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terça-feira, 30 de setembro de 2014

Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho' //// Saudade

 
Magoa-me a saudade
do sobressalto dos corpos
ferindo-se de ternura
dói-me a distante lembrança
do teu vestido
caindo aos nossos pés
Magoa-me a saudade
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas
Seja eu de novo tua sombra, teu desejo
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta
Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono
 
Mia Couto, in 'Raiz de Orvalho'
 
 

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Vinicius de Moraes //// Soneto de separação


De repente do riso fez-se o pranto
Silencioso e branco como a bruma
E das bocas unidas fez-se a espuma
E das mãos espalmadas fez-se o espanto.
De repente da calma fez-se o vento
Que dos olhos desfez a última chama
E da paixão fez-se o pressentimento
E do momento imóvel fez-se o drama.
De repente, não mais que de repente
Fez-se de triste o que se fez amante
E de sozinho o que se fez contente.
Fez-se do amigo próximo o distante
Fez-se da vida uma aventura errante
De repente, não mais que de repente.
 
Vinicius de Moraes
 
 

domingo, 28 de setembro de 2014

Palavras...
Para que tu me ouças,
as minhas palavras
estreitam-se às vezes
como pegadas de gaivotas na praia.
Colar, guizo ébrio
para as tuas mãos suaves como as uvas.
E vejo-as ao longe, as minhas palavras.
São mais tuas do que minhas.
Como heras vão trepando pela minha velha dor.
Elas trepam assim pelas húmidas paredes.
És tu a culpada deste jogo sangrento.
Começam a fugir do meu escuro refúgio.
Tu enches tudo, enches tudo.
Antes de ti povoaram elas a solidão que ocupas
e estão mais habituadas do que tu à minha tristeza.
Agora quero que digam o que te quero dizer
para que me ouças como quero que me ouças.
O vento da angústia ainda as arrasta, por vezes
Furacões de sonhos ainda as derrubam.
Tu escutas outras vozes na minha voz dorida.
Pranto de velhas bocas, sangue de velhas súplicas.
Ama-me, companheira. Não me abandones. Segue-me.
Segue-me, companheira, nessa onda de angústia.
Mas vão-se tingindo com o teu amor as minhas palavras.
Tu ocupas tudo, ocupas tudo.
Vou fazendo de todas elas um colar infinito
para as tuas mãos brancas, suaves como as uvas.

Pablo Neruda

Homens Gatos

Fernando Campos de Castro /// Antes o nada contigo

 
 
 
Não é saudade o que canto
Nem é nada que acordaste
É apenas frio espanto

Pela ausência que deixaste
Não é nada, não é nada
Do que julgas que perdi
É somente a madrugada
Que não se esquece de ti
Nem uma estrela me basta
Nem a lua me inflama
Nesta noite que se arrasta
Nos lençóis da minha cama
Não é dor nem é ternura 
Este meu olhar aflito
É apenas a secura
Duma sede de infinito
Não é nada, é fado antigo
Duma ausência que sofri 
Antes nada amor contigo
Do que tudo amor sem ti

sexta-feira, 26 de setembro de 2014

Wislawa Szymborska //// Desculpa....

Desculpa...
Peço desculpa ao acaso por lhe chamar necessidade.
Peço desculpa à necessidade se todavia me engano.
Não se zangue a felicidade por a tomar como minha.
Esqueçam-se de mim os mortos porque já mal se me esboçam na memória.
Peço desculpa ao tempo pela quantidade de mundo que por segundo omito.
Peço desculpa a um amor antigo por considerar este novo o primeiro.
Perdoem-me as guerras longínquas o trazer flores para casa.
Perdoem-me vós, feridas abertas, por me ter picado num dedo.
Peço perdão a quem grita do abismo por este disco de um minuete.
Peço desculpa às gentes nas estações, pelo meu sonho às cinco da manhã.
Sinto muito rir-me às vezes, ó esperanças perseguidas!
Sinto muito, deserto, não correr uma gota de água.
E tu, gavião, há tantos anos o mesmo, nessa mesma gaiola,
de olhos fixos sempre no mesmo ponto, sempre imóvel,
desculpa-me, mesmo se fores ave empalhada.
Desculpa-me, árvores cortada, as quatro pernas da mesa.
Desculpem-me as grandes questões pelas respostas pequenas.
Verdade, não me prestes uma atenção forte de mais.
Coragem, concede-me a generosidade.
Tolera, mistério do ser, o eu depenicar linhas da cauda do teu vestido.
Não me acuses, alma, por tão raro te ter.
Que o tudo me desculpe eu não poder estar em toda a parte.
Quem me desculpem todos, por não saber ser um e uma.
Eu sei que, enquanto viver, nada me justifica, pois eu própria a mim sirvo de estorvo.
Não me leves a mal, fala, eu requisitar termos patéticos,
e acrescentar depois dificuldade, para que pareçam leves.

