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sábado, 30 de junho de 2012

Nocturno de Chopin






Gosto de juntar palavras
no teu corpo
ouvir da tua voz
o sangue em fogo

Sentir a tua seiva a borbulhar

uma prece sedenta
em turbilhão
um jacto de magia

Beber dum trago voraz

as tuas carnes
depois cozer poemas
por parir

Misturar as tuas juras

nos meus dedos
deixar sílabas loucas
nas encostas

Depois acordar na alvorada

ver o teu torso nu adormecido
e saber que não foi sexo nem desejo
apenas um nocturno de Chopin.


Luís Graça

Foto:Stefan Beutler

sexta-feira, 29 de junho de 2012

O VALOR DO VENTO




Está hoje um dia de vento e eu gosto do vento
O vento tem entrado nos meus

versos de todas as maneiras e
só entram nos meus versos as coisas de que gosto
O vento das árvores o vento dos cabelos
o vento do inverno o vento do verão
O vento é o melhor veículo que conheço
Só ele traz o perfume das flores só ele traz
a música que jaz à beira-mar em agosto
Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento
O vento actualmente vale oitenta escudos
Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto

 Ruy Belo

NOTA: de visita usual a " um espaço no FACE " deparei com este

              poema e como diz o poeta , aqui no meu espaço só entra

              tambem , coisas de que gosto....

Não foi à primeira




Não foi à primeira que descobri
Que o que sinto por ti
É algo fora do nor
mal

estudio

Não à segunda
Nem à terceira vez
Que senti o fogo ardente
Que queima-me por fora e por dentro
....a chama latente
Que incendeia o meu centro
Mas sim da última vez que te vi
E senti que um minuto era uma eternidade
Quando longe de ti
Minha celebridade
....sei lá se mereço sofrer
....sei lá se cometi algum pecado numa vida anterior
E dele não me arrependi
Mas sei que… estou prestes a pecar de novo
Porque eu não quero que esta chama
Que vem de dentro do meu corpo
Torne-se apenas numa luz incandescente
Que despeja velhas lembranças
Que torne-se apenas numa nascente
Ressuscitando as minhas esperanças,
Esperanças essas detentoras de um forte desejo
Que desde que apaixonei-me por ti
Guardá-las tem-se tornado um sacrilégio


Autor:  Paulo Menezes

quarta-feira, 27 de junho de 2012

QUEM ÉS TU.................




Quem és tu


Quem és tu que assim vens pela noite adiante,
Pisando o luar branco dos caminhos,
Sob o rumor das folhas inspiradas?

A perfeição nasce do eco dos teus passos,
E a tua presença acorda a plenitude
A que as coisas tinham sido destinadas.

A história da noite é o gesto dos teus braços,
O ardor do vento a tua juventude,
E o teu andar é a beleza das estradas.
Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 26 de junho de 2012

INQUIETAÇÃO





Há na minha inquietação
Um lugar só teu

Leonor
Que não pode ser ocupado
Nem restar vago

Lugar imaginário
De uma realidade crua
Desperto quando
No turvo das noites
O teu nome vem soprado no vento

E eu
Perdido... na madrugada
Vagueando na cidade dos anjos
Envolto numa penumbra luminosa
De onde emerges...
Apenas... para me abraçar...
Assim...

domingo, 24 de junho de 2012

Dormes.....


Hoje...perdi-te...perdi-me

Dormes... Mas que sussurro a umedecida
Terra desperta? Que rumor enleva
As estrelas, que no alto a Noite leva
Presas, luzindo, à túnica estendida?

São meus versos! Palpita a minha vida
Neles, falenas que a saudade eleva
De meu seio, e que vão, rompendo a treva,
Encher teus sonhos, pomba adormecida!

Dormes, com os seios nus, no travesseiro
Solto o cabelo negro... e ei-los, correndo,
Doudejantes, sutis, teu corpo inteiro

Beijam-te a boca tépida e macia,
Sobem, descem, teu hálito sorvendo
Por que surge tão cedo a luz do dia?!

