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segunda-feira, 31 de outubro de 2016

helena guimaraes

NO MEU INTERIOR...



No meu interior tenho um santuário...

onde tu tens um altar...

É um lugar tão secreto

onde não entra ninguèm.
É um lugar de silêncio
onde eu medito também.


As velas são pensamentos

e os pensamentos são sonhos:
o chão ternura infinita,
onde me rojo a teus pés;
e em fantasias me deito,
despido meu corpo inteiro
em sacríficio de amor.


No meu interior tenho um santuário

onde tu tens um altar...

As ofertas são o sangue

que me corre acelerado
quando te vejo me olhando,
os olhos sempre fugindo;
e são a mente, tão cheia
só de ti, a noite e o dia ;
e a volúpia das horas 
pela mente construida,
e a Vida...


No meu interior tenho um santuário

onde tu estás num altar...


helena guimarães
Do livro "" INTIMIDADES ""
pag. 15 Ano 1994     (   Foto da poetisa )




domingo, 30 de outubro de 2016

EUGÉNIO DE ANDRADE

EUGÉNIO DE ANDRADE /// TU ÉS A ESPERANÇA, A MADRUGADA






Tu és a esperança, a madrugada....
Nasceste nas tardes de Setembro,
quando a luz é perfeita e mais dourada,
e há uma fonte crescendo no silêncio
da boca mais sombria e mais fechada.


Para ti criei palavras sem sentido,
inventei brumas, lagos densos,
e deixei no ar braços suspensos
ao encontro da luz que anda contigo.


Tu és a esperança onde deponho
meus versos que não podem ser mais nada.
Esperança minha, onde meus olhos bebem,
fundo, como quem bebe a madrugada.   





in AS MÃOS E OS FRUTOS (Linear, 1977),
in POESIA DE EUGÉNIO DE ANDRADE
(Modo de Ler, 2011)


sábado, 29 de outubro de 2016

Catarina Pinto Bastos

    Quando
    Quando a minha-tua ternura
    já cansada e desvalida
    de olhar teus olhos ensombrados, ...
    sem encontrar vislumbre de guarida,
    se afasta com nostalgia…
    Recolho cada um dos pedaços
    que se espalharam pelo chão,
    reunindo-os num laço-abraço,
    juntinhos sem nenhum espaço
    no peito, onde dorme o meu coração
    No leito amargo e duro...da solidão



    Foto de Fatima Pereira.
    Catarina Pinto Bastos



sexta-feira, 28 de outubro de 2016

Manuel António Pina



    Anoitece...

    Os homens temem as longas viagens, ...

    os ladrões da estrada, as hospedarias, 
    e temem morrer em frios leitos 
    e ter sepultura em terra estranha.


    Por isso os seus passos os levam 

    de regresso a casa, às veredas da infância, 
    ao velho portão em ruínas, à poeira 
    das primeiras, das únicas lágrimas.


    Quantas vezes em 

    desolados quartos de hotel 
    esperei em vão que me batesses à porta, 
    voz da infância, que o teu silêncio me chamasse!


    E perdi-vos para sempre entre altos prédios, 

    sonhos de beleza, e em ruas intermináveis, 
    e no meio das multidões dos aeroportos. 
    Agora só quero dormir um sono sem olhos


    e sem escuridão, sob um telhado por fim. 

    À minha volta estilhaça-se 
    o meu rosto em infinitos espelhos 
    e desmoronam-se os meus retratos nas molduras.


    Só quero um sítio onde pousar a cabeça. 

    Anoitece em todas as cidades do mundo, 
    acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos 
    onde o meu coração, falando, vagueia.




    Manuel António Pina   



quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Nuno Júdice


Para escrever o poema



O poeta quer escrever sobre um pássaro:...
e o pássaro foge-lhe do verso.


O poeta quer escrever sobre a maçã:
e a maçã cai-lhe do ramo onde a pousou.


O poeta quer escrever sobre uma flor:
e a flor murcha no jarro da estrofe.


Então, o poeta faz uma gaiola de palavras
para o pássaro não fugir.


Então, o poeta chama pela serpente
para que ela convença Eva a morder a maçã.


Então, o poeta põe água na estrofe
para que a flor não murche.


Mas um pássaro não canta
quando o fecham na gaiola.


A serpente não sai da terra
porque Eva tem medo de serpentes.


E a água que devia manter viva a flor
escorre por entre os versos.


E quando o poeta pousou a caneta,
o pássaro começou a voar,
Eva correu por entre as macieiras
e todas as flores nasceram da terra.


O poeta voltou a pegar na caneta,
escreveu o que tinha visto,
e o poema ficou feito.   