Wislawa Szymborska 



quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Cecília Meireles ///// Folhas....


Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?
E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando a aqueles
que não se levantarão...
Tu és a folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
E vou por este caminho
certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...

Cecília Meireles
 
Papel de Parede - Folhas Verdes
 

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

À deriva.....


Equilibrar
o cinzento esverdeado da água
acalma a dor da ausência
presente no meu olhar.
Alguns barcos navegam
ao longe
e eu vou num deles
não sei para onde
não sei qual o destino
em que embarco,
nem quero saber.
Deixo-me ir na transparência
da aparente acalmia do mar
mais uma vez à deriva.
 
 
 

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Eugenio de Andrade //// Chuva


Todo o dia a chuva ocultou
o teu rosto
Fechava os olhos para te ver.
À minha frente um céu de abril
trazido pelo teu riso
miúdo ou pelo trigo grão a grão.
Só de olhos fechado vejo
a cidade
onde te perco com eles abertos.
Assim adormeço - a chuva
acesa em lugar do teu rosto.

 
 
Eugénio de Andrade
 
 

domingo, 21 de setembro de 2014

Pablo Neruda /// Paradoxo....


Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Escribir, por ejemplo : 'La noche está estrellada,
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos'.
El viento de la noche gira en el cielo y canta.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Yo la quise, y a veces ella también me quiso.
En las noches como ésta la tuve entre mis brazos.
La besé tantas veces bajo el cielo infinito.
Ella me quiso, a veces yo también la quería.
Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos.
Puedo escribir los versos más tristes esta noche.
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido.
Oir la noche immensa, más inmensa sin ella.
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío.
Qué importa que mi amor no pudiera guardarla.
La noche está estrellada y ella no está conmigo.
Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos.
Mi alma no se contenta con haberla perdido.
Como para acercarla mi mirada la busca.
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo.
La misma noche que hace blanquear los mismos arboles.
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos.
Ya no la quiero, es cierto pero cuánto la quise.
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído.
De otro. Será de otro. Como antes de mis besos.
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos.
Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero.
Es tan corto al amor, y es tan largo el olvido.
Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos,
mi alma no se contenta con haberla perdido.
Aunque ésta sea el último dolor que ella me causa,
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo.
 
Pablo Neruda
 
Foto: Paradoxo...
Puedo escribir los versos más tristes esta noche. 
Escribir, por ejemplo : 'La noche está estrellada, 
y tiritan, azules, los astros, a lo lejos'. 
El viento de la noche gira en el cielo y canta. 
Puedo escribir los versos más tristes esta noche. 
Yo la quise, y a veces ella también me quiso. 
En las noches como ésta la tuve entre mis brazos. 
La besé tantas veces bajo el cielo infinito. 
Ella me quiso, a veces yo también la quería. 
Cómo no haber amado sus grandes ojos fijos. 
Puedo escribir los versos más tristes esta noche. 
Pensar que no la tengo. Sentir que la he perdido. 
Oir la noche immensa, más inmensa sin ella. 
Y el verso cae al alma como al pasto el rocío. 
Qué importa que mi amor no pudiera guardarla. 
La noche está estrellada y ella no está conmigo. 
Eso es todo. A lo lejos alguien canta. A lo lejos. 
Mi alma no se contenta con haberla perdido. 
Como para acercarla mi mirada la busca. 
Mi corazón la busca, y ella no está conmigo. 
La misma noche que hace blanquear los mismos arboles. 
Nosotros, los de entonces, ya no somos los mismos. 
Ya no la quiero, es cierto pero cuánto la quise. 
Mi voz buscaba el viento para tocar su oído. 
De otro. Será de otro. Como antes de mis besos. 
Su voz, su cuerpo claro. Sus ojos infinitos. 
Ya no la quiero, es cierto, pero tal vez la quiero. 
Es tan corto al amor, y es tan largo el olvido. 
Porque en noches como ésta la tuve entre mis brazos, 
mi alma no se contenta con haberla perdido. 
Aunque ésta sea el último dolor que ella me causa, 
y éstos sean los últimos versos que yo le escribo.