Olavo Bilac

sábado, 23 de junho de 2012

De: Elías David Curiel



Desorientación                        

Elías David Curiel

Desorientado en medio de la llanura
desolada, no encuentro la dirección,
pues no hay polar estrella, ni tengo brújula,
ni en el Orto sombrío despunta el Sol.

Camino largo trecho, camino mucho,

del imprevisto acaso siempre a merced;
y cuando la fatiga detiene el rumbo,
siempre en el mismo sitio me hallo de pie.

Es porque retrocedo siempre que avanzo.

Los puntos cardinales trastueca el gris
nocturno y soy peonza sobre mis pasos,
sin que del llano negro logre salir.

Fluir oigo en remota clepsidra, el agua,

muerto de sed y ardido por el calor…
Y no sé en mi extravío ni a dónde vaya,
ni en dónde estoy!

Desorientação

Desorientado no meio da planície
desolado, eu não encontro a direção.
pois, não há estrela polar, nem tenho bússola,
nem no horizonte sombrio desponta o sol

Caminho um largo trecho, caminho muito,
do imprevisto acaso sempre à mercê;
e quando a fadiga me detém o rumo,
sempre no mesmo lugar eu estou a pé.

É porque retrocedo sempre que avanço.
Os pontos cardeais se transformam em cinzas
noturnas e bailam sob meus passos
sem que do negro plano encontre a saída.

Fluir, ouço em remota clepsidra, a água,
morto de sede e queimado pelo calor ...
E não sei, no meu extravio, aonde vou,
nem aonde estou!

sexta-feira, 22 de junho de 2012

De. helena guimaraes PEÇO-TE PERDÃO

PEÇO-TE PERDÃO
 PEÇO-TE PERDÃO
Descrição:



De joelhos em terra, penitente,
junto à mangedoura, Deus Menino,
não te trago as prendas dos Reis Magos,
mostro-te o Mundo em desatino.

                                      Vê os guerrilheiros mundiais
que em hordas vão chacinando os povos,
pagos sempre pelos capitais
dos que subjugam os países novos.
                                      Vê aqueles que fabricam armas,
usam a ciência para a destruição.
e os que contaminam o planeta
com os resíduos da evolução.
Vê todos os que por ganância
vendem  a desgraça p´la cidade,
prometendo aos desiludidos
fugaz momento de felicidade.

Mas vê também todos os que sofrem
pelo mundo fora, inocentemente.
Que pagam com dor e com angústia
o querer viver humanamente.
                                     Vê o famélico povo africano
em guerra fratricida há tantos anos,
os milhões de fugitivos do planeta,
croatas, sérvios, curdos e indianos.
                                      Vê todo o sangue derramado
no chão irmão do Sol Nascente,
o silêncio dos meninos, os refugiados,
as lágrimas secas no olhar ardente.
                                     Vê os jovens, que por um ideal
têm por destino violento a morte,
e os milhares de desaparecidos
de quem ninguém sabe a sorte.


De joelhos em terra, penitente,
junto à mangedoura, Deus Menino,
peço-te perdão pela Humanidade,
que um dia  falhou  o seu destino.

De: helena guimaraes

Porque não soube merecer






Porque não soube merecer a glória, a mais suave
de me deitar a teu lado
e que o sangue a palavra
abolisse a diferença entre o meu corpo e a minha voz
porque te perdi
não sei quem sou.

António Ramos Rosa

quinta-feira, 21 de junho de 2012

cinzento .....



Olhar de mar…

Dias cinzentos
De chuva, com nuvens
Fazem-me pensar
Em certas coisas.
Dá-me uma tristeza,
uma nostalgia.
Parece um sonho
quase pesadelo
Quero que o dia passe.
Para que amanhã haja sol
E eu viva com luz.......

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Os silêncios .....




