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quarta-feira, 30 de julho de 2008

Não pares....

Gozo IX



Ondula mansamente a tua língua
de saliva tirando
toda a roupa...

já breves vêm os dias
dentro de noites já
poucas.

Que resta do nosso
gozo
se parares de me beijar?

Oh meu amor...
devagar...
até que eu fique louco!

Depois... não vejas o mar
afogado em minha
boca!

Maria Tereza Horta

Foto:Stanmarek

terça-feira, 29 de julho de 2008

Tu aquem chamo amor.....

Ecloga



Sonhei
contigo embora nenhum sonho
possa ter habitantes, tu a quem chamo
amor, cada ano pudesse trazer
um pouco mais de convicção a
esta palavra. É verdade o sonho
poderá ter feito com que, nesta
rarefacção de ambos, a tua presença se
impusesse - como se cada gesto
do poema te restituísse um corpo
que sinto ao dizer o teu nome,
confundindo os teus
lábios com o rebordo desta chávena
de café já frio. Então, bebo-o
de um trago o mesmo se pode fazer
ao amor, quando entre mim e ti
se instalou todo este espaço -
terra, água, nuvens, rios e
o lago obscuro do tempo
que o inverno rouba à transparência
da fontes. É isto, porém, que
faz com que a solidão não seja mais
do que um lugar comum saber
que existes, aí, e estar contigo
mesmo que só o silêncio me
responda quando, uma vez mais
te chamo.

Nuno Júdice

Foto:Dennis Mecham

sábado, 26 de julho de 2008

Estás no meu pensamento, apesar de.....

Nocturno nº2



Estás no pensamento,
fixa, presa,
como a estrela no céu,
como a nudez da beleza
sob um véu...

Estás no pensamento,
como a espuma na vaga...
Em vão o vai e vem do mar:
ela nunca se apaga...

Estás no pensamento
como, na história o tema;
como a palavra, no poema;
como o sopro, no vento;
como a música no instrumento;

como o marulho no rio;
como a chama no pavio;
ou o pêndulo, no movimento...

Estás no pensamento
como o quadro na moldura;
como a rosa, no botão;
como o pintor, na pintura;
como o sangue
no coração...

Estás no pensamento
como a tatuagem na epiderme;
como a forma na escultura;
como o ritmo no “ballet”...
Como no espírito inerme
a amargura
ou a fé...

Estás no meu pensamento
como o som
na corda distendida;
como, na bússola, o Norte;
como a esperança, na vida;
como na Vida
a Morte...

J.G. de Araújo jorge

Foto:Eric Richmond

terça-feira, 22 de julho de 2008

O amor partiu....

O amor partiu para parte incerta



O amor partiu para parte incerta
Não avisou. Não se despediu.
Saiu deixando moradas desertas
E sem aviso prévio… Partiu.
Quem primeiro notou a ausência foram os poetas
Nas páginas que sem amor ficaram escuras
Nos versos que sem ternura se tornaram raros
Nas palavras que rasgavam de tão duras.
Os músicos sem amor não encheram pautas
De notas que eram sons e sons que eram harmonia
E a música tocada sem amor era nota sem Dó
Clave sem Sol. Descompasso. Agonia.
Correm rumores que sem rota marcada o amor se fez ao mar
Que partiu infiltrado, clandestino num voo espacial
Que caminha errando e errante num deserto sem nome
Procurando a razão de ser. Primeira. Original.
Gasto. Cansado. Sem aviso prévio
Um dia o amor simplesmente… Partiu.

Poema: Encandescente

Imagem daqui

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Avisto-te ao l.........

Janela de Desejo



Avisto-te ao longe
Ainda distante
Aguardo por ti
Meu fogoso amante

Reconheço-te as feições
Distingo os teus traços
Espero com desejo
Que me tomes nos braços

Espreito-te à janela
Já te vejo aproximar
Estou nua à tua espera
Pronta para me entregar

Aguardo que passes a porta
Vibro a cada passo teu
Como se sentisse já
Teu corpo entrando no meu.

