Seguidores

segunda-feira, 31 de maio de 2021

Cesário Verde (1855 - 1886)

 Não sei porquê lembrei-me deste outro belo - bem mais belo - poema do nosso poeta impressionista, Cesário Verde (1855 - 1886)


Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandezas,
Em todo o caso dava uma aguarela.
Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.
Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.
Mas, todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro das papoulas!




Névoa na Paulista

 

Névoa na Paulista

 


No meio da multidão

estamos sós.

Talvez me procures nos  céus,

numa matutina estrela,

enquanto tento alcançar a tua mão

de menina em vão

ainda que te carregue, 

a vida inteira, 

no meu coração. 

Sim, tenho medo de perdê-la

na névoa da Paulista,

que me dá frio, calafrio. 

E rio 

de procurar te esquecer

quando sei que viver é te buscar

para mitigar a solidão,

que sempre teremos se ficar assim:

eu, tão distante de ti;

tu, tão distante de mim. 

E as palavras sem dizer 

o que os corpo dizem 

nas carícias tão felizes. 

Ilustração: Veja. 

domingo, 30 de maio de 2021

................. Poesia....................

 POESIA



Hoje caminhei por entre os teus pés sem que os pisasse. Não deste por mim. Respirei-te no mesmo compasso que faz dos dias noites. Não me sentiste. Fiz-me escuro na brancura da tua pele, quando se encheu de luz. Persegui-te. Tentei libertar-me de ti. Não permitiste, continuaste a encher-te de luz, mesmo na podridão do dia acabado, no artificial do teu leito. Fixei-me sobre as palavras que lias, murmurei-as contigo, sem que me ouvisses. Fiz-te cansar sobre o desvanecer das horas e finalmente apagaste a luz. E finalmente fui.





Donika Kelly

 

Foto: Man Ray















No começo, era a sua boca:
rosa suave, murmúrio rosa, respiração murmurada, um caloroso

vento cardeal que puxou minha agulha para o norte. 
Fluxo magnético, a pressão da forma para formar.

No começo, era a sua boca -
o início da trilha, o início do caminho fracamente aberto,

o desfiladeiro, escavado no rio, mais ao sul,
e adiante: o campo, a direção escolhida.

No começo era a sua boca,
um céu cheio de estrelas, raked ou raking, clock-

sábio ou oeste, e no próximo ou gigantesco
matéria, o músculo vermelho do meu coração, bateu e bateu.

No começo era a sua boca,
E nada desde então, excepto o que a terra confirma.


Donika Kelly,   Seus poemas foram publicados na The New Yorker , The Atlantic online,  The Paris Review e Foglifter. Ela actualmente mora em Iowa City e é professora assistente na Universidade de Iowa, onde ensina redação criativa.

sábado, 29 de maio de 2021

Poeminha dos teus olhos

 

Poeminha dos teus olhos

 


Que é frágil a vida,

Bem sei, pois, temo tudo.

Mas, cheia de beleza,

Quanto mais te estudo.

Ó minha amiga, de olhos de mar,

de olhos que são dois céus,

que, nas carícias são, oceanos de veludo,

mais percebo que te amar é tudo

e tudo quero e quero tudo

até nos teus olhos me afogar

única forma possível de sonhar. 

Ilustração: Pintarest.

sexta-feira, 28 de maio de 2021

Jean Gabin

 Agora Eu Sei






Quando eu era garoto de três palmos de altura
eu falava muito alto para parecer um homem…

Eu dizia: eu sei, eu sei, eu sei, eu sei.

Era o começo da Primavera mas quando eu fiz
Dezoito anos
Eu disse: eu sei, aí está, desta vez, eu sei.

E hoje, nos dias em que volto observo a terra onde andei de um lado para o outro e ainda não sei como ela gira.

Aos vinte e cinco anos, eu sabia tudo: o amor, as rosas, a vida, os tostões.

Ah, sim, o amor! Eu tinha dado a volta toda
E infelizmente, como os colegas, eu não tinha comido todo o meu pão.

No meio da minha vida eu ainda aprendi.