Não entendo
Diamante em bruto
os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo

Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo
que não digo

Se te calas
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei não te persigo

Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo.


Maria Teresa Horta

terça-feira, 19 de junho de 2012

UM ROSTO.....


NO MEU OLHAR ESTOU AUSENTE, NADA ME PRENDE





Apenas

uma coisa inteiramente transparente:
o céu, e por baixo dele a linha obscura do horizonte
nos teus olhos, que pude ver ainda
através de pálpebras semicerradas, pestanas húmidas
da geada matinal, uma névoa de palavras murmuradas
num silêncio de hesitações. Há quanto tempo,
tudo isto? Abro o armário onde o tempo antigo
se enche de bolor e fungos; limpo os papéis,
cartas que talvez nunca tenha lido até ao fim, foto-
grafias cuja cor desaparece, substituindo os corpos
por manchas vagas como aparições; e sinto, eu
próprio, que uma parte da minha vida se apaga
com esses restos.

Nuno Júdice



Imagem retirada do Google

domingo, 17 de junho de 2012

De: Juan Gelman




Aloutte

Bendita la mano que me cortara los ojos
para que yo no vea sino a ti.

Y si me cortaran la lengua, su silencio

cantaría lleno de ti.

Y si me cortaran las manos, su memoria

sabría acariciarte a ti.

Y si me cortaran las piernas, su vacío

me llevaría hasta ti.

Y si luego me mataran

aún quedaría todo mi amor de t
i.

Aloutte

Bendito seja a mão que  me cortar os olhos
para que eu não veja senão a ti.

E se me cortarem a língua, seu silêncio
cantaria pleno de ti.

E se me cortarem as mãos, sua memória
saberia acariciar a ti. 

E se me cortarem as pernas, seu vazio
me levaria até ti. 

E se, logo, me matarem
ainda restaria todo o meu amor por ti.

sábado, 16 de junho de 2012



Háblame asi....de,        

Josecito Bernui
Concurso Avon

Es tu decir más bello en el silencio
en el murmullo de tu mirar
háblame así
silenciosa
con el viento de tu sonrisa
con la brisa de tu rubor.
Basta ya de hablar de esto o aquello
y arrímate a mi, silenciosa,
con el carmín de tu amor.
Fala-me assim

És teu dizer mais belo no silêncio
no murmúrio do teu olhar
fala-me assim
silenciosa
com o vento do teu sorriso
com a brisa do teu rubor.
Basta de falar sobre isto ou aquilo
e arremete-me a mim, silenciosa,
com o batom de teu amor.

Adão e Eva




Olhámo-nos um dia,
E cada um de nós sonhou que achara
O par que a alma e a cara lhe pedia.

– E cada um de nós sonhou que o achara...

E entre nós dois
Se deu, depois, o caso da maçã e da serpente,
... Se deu, e se dará continuamente:

Na palma da tua mão,
Me ofertaste, e eu mordi, o fruto do pecado.

– Meu nome é Adão...

E em que furor sagrado
Os nossos corpos nus e desejosos
Como serpentes brancas se enroscaram,
Tentando ser um só!

Ó beijos angustiados e raivosos
Que as nossas pobres bocas se atiraram
Sobre um leito de terra, cinza e pó!

Ó abraços que os braços apertaram,
Dedos que se misturaram!

Ó ânsia que sofreste, ó ânsia que sofri,
Sede que nada mata, ânsia sem fim!
– Tu de entrar em mim,
Eu de entrar em ti.

Assim toda te deste,
E assim todo me dei:

Sobre o teu longo corpo agonizante,
Meu inferno celeste,
Cem vezes morri, prostrado...
Cem vezes ressuscitei
Para uma dor mais vibrante
E um prazer mais torturado.

E enquanto as nossas bocas se esmagavam,
E as doces curvas do teu corpo se ajustavam
Às linhas fortes do meu,
Os nossos olhos muito perto, imensos,
No desespero desse abraço mudo,
Confessaram-se tudo!
... Enquanto nós pairávamos, suspensos
Entre a terra e o céu.

