevoeiro,
entrar na luz a prumo.
Se a voz viesse. Não uma qualquer:
a tua, e na manhã voasse....
E de júbilo cantasse.
Com as tuas mãos, e as minhas,
pudesse entrar no azul, qualquer
azul: o do mar,
o do céu, o da rasteirinha canção 
da água corrente. E com elas subisse.
(A ave, as mãos, a voz.)
E fossem chama. Quase.

Eugénio de Andrade


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Fernando Campos de Castro






CARTA A PESSOA  



Meu caro Fernando
É de lodo e nódoa este País que vejo
babado e sabujo gastando-te o nome

Despuradamente
remexem - te a arca acordando os silêncios
de todos os teus versos outrora negados
e não deixam mais que descanses em paz
os ossos cansados e essa tua cirrose
tão laboriosamente bebida e consentida

Àvidos de nome e para darem nas vistas
rasgam - te as ceroulas que nunca despiste 
para a tua Ofélia que amas - te demais
e outorgam - te paixões individualistas
e homo- fatais

E certos ratos de bibliotecas pardas
exauridos de raiva e de ciúme indispostos
quase negam as quadras grandiosas e simples
com que o povo te lembra , te soletra e canta
( tu que foste poeta para todos os gostos )

Sequiosos de fama e de dinheiro famintos
Masturbam discursos sobre o teu passado 
e esfregam -se nas praias do teu frágil corpo
curvado à angústia de tanto desprezo
e à febre de um sonho etilizado

E tudo isto , Fernando , por que nunca te amaram
nem compreenderam que no verso mais triste 
escuro ou sombrio que te acontecia
palpitava inteira , universal e pura
a razão de ser da poesia

Por uma vez , agora , levanta -te Fernando
levanta - te do túmulo e vem cuspir -lhes na cara 
o teu sorriso inquieto , descomunal e mudo
mesmo doente e bêbado
esclerótico e tudo


Fernando Campos de Castro
Do livro  "" VIOLAÇÃO DA NOITE  ""  pags, 93/94




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Fernando Campos de Castro











PRAIA VAZIA



Altas , bravas , súbitas , ondas
e o teu perfil rasgando a maresia 
Eras brisa barco e melancolia
a escorrer - me dos dedos
tão de repente inúteis e vazios.
Nos teus olhos gaivotas
nos meus peixes de frio tédio e sal
de te sentir ali intensamente quente
na memória de dum corpo intemporal.

Imagem relacionada



Fernando Campos de Castro
Do livro ""  VIOLAÇÃO DA NOITE "" pág. 95

quinta-feira, 28 de março de 2019

Eugénio de Andrade






















Aqui me tens, conivente com o sol
neste incêndio do corpo até ao fim:
as mãos tão ávidas no seu voo,
a boca que se esquece no teu peito
de envelhecer e sabe ainda recusar.



Eugénio de Andrade

Photo: Man Ray

Isabel de carvalho sousa





LUA
Vestes a noite
com a tua claridade nua
teu feitiço.
Vagueias em mim
pelos sentidos
e eu percorro o deserto
à procura de mim
e do mistério.

Chamo-te 
envolvo-me 
e sinto-te Lua
neste eterno retorno
que me sabe a ti

Isabel de carvalho sousa

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POESIA
Um Amor
Aproximei-me de ti; e tu, pegando-me na mão, 
puxaste-me para os teus olhos 
transparentes como o fundo do mar para os afogados. Depois, na rua, 
ainda apanhámos o crepúsculo. 
As luzes acendiam-se nos autocarros; um ar 
diferente inundava a cidade. Sentei-me 
nos degraus do cais, em silêncio. 
Lembro-me do som dos teus passos, 
uma respiração apressada, ou um princípio de lágrimas, 
e a tua figura luminosa atravessando a praça 
até desaparecer. Ainda ali fiquei algum tempo, isto é, 
o tempo suficiente para me aperceber de que, sem estares ali, 
continuavas ao meu lado. E ainda hoje me acompanha 
essa doente sensação que 
me deixaste como amada 
recordação.