Pablo Neruda
 
 

sábado, 20 de setembro de 2014

Eugénio de Andrade //// Noites.......

Noites...
Estás só, e é de noite,
na cidade aberta ao vento leste.
Há muita coisa que não sabes
e é já tarde para perguntares.
Mas tu já tens palavras que te bastem,
as últimas,
pálidas, pesadas, ó abandonado.
Estás só
e ao teu encontro vem
a grande ponte sobre o rio.
Olhas a água onde passaram barcos,
escura, densa, rumorosa
de lírios ou pássaros nocturnos.
Por um momento esqueces
a cidade e o seu comércio de fantasmas,
a multidão atarefada em construir
pequenos ataúdes para o desejo,
a cidade onde cães devoram,
com extrema piedade,
crianças cintilantes
e despidas.
Olhas o rio
como se fora o leito
da tua infância:
lembras-te da madressilva
no muro do quintal,
dos medronhos que colhias
e deitavas fora,
dos amigos a quem mandavas
palavras inocentes
que regressavam a sangrar,
lembras-te de tua mãe
que te esperava
com os olhos molhados de alegria.
Olhas a água, a ponte,
os candeeiros,
e outra vez a água;
a água;
água ou bosque;
sombra pura
nos grandes dias de Verão.
Estás só.
Desolado e só.
E é de noite.

Eugénio de Andrade
 
 

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Rainer Maria Rilke ///// Abismo ( s ) ...


Permaneço na escuridão como um cego,
porque meus olhos já não te encontram.
Para mim a perturbante azáfama dos dias
é apenas uma cortina que te oculta.
Olho-a, esperando que se erga,
essa cortina atrás da qual está a minha vida,
a substância e a própria lei da minha vida
e, no entanto, a minha morte - .
Tu apertavas contra mim, não por escárnio,
mas como a mão do oleiro contra a argila.
A mão que tem o poder da criação.
Ela sonhava com uma forma para modelar -
depois cansou-se, cedeu,
deixou-me cair, parti-me.
Tu eras para mim a mais maternal das mulheres,
eras para mim uma amiga como o são os homens,
eras, ao olhar-te, verdadeiramente mulher,
mas também, muitas vezes, permanecias criança.
Eras aquilo que eu conheci de mais terno,
e também aquilo de mais duro com que lutei.
Eras a altura que me abençoou -
tornaste-te o abismo em que soçobrei.

Rainer Maria Rilke
 
 

quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Fernando Campos de Castro. /// Corpo de jasmim



Quem me dera ser a boca
Que tu vestes com um beijo
Quem me dera ser a roupa
Que tu tiras com desejo
Quem me dera ser a rua
Sobre o chão ondes caminhas
Quem me dera ser a lua
Nas tuas noites sozinhas
Quem me dera ser o sonho
Que tu tens para viver
Quem me dera ser medronho
Que tu mordes com prazer
Quem me dera ser o vento
No teu corpo de jasmim
Quem me dera o pensamento
Que tu fazes sobre mim
Quem me dera, quem me dera
Ser na vida o teu calor
Quem me dera, quem me dera
Quem me dera o teu amor
 
Fernando Campos de Castro
 

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

“EL VACÍO” de Fernando Sabido Sánchez

O vazio
 
 
Os meus sonhos são tão vazios
que cavalgo um vôo incorpóreo
para rogar a clemência das noites.
Entretanto chega a madrugada
sem ter alguém à minha espera.
Até a lua se ofusca para me arrastar
para um cenário de treva
mais longínquo do que a morte.
Cai gota a gota, uma chuva
que me desnuda a paixão com ais;
e o medo da inexistência perdura.
Tão tensa é a vertigem, que roço com os lábios
a beleza que se perde
na réplica da impalpável luz.