Assim as almas se entregaram,
Como os corpos se tinham entregado,
Assim duas metades se amoldaram
Ante as barbas, que tremeram,
Do velho Pai desprezado!

E assim Eva e Adão se conheceram:

Tu conheceste a força dos meus pulsos,
A miséria do meu ser,
Os recantos da minha humanidade,
A grandeza do meu amor cruel,
Os veios de oiro que o meu barro trouxe...

Eu, os teus nervos convulsos,
O teu poder,
A tua fragilidade
Os sinais da tua pele,
O gosto do teu sangue doce...

Depois...

Depois o quê, amor? Depois, mais nada,
– Que Jeová não sabe perdoar!

O Arcanjo entre nós dois abrira a longa espada...

Continuamos a ser dois,
E nunca nos pudemos penetrar!



José Régio


Imagem retirada do Google

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Sonho Árabe



I


Ser um árabe e ter perto
A morena companheira,
A vida um grande deserto,
Tu a única palmeira;

Manto ao vento, ir de carreira
A galope em campo aberto,
Na mão a lança guerreira...
—Assim eu sonho, desperto.

Cai a tarde. Volto a casa.
E já da planície rasa
Surge a cidade natal.

Voam cegonhas ao Sul;
Ofusca a alvura de cal;
E há minaretes no Azul.

II

E eu evoco a alcova já:
Mosaicos de lés a lés
E, para a nudez dos pés,
Alcatifas de Rabat.

Só a penumbra entra lá.
Perfumadores de aloés,
Colchas, coxins, narguilés,
E um tamborete com chá.

Das vivas cores o matiz,
O teu corpo, a tua fala,
Luz e olor, tudo condiz.

Bastam os tons: de garridos,
Entornam fogo na sala
E embebedam os sentidos.

III

Há rosas no azul do espaço;
A tarde lembra um jardim;
O deserto é d’oiro baço
E as mesquitas de marfim.

Caem flores quando passo,
Lá do alto sobre mim;
Allah abriu o regaço,
Cheira a cravos e a jasmim.

Entro na alcova, — alegrete
De cores festivas e aromas.
Tu bailas sobre um tapete.

Afago-te o seio duro,
E, ao beijar-te as duas pomas,
"Só Deus é grande!" — murmuro.

Jaime Cortesão

Foto:Elena Vasileva

quarta-feira, 13 de junho de 2012

As time goes by



Meu bem,
Me chama de Humphrey Bogart
Que eu te conto Casablanca.
Me tira esse sobretudo;
Sobretudo, conta tudo
Que eu te dou uma rosa branca.
Meu bem,
Me chama de Humphrey Bogart...
Te dou carona em meu carro
Chevrolet — que sou bacana;
Te levo, meu bem, pra cama
Fumamos nossa bagana;
Te provo que sou sacana...
Te faço toda a denguice:
Te dispo que nem a Ingrid,
Te dou filhos de montão
Só pra te ver sufocar...
Mas me chama de Humphrey Bogart!
Faço chover colorido
Como num bom musical.
Te chamo de Lauren Bacall!
Te danço, te canto, te mostro,
Entre as pernas, meu bom astral...
Te deixo pro enxoval
Meu chapéu preto de gangster,
Mil poemas de ninar...
Só pra te ouvir sussurrar:
Como te amo, meu Humphrey Bogart!

Tanussi Cardoso

Imagem daqui

terça-feira, 12 de junho de 2012

Um rosto



Apenas uma coisa inteiramente transparente
o céu, e por baixo dele a linha obscura do horizonte
nos teus olhos, que pude ver ainda
através de pálpebras semicerradas, pestanas húmidas
da geada matinal, uma névoa de palavras murmuradas
num silêncio de hesitações. Há quanto tempo,
tudo isto? Abro o armário onde o tempo antigo
se enche de bolor e fungos; limpo os papéis,
cartas que talvez nunca tenha lido até ao fim, foto-
grafias cuja cor desaparece, substituindo os corpos
por manchas vagas como aparições; e sinto, eu
próprio, que uma parte da minha vida se apaga
com esses restos.