Nuno Júdice, in "A Partilha dos Mitos"

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Rosa Lobato Faria





UM CONTO....
Ele tirou a roupa com elegância e o seu corpo nu era bem a prova da existência do DEUS que criou o homem ao sétimo dia e descansou. Olhou-a sem a tocar e disse, tira a pulseira, os brincos, esse fio de ouro, quero-te nua, estás cheia de símbolos de classe social e agora não és nada disso, és um bicho soberbo, felino, em pleno cio. Ela obedeceu sem tirar os olhos dos seus olhos daquele dia, e ele procurou a boca dela pelo caminho das coxas, do ventre, dos seios, dos olhos, das orelhas, purificou-se na humidade dos lábios, disse palavras tontas, cântaro, barco à vela, fada, gueisha, camélia, tangerina, iniciou o caminho de volta enquanto as mãos ensaiavam voos de gaivota pela praia, pelos ombros, as costas, as nádegas, e os dedos festejavam e dizia palavras. E o corpo dela de tocaia suspenso entre o céu e a terra, oferecendo-se àquela língua sábia, enquanto o coração, ai dele, se afogava em marés ilimitadas. A sua branca, feminina garganta navegou em todos os cambiantes do murmúrio e do grito, e na hora vermelha, solta de todas as amarras, ouviu-se dizer palavras espantosas, morde-me, inunda-me, mata-me, quero que todos saibam que sou a tua coisa, a tua fêmea, ai.”
In “Os pássaros de seda”

Homenagem a Rosa Lobato Faria


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Salvador Novo





POEMA
"AMOR"
Amar es este timido silencio
cerca de ti, sin que lo sepas
y recordar tu voz cuando te marchas
y sentir el calor de tu saludo.
Amar es aguardarte
como si fueras parte del ocaso,
ni antes, ni despues, para que estemos solos
entre los juegos y los cuentos
sobre la tierra seca.
Amar es percibir, cuando te ausentas,
tu perfume en el aire que respiro,
y contemplar la estrella en que te alejas
cuando cierro la puerta de la noche


Salvador Novo
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quarta-feira, 27 de março de 2019

Hamilton Ramos Afonso.





Há momentos...



Há momentos tão nossos 
em que as palavras se calam, 
por desnecessárias
e deixamos falar a ternura,
o carinho, o amor
e então escrevemos 
um no outro , o mais
belo poema mudo
nos nossos perfumados 
corpos a golpes de paixão...

Há momentos tão nossos 
que os gestos calam
as palavras e ouvimos 
a mais bela melodia
dois corações a bater 
compassadamente...

Hamilton Ramos Afonso.

Arte: Augusto Rodin


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Trocar tudo por ti



Morrer de amor
ao pé da tua boca

Desfalecer
à pele
do sorriso

Sufocar
de prazer
com o teu corpo

Trocar tudo por ti
se for preciso


Maria Teresa Horta


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............ Vida de reformado de Ingvar Carlsson.





................. A reacção dele quando lhe é perguntado se tem carro, motorista, essas benesses, é impagável

É a excepção.
Infelizmente é a excepção.
Se já era admirador de Olaf Palme e Ingvar Carlsson agora ainda sou mais.

Vida de reformado de Ingvar Carlsson (um exemplo a ser seguido)







Alberto Caeiro





Alberto Caeiro





eu nunca guardei rebanhos
*
Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.
Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.

Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),

É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me vêem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predilecta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural -
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.

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Hamilton Ramos Afonso





Obsessão



Não te agarres demasiado
a um passado que não volta…
...não sintas que tens 
de expiar culpas que te cabem...

Encara o teu dia de hoje 
como um dia novo e 
agarra o futuro sem viveres obcecado
em tentar provar que a história se repete…
...porque não se repete…

O comboio da vida apenas passa uma vez
pelo mesmo apeadeiro…


Hamilton Ramos Afonso

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............. POEMA. ...................






Interrogações...
Para onde vão as minhas palavras,
se já não me escutas? 
Para onde iriam, quando me escutavas? 
E quando me escutaste? - Nunca.

Perdido, perdido. Ai, tudo foi perdido!
Eu e tu perdemos tudo.
Suplicávamos o infinito.
Só nos deram o mundo.