Nuno Júdice    





quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Ângela Lara

Meu grito






Hoje me deu vontade de gritar bem alto

minha saudade
minhas mil fases de desilusão
Só hoje eu queria te falar sobre tudo
...por onde andei
...o que senti
o tanto que me esvaziei
Queria poder dizer
olhando dentro dos teus olhos
o quanto eu morri por dentro
o quanto eu te chamei
e você, em nenhum momento
pensou um minuto no meu sentimento
como se tudo fosse uma brincadeira
como se não valesse a pena
Você sabe que compreendo tudo
você sempre soube
Mas hoje
especialmente hoje
preciso desabafar
quero gritar minhas inverdades
sujar esta compreensão milenar
e ao mesmo tempo
te mostrar mais uma vez
que não me encontrei em nenhum abraço
que nenhum olhar me disse nada
que nenhuma boca me provou coisa nenhuma
que nenhum coração me mereceu
que nenhum contato real me fez sentir viva
que nenhuma palavra atingiu minha alma
e nenhuma promessa
foi tão verdadeira quanto a tua
Porque na verdade
nada e nem ninguém me interessa
Porque na verdade
morro de saudade do teu carinho...

Angela Lara

Imagem retirada do Google

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

PASSAGEM PELO ESCURIDÃO ILUMINADA





Eu finjo que não sei quem tu és; ...
que não escuto tua voz;
que não conheço teus passos,
nem teu corpo,
na escuridão que nos encobre
nas nossas noites de amor.
Mas, sei que tu sabes
e, mais ainda sei,
que passarão esses tempos loucos,
dos quais não podemos fugir,
e nos veremos, amanhã,
no brilho da manhã,
com os mesmos rostos,
que, mudos na escuridão,
disseram coisas de amor,
que nenhuma a luz, em todo o seu esplendor,
poderia iluminar tanto o mundo.








Joaquim Namorado






Tombam os dias inúteis:
amanhece, é tarde, anoitece.
Mas a nós que nos importa
ser manhã, meio-dia ou noite?!...
Sonâmbula a vida decorre...
- nas ruas, a paz larvar dos grandes cemitérios;
dentro de nós, cada um
apodrece.
Enchem-se de títulos vibrantes os jornais
- mas tudo é tão longe...
Passam homens por homens e não se conhecem:
Boa tarde! Bom dia!
Cada um fechado nas suas fronteiras,
os gestos vazios,
a vida sem sentido
- sonambulismo apenas.

Acorda!
Ainda que seja só para o sobressalto,
que as ilusões do sonho se desfaçam
e as esperanças morram todas nessa hora!

Acorda!
ainda que o caminho a percorrer te espante
e o peso da obra a realizar te esmague!

Ainda que acordar seja
morrer depois aos poucos, em cada momento,
dolorosamente


Joaquim Namorado

Arte: Michael and Inessa Garmash Tutt'Art@







domingo, 23 de outubro de 2016

Paul Éluard

certezas





Se te falo é para melhor te ouvir...
Se te ouço estou certo de ter compreendido


Se sorris é para melhor me invadir
Alcanço o mundo inteiro se me sorris


Se me uno a ti é para me continuar
Se vivermos tudo será como gostamos


Se eu te deixo recordar-nos-emos
E ao deixar-nos voltaremos a reencontrar-nos





Paul Éluard   






Pedro Homem de Melo


Talvez que eu morra na praia
Cercado em pérfido banho,
Por toda a espuma da praia
Como um pastor que desmaia
No meio do seu rebanho

...

Talvez que eu morra dum tiro
Castigo de algum desejo
E que á mercê desse tiro
O meu ultimo suspiro
Seja o meu primeiro beijo


Talvez que eu morra entre grades
No meio duma prisão
E que o mundo, além das grades
Venha esquecer as saudades
Que roem meu coração


Talvez que eu morra no leito
Onde a morte, é natural
As mãos em cruz, sobre o peito
Das mãos de Deus tudo aceito
Mas que eu morra em Portugal




Pedro Homem de Melo   





sábado, 22 de outubro de 2016

Mia Couto


.

Saudade


Magoa-me a saudade...
do tempo em que te habitava
como o sal ocupa o mar
como a luz recolhendo-se
nas pupilas desatentas


Seja eu de novo tua sombra, teu desejo
tua noite sem remédio
tua virtude, tua carência
eu
que longe de ti sou fraco
eu
que já fui água, seiva vegetal
sou agora gota trémula, raiz exposta


Traz
de novo, meu amor,
a transparência da água
dá ocupação à minha ternura vadia
mergulha os teus dedos
no feitiço do meu peito
e espanta na gruta funda de mim
os animais que atormentam o meu sono.