Nuno Júdice

Foto: Takay

A ALMA PORTUGUESA. A BELA DA VOZ QUE TRANSMITE O ESPIRITO LUSITANO COM GARRA. INSUBSTITUIVEL, ETERNA.

Praia do Paraíso





Era a primeira
vez que nus os nossos corpos
Apesar da penumbra á vontade se olhavam
Surpresos de saber que tinham tantos olhos
Que podiam ser luz de tantos candelabros
Era a primeira vez cerrados os estores
Só o rumor do mar permanecera em casa
E sabias a sal, e cheiravas a limos
Que tivesses ouvido o canto das cigarras
Havia mais que céu no céu do teu sorriso
Madrugada de tudo em tudo que sonhavas
Em teus braços tocar era tocar os ramos
Que estremecem ao sol desde que o mundo é mundo
É preciso afinal chegar aos cinquenta anos
Para se ver que aos vinte é que se teve tudo.


David Mourão-Ferreira

domingo, 10 de junho de 2012

Recomeçar

Recomeçar

Recomeça…
Se puderes,
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
do futuro,
Dá-os em liberdade
Enquanto não alcances,
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.

Miguel Torga



"Devo à paisagem as poucas alegrias que tive no mundo. Os homens só me deram tristezas. Ou eu nunca os entendi, ou eles nunca se entenderam. (…) A terra, com os seus vestidos e as suas pregas, essa foi sempre generosa. (…) Vivo a natureza integrado nela, de tal modo que chego a sentir-me, em certas ocasiões, pedra, orvalho, flor ou nevoeiro. Nenhum outro espectáculo me dá semelhante plenitude e cria no meu espírito um sentido tão acabado do perfeito e do eterno."

Miguel Torga: Diário II (1943)




sábado, 9 de junho de 2012

Nascimento último

Sábado, Junho 09, 2012

Nascimento último




Como se não tivesse substância e de membros apagados.
Desejaria enrolar-me numa folha e dormir na sombra.
E germinar no sono,germinar na árvore.
Tudo acabaria na noite,lentamente,sob uma chuva densa.
Tudo acabaria pelo mais alto desejo num sorriso de nada.
No encontro e no abandono,na última nudez,
respiraria ao ritmo do vento,na relação mais viva.
Seria de novo o gérmen que fui,o rosto indivisível.
E ébrias as palavras diriam o vinho e a argila
e o repouso do ser no ser,os seus obscuros terraços.
Entre rumores e rios a morte perder-se-ia.



António Ramos Rosa


Imagem retirada do Google

sexta-feira, 8 de junho de 2012

A noite na ilha

WOMAN LOW KEY




Dormi contigo toda a noite
junto ao mar, na ilha.
Eras doce e selvagem entre o prazer e o sono,
entre o fogo e a água.

Os nossos sonos uniram-se
talvez muito tarde
no alto ou no fundo,
em cima como ramos que um mesmo vento agita,
em baixo como vermelhas raízes que se tocam.

O teu sono separou-se
talvez do meu
e andava à minha procura
pelo mar escuro
como dantes,
quando ainda não existias,
quando sem te avistar
naveguei a teu lado
e os teus olhos buscavam
o que agora
– pão, vinho, amor e cólera –
te dou às mãos cheias,
porque tu és a taça
que esperava os dons da minha vida.

Dormi contigo
toda a noite enquanto
a terra escura gira
com os vivos e os mortos,
e ao acordar de repente
no meio da sombra
o meu braço cingia a tua cintura.
Nem a noite nem o sono
puderam separar-nos.