Entras finalmente em casa
Comes-me só com o olhar
Arrasto-te até à cama
Anda, vem-me Amar...

Poema:Xuk,

Foto:Maury Perseval

sábado, 12 de julho de 2008

Todos os dias

tu és






Tu és todos os livros,
Todos os mares,
Todos os rios,
Todos os lugares.

Todos os dias,
Todo o pensamento,
Todas as horas
O teu corpo no vento.

Tu és todos os sábados,
Todas as manhãs,
Toda a palavra
Ancorada nas mãos.

Tu és todos os lábios,
Todas as certezas,
Todos os beijos
Desejos, princesa.

P. Abrunhosa

sexta-feira, 11 de julho de 2008

Tua boca....

Beijo



Sua boca
uva rubra
roça meus lábios
e por segundos
somos murmúrios úmidos
seiva cósmica
de línguas
púrpuras.

Virgínia Schall

Imagem daqui

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Brilho de romã...

Corpo adentro



Teu corpo é canoa
em que desço
vida abaixo
morte acima
procurando o naufrágio
me entregando à deriva.

Teu corpo é casulo
de infinitas sedas
onde fio
me afio e enfio
invasor recebido
com licores.

Teu corpo é pele exata para o meu
pena de garça
brilho de romã
aurora boreal
do longo inverno.

Marina Colasanti

Foto:Keiko Guest

quarta-feira, 9 de julho de 2008

VEM POR AQUI

Cântico negro



"Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe
Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

José Régio

Foto:Allan Jenkins

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Tu sempre foste minha....



Tu sempre foste una
e sempre foste minha,
ainda quando a cor e a forma tua se fundiam
com outra forma e cor que tu não tinhas.

Por isto é que te falo de umas coisas
que não lembras
nem nunca lembrarias
de tais coisas entre mim e ti
ainda quando tu não me sabias
e dividida em outras te mostravas
e assim dispersa me ouvias.

Tu sempre foste uma
ainda quando o corpo teu
com outro corpo a sós se punha,
pois o que me tinhas a dar
a outro nunca o deste
e nunca o doarias.

Por isto é que te sinto
com tanta intimidade
e te possuo com tanta singeleza
desde quando recém vinda
ostentavas nos teus olhos grande espanto
de quem não compreendia
a antiguidade desse amor que em mim fluía.

Affonso Romano de Santa'Anna

Foto:~triss (Dobrochna Babijew)

domingo, 6 de julho de 2008

O vento da vida pôs-te ali....

Tu eras também uma pequena folha



Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.

Pablo Neruda

Foto:Yuri B

De.....

Saudade



Saudade é solidão acompanhada,
é quando o amor ainda não foi embora,
mas a amada já...
Saudade é amar um passado
que ainda não passou,
é recusar um presente que nos machuca,
é não ver o futuro que nos convida...
Saudade é sentir que existe
o que não existe mais...
Saudade é o inferno dos que perderam,
é a dor dos que ficaram para trás,
é o gosto de morte na boca dos que continuam...
Só uma pessoa no mundo deseja sentir saudade:
aquela que nunca amou.
E esse é o maior dos sofrimentos:
não ter por quem sentir saudade,
passar pela vida e não viver.
O maior dos sofrimentos é nunca ter sofrido.

Pablo Neruda

Foto:Margarida Delgado

terça-feira, 1 de julho de 2008

Me entrgando á deriva...

Corpo adentro



Teu corpo é canoa
em que desço
vida abaixo
morte acima
procurando o naufrágio
me entregando à deriva.

Teu corpo é casulo
de infinitas sedas
onde fio
me afio e enfio
invasor recebido
com licores.

Teu corpo é pele exata para o meu
pena de garça
brilho de romã
aurora boreal
do longo inverno.

Marina Colasanti

Foto:Lutz Behnke