 “EL VACÍO” de Fernando Sabido Sánchez

terça-feira, 16 de setembro de 2014

são reis /// Apetece-me....

Apetece-me guardar-te assim
inteira
na minha mão
Os teus olhos sorrindo
e apetecendo
e eu segurando o teu rosto
resvalando-me na pele
como se aos dedos acudisse
uma subita ternura
que eu não controlasse
como se à tua boca aflorasse
um subito desejo
de beijar a minha mão
presa já ao teu rosto
e eu de mergulhar nos teus olhos
já presos em mim
são reis — com Barbara Moreira e 18 outras pessoas.
Foto: Apetece-me guardar-te assim
inteira
na minha mão
Os teus olhos sorrindo
e apetecendo
e eu segurando o teu rosto
resvalando-me na pele
como se aos dedos acudisse
uma subita ternura
que eu não controlasse
como se à tua boca aflorasse
um subito desejo
de beijar a minha mão
presa já ao teu rosto
e eu de mergulhar nos teus olhos
já presos em mim
 
são reis
 

 
 
 

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

André Sardet - Adivinha quanto gosto de ti




Já pensei dar-te uma flor, com um bilhete, mas nem sei o que escrever,
Sinto as pernas a tremer quando sorris para mim, quando deixo de te ver...
Vem jogar comigo um jogo, eu por ti e tu por mim.
Fecha os olhos e adivinha, quanto é que eu gosto de ti.
Gosto de ti desde aqui até à Lua,
Gosto de ti, desde a Lua até aqui.
Gosto de ti, simplesmente porque gosto,
E é tão bom viver assim...
Ando a ver se me decido, como te vou dizer,
Como hei-de contar, até já fiz um avião,
Com um papel azul, mas voou da minha mão...
Vem jogar comigo um jogo, eu por ti e tu por mim.
Fecha os olhos e adivinha, quanto é que eu gosto de ti.
Gosto de ti desde aqui até à lua,
Gosto de ti, desde a Lua até aqui.
Gosto de ti, simplesmente porque gosto,
E é tão bom viver assim...
Quantas vezes eu parei à tua porta,
Quantas vezes nem olhaste para mim,
Quantas vezes eu pedi que adivinhasses,
Quanto eu gosto de ti.
Gosto de ti desde aqui até à lua,
Gosto de ti, desde a Lua até aqui.
Gosto de ti, simplesmente porque gosto,
E é tão bom viver assim...

domingo, 14 de setembro de 2014

ERNESTO CORTAZAR - El Dia Que Me Quieras




Acaricia mi ensueño 
el suave murmullo 
de tu suspirar. 
Como ríe la vida 
si tus ojos negros 
me quieren mirar. 
Y si es mío el amparo 
de tu risa leve 
que es como un cantar, 
ella aquieta mi herida, 
todo, todo se olvida. 

El día que me quieras 
la rosa que engalana, 
se vestirá de fiesta 
con su mejor color. 
Y al viento las campanas 
dirán que ya eres mía, 
y locas las fontanas 
se contarán su amor. 

La noche que me quieras 
desde el azul del cielo, 
las estrellas celosas 
nos mirarán pasar. 
Y un rayo misterioso 
hará nido en tu pelo, 
luciernagas curiosas que verán 
que eres mi consuelo. 

El día que me quieras 
no habrá más que armonía. 
Será clara la aurora 
y alegre el manantial. 
Traerá quieta la brisa 
rumor de melodía. 
Y nos darán las fuentes 
su canto de cristal. 