O que eu aprendi cabe em três ou quatro palavras:

- No dia em que alguém te ama, faz um tempo muito bonito;

- Não posso dizer melhor: Faz um tempo muito bonito!

É o que ainda me admira na vida, eu que estou no Outono da minha vida:

- A gente esquece tanta noite de tristeza mas jamais uma manhã de ternura.

Em toda a minha juventude eu quis dizer “eu sei”.

Só que, quanto mais eu procurava, menos eu sabia.

Sessenta batidas que soavam no relógio. Ainda estou à minha janela. Olho e me pergunto:

- Agora eu sei. Eu sei que nunca se sabe!

A vida, o amor, o dinheiro, os amigos e as rosas.

Nunca se sabe o ruído nem a cor das coisas.

É tudo o que eu sei!

…Mas isso, eu sei
.

Jean Gabin




"" R y k @ r d o ""

 

As cores de um beijo

 ...

Queria pintar-te de perfume, de amor
Pintar os teus lábios, o teu olhar
Deixar-te mais linda que uma flor
Deixar-te como as estrelas, a brilhar
.
Queria pintar-se de amor profundo
Dizer-te ao ouvido o quanto te amo
Queria gritar bem alto ao mundo
Quando nem sabes, como me chamo
.
Queria pintar-te de todas as cores
Devagar, em silêncio, sem o sentires
De aroma de todos os odores
Para seres mais linda que o arco-íris
.
Não te posso dar um abraço, apertado
Porque pertences a outro jardineiro
És uma rosa num jardim ocupado
Onde outro alguém chegou primeiro
.
Nem por isso deixo de contigo, sonhar
De um dia concretizar esse desejo
De na mais linda textura te poder pintar
De todas as cores que pintam um beijo

...................

"" R y k @ r d o ""

Luís Vaz de Camões, in " Sonetos "

 








João Roiz Castell-Branco
Cancioneiro Geral de Garcia de Resende


Senhora, partem tão tristes
Senhora, partem tam tristes
meus olhos por vós, meu bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.
Tam tristes, tam saudosos,
tam doentes da partida,
tam cansados, tam chorosos,
da morte mais desejosos
cem mil vezes que da vida.
Partem tam tristes os tristes
tam fora d’ esperar bem,
que nunca tam tristes vistes
outros nenhuns por ninguém.



quinta-feira, 27 de maio de 2021

APELINHO AO CORONAVÍRUS

 

APELINHO AO CORONAVÍRUS

 

 

O que sei de ti, vírus insensível,

é que levarás muitos de nós

(espero que não os muito próximos

que já perdi amigos demais).

Sei que és feroz

na forma como te disseminas,

no afã com que as forças eliminas

dos mais frágeis.

Sei que de nada

adianta o mero isolamento.

És um inimigo implacável, solerte,

que aguarda o exacto momento

para realizar tua captura

e se multiplicar pelas criaturas.

É o teu meio de sobreviver

(não censuro o que faz parte da natureza)

mas, espero, víruszinho esperto

que, no Brasil, aja certo

e cumpra tua tarefa sendo ameno.

Por favor, seja ligeiro,

e, pelo menos uma vez,

o número de mortos

deixe por menos!

Ilustração: Outras Palavras.

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Hamilton Ramos Afonso

 Toca-me

*

*
A ti Isa
*
Toca-me
faz de mim o que tu queiras
usa as tuas mãos
como se fossem lábios
que me percorram
tocando em cada ponto do meu corpo
e deixa nele o aroma das pétalas de rosas
com que te perfumaste
Toca-me
e vais entender
porque a água se escoa
na areia, como a chuva
se infiltra e dá vida
ao mais seco terreno
Toca-me...
...e floresce em mim.

Hamilton Ramos Afonso
Em, « Sensual Idades », Emporium Editora, Maio de 2018





 FODA-SE


por Milor Fernandes






O nível de stress de uma pessoa é inversamente proporcional à quantidade de "foda-se!" que ela diz.
Existe algo mais libertário do que o conceito do "foda-se!"?

O "foda-se!" aumenta a minha auto-estima, torna-me uma pessoa melhor.