Dormi contigo
e, ao acordar, tua boca,
saída do teu sono,
trouxe-me o sabor da terra,
da água do mar, das algas,
do âmago da tua vida,
e recebi teu beijo,
molhado pela aurora,
como se me viesse
do mar que nos cerca.

Pablo Neruda

quinta-feira, 7 de junho de 2012

quarta-feira, 6 de junho de 2012

As rosas




Quando à noite desfolho e trinco as rosas

É como se prendesse entre os meus dentes
Todo o luar das noites tranparentes,
Todo o fulgor das tardes luminosas,
O vento bailador das Primaveras,
A doçura amarga dos poentes,
E a exaltação de todas as esperas.


Sophia de Mello Breyner Andresen

terça-feira, 5 de junho de 2012

Soneto ao caju



Amo na vida as coisas que têm sumo
E oferecem matéria onde pegar
Amo a noite, amo a música, amo o mar
Amo a mulher, amo o álcool e amo o fumo.

Por isso amo o caju, em que resumo
Esse materialismo elementar
Fruto de cica, fruto de manchar
Sempre mordaz, constantemente a prumo.

Amo vê-lo agarrado ao cajueiro
À beira-mar, a copular com o galho
A castanha brutal como que tesa:

O único fruto – não fruta – brasileiro
Que possui consistência de caralho
E carrega um colhão na natureza.


Vinícius de Moraes

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O pequeno sismo




Há um pequeno sismo em qualquer parte
ao dizeres o meu nome.
Elevas-me à altura da tua boca
lentamente
para não me desfolhares.
Tremo como se tivera
quinze anos e toda a terra
fosse leve.
Ó indizível primavera.

Eugénio de Andrade

sábado, 2 de junho de 2012

Cárcere destino



Quando a tive sob meu julgamento,
condenei-me pelo crime que havia no olhar.

Seus gestos de quase nunca
denunciaram a culpa.
a minha?...
a dela?...

- Desconhecida era a pena.

Ordenei-lhe a fuga.
Resistiu, pois sabia de mim.

Vieram as perguntas.
As fiz em outro tempo
em resposta ao seu corpo.

- Desconhecido também era o tempo.

Conjugavam-se o ontem e o agora,
o futuro ainda não existia.

Confessei os feitiços,
o arder das chamas,
o verbo aliciado pela carne desde o princípio.

A mim não coube recurso. Culpado.
Mantive-me prisioneiro do cárcere destino,
sob vigília,
para evitar a fuga.

Quando a tive sob meu julgamento,
condenei-me ao eterno amar.

Celso Brito

Foto:Keiko Guest

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Gotan Project-Milonga de Amor

Eu serei esse mar...




Tenho ainda na boca o sabor de teus beijos
e nos olhos a morna luz de teu olhar,
- há em teu corpo alvoradas rubras de desejos
e rompantes de vagas livres sobre o mar...

Sabes bem que te adoro, eu o disse a tua boca
naquele instante longo a cheio de delicias,
e em minhas mãos provaste a ânsia incontida e louca
de uma declaração de amor a de carícias. . .

Consegui te alcançar em minhas mãos, - assim
como quem colhe um fruto entre as sombras dos ramos...
Toquei-te o corpo inteiro.. . a pensar que a sem fim
o incêndio que nos queima enquanto nos amamos!

Hás-de ser uma praia branca ao meu enleio
nua, deitada ao sol, exposta ao mar a aos ventos,
- e eu serei esse vento de ternuras cheio!
e eu serei esse mar de desejos violentos!

Um do outro vamos ser, assim . . . divinizados
por um amor perfeito em comunhão com o céu,
- ver o céu a morrer em tens olhos parados
e a terra, aberta em flor, em teus lábios de mel. . .

Fundiremos no mesmo abraço o mesmo assomo,
dois num só - na infinita integração do amor,
tu, perfeita, eu perfeito, ambos perfeitos, como
a terra e o céu, o mar e a praia, o sol e a flor!

J.G. de Araújo Jorge