El día que me quieras 
endulzará sus cuerdas 
el pájaro cantor. 
Florecerá la vida 
no existirá el dolor. 

La noche que me quieras....

Paulo Celan ////// TEUS.................

Teus...

Os teus olhos, rasto de luz dos meus passos; 
a tua testa, lavrada pelo brilho dos punhais; 
as tuas sobrancelas, orla do caminho da tragédia; 
as tuas pestanas, mensageiros de longas cartas; 

os teus cabelos, corvos, corvos, corvos; 
as tuas faces, campo de armas da madrugada; 
os teus lábios, hóspedes tardios; 
os teus ombros, estátua do esquecimento; 
os teus seios; amigos das minhas serpentes; 
os teus braços, álamos à porta do castelo; 
as tuas mãos, tábuas de juras mortas; 
as tuas ancas, pão e esperança; 
o teu sexo, lei do fogo na floresta; 
as tuas coxas, asas no abismo; 
os teus joelhos, máscaras da tua altivez; 
os teus pés, campo de batalha dos pensamentos; 
as tuas solas, criptas em chamas; 
as tuas pegadas, olho da nossa despedida.

Paul Celan
Foto: Teus...

Os teus olhos, rasto de luz dos meus passos; 
a tua testa, lavrada pelo brilho dos punhais; 
as tuas sobrancelas, orla do caminho da tragédia; 
as tuas pestanas, mensageiros de longas cartas; 
os teus cabelos, corvos, corvos, corvos; 
as tuas faces, campo de armas da madrugada; 
os teus lábios, hóspedes tardios; 
os teus ombros, estátua do esquecimento; 
os teus seios; amigos das minhas serpentes; 
os teus braços, álamos à porta do castelo; 
as tuas mãos, tábuas de juras mortas; 
as tuas ancas, pão e esperança; 
o teu sexo, lei do fogo na floresta; 
as tuas coxas, asas no abismo; 
os teus joelhos, máscaras da tua altivez; 
os teus pés, campo de batalha dos pensamentos; 
as tuas solas, criptas em chamas; 
as tuas pegadas, olho da nossa despedida.

Paul Celan

sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Helena Peixoto ///// No teu silêncio


No teu silêncio
Tento ler as palavras que calas…
Tudo aquilo que não dizes,
O amor que não sussurras,
Que escondes a medo…
Passo as mãos pelos teus cabelos,
Deposito os meus lábios sobre os teus,
E sufoco tantas interrogações…
Respiro o mesmo ar que partilhas,
E calo as palavras…
No teu abraço
O mundo torna-se pequeno
E a realidade turva…
As tuas mãos,
Que percorrem o meu corpo,
Deixam rastos de fogo,
Torno-me Fénix
Renascida e sedenta
Da mais plena liberdade…




Helena Peixoto
28.01.2012
 

Helena Guimarães //// As tuas mãos



As tuas mãos longas
e morenas
que exprimen do gesto
as subtilezas,
são lindas, são etéreas,
são subtis.
Parecem aves
esvoaçando presas.

Como gosto
de, perdida em pensamento,
seguir as figuras
que, no espaço,
as tuas mãos desenham
sem sentido,
e cingi-las ao meu corpo
qual abraço...
 
Como gosto...
Quando apontam o Universo,
os dedos estirados
como setas...
Me elevam,
me redimem,
me libertam
Me encontram o perdão
do meu pecado.
Me acalmam,
Me sublimam
como ascetas !
 
Helena Guimarães
 
Do livro " Intimidades " / 1994
 
 
 



quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Eugénio de Andrade //// Pedido...


De que lado viste chegar
o outono? Por que janela
o deixaste entrar? és tu quem
canta em surdina, ou a luz
espessa das suas folhas?
Em que rio te despes para sonhar?
É comigo que voltas
a ter quinze anos e corres
contra o vento até te perderes
na curva da estrada?
A quem dás a mão e confias
um segredo? Diz-me,
diz-me, para que possa habitar
um a um os meus dias.

Eugénio de Andrade