Mia Couto



Moçambique n. 1955
in Raiz de Orvalho e Outros Poemas
Editor: Editorial Caminho







FRANCISCO VALVERDE ARSÉNIO // A COR DOS TEUS OLHOS!


POEMA



 
Se o infinito fosse azul...
para que serviria a cor dos teus olhos?
Há palavras,
faço palavras,
e elas fundem-se nos sonhos do poeta.
Folhas secas ou em branco,
varridas pelo vento ou desprovidas da caneta,
e uma noite escura,
e uma madrugada de prata,
e um dia de abraços.
E novamente a cor dos teus olhos,
e o medo que as estrelas te roubem o brilho,
e que o mar te vista de mil ondas.
Fecho-me nas lágrimas vertidas contigo
ou na tua ausência;
fico-me na espera
ou de espera,
fico-me no tempo que fazemos nosso tempo.
E novamente a cor dos teus olhos,
e os pássaros roucos de tanto cantar,
e há perfumes que te levam e trazem,
e há a lua que se pintou da cor dos meus cabelos…
Ah! Essa cor dos teus olhos.





sexta-feira, 21 de outubro de 2016

Egito Gonçalves

Com palavras






Com palavras me ergo em cada dia!
Com palavras lavo, nas manhãs , o rosto
E saio para a rua.
Com palavras - inaudíveis - grito
Para rasgar os risos que nos cercam.


Ah!, de palavras estamos todos cheios.
Possuímos arquivos, sabemo-las de cor
Em quatro ou cinco línguas.
Tomamo-las à noite em comprimidos
Para dormir o cansaço.


As palavras embrulham-se na língua.
As mais puras transformam-se, violáceas,
Roxas de silêncio. De que servem
Asfixiadas em saliva, prisioneiras?


Possuímos , das palavras, as mais belas;
As que seivam o amor, a liberdade...
Engulo-as perguntando-me se um dia
As poderei navegar; se alguma vez
Dilatarei o pulmão que as encerra.


Atravessa-nos um rio de palavras:
Com elas me deito, me levanto,
E faltam-me palavras para contar...




Egito Gonçalves   





Vinicius de Moraes

Ausência



Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos que são doces
Porque nada te poderei dar senão a mágoa de me veres eternamente exausto.
No entanto a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida...
E eu sinto que em meu gesto existe o teu gesto e em minha voz a tua voz.
Não te quero ter porque em meu ser tudo estaria terminado.
Quero só que surjas em mim como a fé nos desesperados
Para que eu possa levar uma gota de orvalho nesta terra amaldiçoada
Que ficou sobre a minha carne como nódoa do passado.
Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face em outra face.
Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada.
Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.
Porque eu encostei minha face na face da noite e ouvi a tua fala amorosa.
Porque meus dedos enlaçaram os dedos da névoa suspensos no espaço.
E eu trouxe até mim a misteriosa essência do teu abandono desordenado.
Eu ficarei só como os veleiros nos pontos silenciosos.
Mas eu te possuirei como ninguém porque poderei partir.
E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas.
Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenisada.




Vinicius de Moraes .








quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Nuno Júdice

Nós...

A mão que esconde mais do que oferece,
os olhos de presa dominando o caçador.
E os teus lábios que murmuram a prece
de quem só reza no instante do amor.

E se falasse dos teus olhos, dos teus braços
desse corpo em que me perco e te ganho,
não mais acabaria o que tem de acabar;

uma respiração de suspiros e de abraços
neste canto em que és tudo o que eu tenho,
nesta viagem em que não tem fundo o mar.




Nuno Júdice

Óleo sobre Tela 30x60 cm
"Nós..."
Rui Pascoal - 2015  






quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Hamilton Ramos Afonso





    Escasso tempo

    ...
    Sabes que não meço a intensidade dos sentimentos pelo tempo 
    que nos demos um ao outro,
    porque habituei-me a fazer tudo de forma serena, 
    sem pressas ,
    porque a sofreguidão dá mau resultado,
    nada sai bem feito, 
    com a mente a girar ao som do tica tac do relógio…


    Por isso não me perguntes quantos dias ,
    quantos anoiteceres , passamos juntos,
    nos amamos , com intensidade aproveitando o tempo , 
    porque o afecto não se contabiliza,
    não tem essa ditadura do passar das horas, 
    do esgotar dos dias,
    porque o afecto devia ser eterno…


    Feito um esforço , 
    se calhar não pasoou de umas dezenas, 
    escassas, de dias e de ocasiões ,
    em que esse tempo valeu 
    como um grande e longo amor…


    O tempo , 
    esse escoar do tempo entre a tua chegada
    e a tua partida, nunca me incomodou,
    porque tinha a consciência que teria de ser assim ,
    aceitei essa circunstância 
    como uma inevitabilidade.