De um lado das águas, de um lado da morte,
tua sede brilhou nas águas escuras.
E hoje, que barca te socorre?
Que deus te abraça? Com que deus lutas?

Eu, nas sombras. Eu, pelas sombras,
com as minhas perguntas.
Para quê? Para quê? Rodas tontas,
em campos de areias longas
e de nuvens muitas.

Cecília Meireles   

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terça-feira, 26 de março de 2019

............... UM poema. .............

SONHOS DE NEVE




Se eu fosse um pintor
teu corpo branco
pintaria
como se fosse uma flor de neve,
sutil, quase irreal, tão leve
como a pureza e a brancura
da alvorada
de um dia inesquecível.

Se eu fosse um escultor
faria de teu corpo
um monumento de amor
do qual jorrariam
flocos de prazer,
torrões de açúcar,
com um brilho nítido,
incomparável
que só poderia ser teu.

Se eu fosse um músico
faria para o teu corpo
uma sonata branca,
pura, musicalmente clara,
com uma inocência de notas
tão cândidas
que até os santos
se perderiam
na alvura de seu ritmo.

Infelizmente não tenho nenhum talento!
Sou apenas um viajante
por teu corpo de leite
na busca incansável do deleite,
vagando por tuas curvas e saliências,
sem mapa e sem um fio sequer,
aprendendo na branquidão de uma mulher
o amor,  o prazer e o sonho de ser feliz e viver!

Ilustração: Barão.

Outro poema de Eunice Odio









Poema tercero (Consumación)                          

Eunice Odio

Tus brazos
como blancos animales nocturnos
afluyen donde mi alma suavemente golpea.

A mi lado,
como un piano de plata profunda
parpadea tu voz,
sencilla como el mar cuando está solo
y organiza naufragios de peces y de vino
para la próxima estación del agua.

Luego,
mi amor bajo tu voz resbala,

Mi sexo como el mundo
diluvia y tiene pájaros,

Y me estallan al pecho palomas y desnudos.

Y ya dentro de ti
yo no puedo encontrarme,
cayendo en el camino de mi cuerpo,

Con sumergida y tierna
vocación de espesura,

Con derrumbado aliento
y forma última.

Tú me conduces a mi cuerpo,
y llego,
extiendo el vientre
y su humedad vastísima,
donde crecen benignos pesebres y azucenas
y un animal pequeño,
doliente y transitivo.

II

Ah,
si yo siquiera te encontrara un día
plácidamente al borde de mi muerte,
soliviantando con tu amor mi oído
y no retoñe…

Si yo siquiera te encontrara un día
al borde de esta falda
tan cerca de morir, y tan celeste
que me queda de pronto con la tarde.

Ah,
Camarada,

Cómo te amo a veces
por tu nombre de hombre

Y por mi cuello en que reposa tu alma.


POEMA TERCEIRO (Consumação)

Teus braços
como brancos animais nocturnos
fluem onde minha alma suavemente golpeia.

Ao meu lado,
como um piano de prata profundo
balbucia tua voz
sensível como o mar quando está sozinho
e organiza naufrágios de peixe e de vinho
para a próxima estação de água.

Logo,
meu amor sob tua voz resvala

Meu sexo como o mundo
num diluvio e cheio de pássaros

E me explodem no peito pombos e pessoas nuas.

E já dentro de ti
eu não posso me encontrar,
caindo no caminho do meu corpo,

Com submersa e terna
vocação de espessura,

Com respiração entrecortada
e última forma.

Tu me conduzes ao meu corpo
e chego
estendendo o ventre
e sua humidade vastíssima,
onde crescem benignos berços e lírios
e um pequeno animal,
dolente e transitivo.

II

Oh,
Se, ao menos, te encontrasse um dia
placidamente à beira da minha morte,
perturbando com meu amor meu ouvido
e não brotar ...

Se, ao menos, eu te encontrasse um dia
tão à beira deste manto
tão perto da morte e tão celestial
que me findarei logo com a tarde.

Oh,
Camarada

Como eu te amo, às vezes,
por teu nome de homem

E por meu colo onde repousa tua alma.

Ilustração: corinosz - WordPress.com.