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sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Rainer Maria Rilke ///// Abismo ( s ) ...


Permaneço na escuridão como um cego,
porque meus olhos já não te encontram.
Para mim a perturbante azáfama dos dias
é apenas uma cortina que te oculta.
Olho-a, esperando que se erga,
essa cortina atrás da qual está a minha vida,
a substância e a própria lei da minha vida
e, no entanto, a minha morte - .
Tu apertavas contra mim, não por escárnio,
mas como a mão do oleiro contra a argila.
A mão que tem o poder da criação.
Ela sonhava com uma forma para modelar -
depois cansou-se, cedeu,
deixou-me cair, parti-me.
Tu eras para mim a mais maternal das mulheres,
eras para mim uma amiga como o são os homens,
eras, ao olhar-te, verdadeiramente mulher,
mas também, muitas vezes, permanecias criança.
Eras aquilo que eu conheci de mais terno,
e também aquilo de mais duro com que lutei.
Eras a altura que me abençoou -
tornaste-te o abismo em que soçobrei.

Rainer Maria Rilke
 
 

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