    O que eu não contava e foi isso que matou o amor,
    foram as dúvidas, 
    as crises de ciúme pelo que vias escrito nas críticas e comentários
    ao meu trabalho ao publicado, 
    de quem lia as palavras ardentes de amor e paixão
    que me inspiraste…
    …as palavras que tu tinhas noção que me saíram a fogo 
    depois daquelas dezenas de instantes
    em que demos largas ao amor…

    O que fica ?

    Em ti não sei, 
    em mim aquelas dezenas de instantes 
    que marquei a fogo,
    valeram-me por uma vida inteira de amor…

    Hamilton Ramos Afonso
    Arte: Jane Ansell






terça-feira, 18 de outubro de 2016

José Régio

POESIA




Sarça ardente-32


Pois de ti, que sei eu? Só sei que te amo,...
E te recuso, e tu me foges, e ando
De ti e mim falando em sons que clamo
Como se fossem de se andar clamando...
Sei que existes na voz com que te chamo,
Como na com que fujo ao teu comando!
E sei que tudo o que não sei, um dia,
Nem saberei, sequer, que o não sabia....




José Régio   






Cidália Ferreira

Sinto calor da tua língua em movimento








Sinto calor da tua língua  em movimento
Quando  percorre o meu corpo  em desejo
Sinto que esta brisa me alivia o tormento
Quando  dos teus lábios  sinto o teu beijo
.
Ondulam em suaves remoinhos de doçura
Como nossos corpos dementes se desejam
Entregam-se em uníssono à doce loucura
Saboreando em cada poro que lacrimejam
.
Arrepiantes são teus dedos em  minha pele
Quando deles sinto o carinho  em interpele
Deixando marcas do teu calor no meu peito
.
Como a brisa que nos afaga sem cobrança
Onde os nossos  movimentos de esperança
Se entregam um ao outro sem preconceito.




****
Cidália Ferreira
  1. Fúlgido

    Vi o abraço assomar nos teus olhos bons
    na exacta cadência em que a humidade batia no cristal.
    Brilhante!
    Bebemo-nos assim
    a fingir que fintáramos o amargo.
    Cristalino!

    E era o quente e o medo do frio a baterem-se
    taco-a-taco.
    E era a estrada de palavras macias para eu te dizer
    não vais cair.
    E era a zanga dos céus para tu me dizeres
    mas o sol vai vir.
    E era a brisa morna do vento a lamber-nos...  



segunda-feira, 17 de outubro de 2016

isabel de carvalho sousa ( de Lua Diurna.)

Silêncios vivos



Guardo-te nas memórias
de um tempo luz....
um tempo de palavras inseguras...
de silêncios vivos
a resguardar as manhãs de azul .
No amor, profanado por esfinges,
ocultam-se imagens rebatidas...
são de pedra , os olhos e as mãos...
os sonhos
gemem e ardem.
Silêncios abrem-se
na noite dos poemas,
ao desabrigo das palavras .





isabel de carvalho sousa 

(   LUA  DIURNA  )  





João de Deus



A VIDA
(Excerto)




A vida é o dia de hoje,
A vida é ai que mal soa,
A vida é sombra que foge,
A vida é nuvem que voa;
A vida é sonho tão leve
Que se desfaz como a neve
E como o fumo se esvai:
A vida dura um momento,
Mais leve que o pensamento,
A vida leva-a o vento,
A vida é folha que cai!


A vida é flor na corrente,
A vida é sopro suave,
A vida é estrela cadente,
Voa mais leve que a ave;
Nuvem que o vento nos ares,
Onda que o vento nos mares,
Uma após outra lançou,
A vida - pena caída
Da asa de ave ferida -
De vale em vale impelida
A vida o vento a levou  






JOÃO DE DEUS
(1830-1896    




domingo, 16 de outubro de 2016

Casimiro de Brito

Nuvens perfumadas






Sento-me à beira da cama que nos acolheu:
um rio que recebeu o músculo,
o sangue rumoroso e não partiu.
Um lago azul de mais e por demais queimado onde,
semi-acordada, dormes.
Uma feiticeira.


Disseste ontem à noite, acorda-me quando acordares.
Não tive coragem.


Mas o sol começou a trepar pelos lençóis
onde fomos espuma, excitação.
Minha boca não deixou que o sol entrasse sozinho.
Quando acordaste já eu navegava em nuvens perfumadas.
As árvores de ti sorriam, balançavam




Casimiro de Brito