Reorganiza as coisas. Liberta-me.
 -  "Não quer sair comigo?! - então, foda-se!"
 - "Vai querer mesmo decidir essa merda sozinho(a)?! - então, foda-se!"

O direito ao "foda-se!" deveria estar assegurado na Constituição.
Os palavrões não nasceram por acaso. São recursos extremamente válidos e criativos para dotar o nosso vocabulário de expressões que traduzem com a maior fidelidade os nossos mais fortes e genuínos sentimentos. É o povo a fazer a sua língua. 

Como o Latim Vulgar, será esse Português Vulgar que vingará plenamente um dia: "Comó caralho", por exemplo. Que expressão traduz melhor a ideia de muita quantidade que "comó caralho"?

"Comó caralho" tende para o infinito, é quase uma expressão matemática.

 - A Via Láctea tem estrelas comó caralho!
 - O Sol está quente comó caralho!
 - O universo é antigo comó caralho!
 - Eu gosto do meu clube comó caralho!
 - O gajo é parvo comó caralho!

Entendes?

No género do "comó caralho", mas, no caso, expressando a mais absoluta negação, está o famoso "nem que te fodas!".

Nem o "Não, não e não!" e tão pouco o nada eficaz e já sem nenhuma credibilidade "Não, nem pensar!" o substituem.

O "nem que te fodas!" é irretorquível e liquida o assunto. Liberta-te, com a consciência tranquila, para outras actividades de maior interesse na tua vida.

Aquele filho pintelho de 17 anos atormenta-te pedindo o carro para ir surfar na praia? Não percas tempo nem paciência.

Solta logo um definitivo:

- "Huguinho, presta atenção, filho querido, nem que te fodas!".

O impertinente aprende logo a lição e vai para o Centro Comercial encontrar-se com os amigos, sem qualquer problema, e tu fechas os olhos e voltas a curtir o CD (...)

Há outros palavrões igualmente clássicos.

Pense na sonoridade de um "Puta que pariu!", ou o seu correlativo "Pu-ta-que-o-pa-riu!", falado assim, cadenciadamente, sílaba por sílaba.

Diante de uma notícia irritante, qualquer "puta-que-o-pariu!", dito
assim, põe-te outra vez nos eixos. Os teus neurónios têm o devido tempo e clima para se reorganizarem e encontrarem a atitude que te permitirá dar um merecido troco ou livrares-te de maiores dores de cabeça.

E o que dizer do nosso famoso "vai levar no cu!"? E a sua
maravilhosa e reforçadora derivação "vai levar no olho do cu!"?

Já imaginaste o bem que alguém faz a si próprio e aos seus quando, passado o limite do suportável, se dirige ao canalha de seu interlocutor e solta:

- "Chega! Vai levar no olho do cu!"?

Pronto, tu retomaste as rédeas da tua vida, a tua auto-estima. Desabotoas a camisa e sais à rua, vento batendo na face, olhar firme, cabeça erguida, um delicioso sorriso de vitória e renovado amor-íntimo nos lábios.

E seria tremendamente injusto não registar aqui a expressão de maior poder de definição do Português Vulgar: "Fodeu-se!". E a sua derivação, mais avassaladora ainda: -  "Já se fodeu!".

Conheces definição mais exacta, pungente e arrasadora para uma situação que atingiu o grau máximo imaginável de ameaçadora complicação?

Expressão, inclusivé, que uma vez proferida insere o seu autor num providencial contexto interior de alerta e auto-defesa. Algo assim como quando estás sem documentos do carro, sem carta de condução e ouves uma sirene de polícia atrás de ti a mandar-te parar. O que dizes? -  "Já me fodi!"

Ou quando te apercebes que és de um país em que quase nada funciona, o desemprego não baixa, os impostos são altos, a saúde, a educação e … a justiça são de baixa qualidade, os empresários são de pouca qualidade e procuram o lucro fácil e em pouco tempo, as reformas têm que baixar, o tempo para a desejada reforma tem que aumentar … tu pensas -  “Já me fodi!”

Então:

Liberdade,
Igualdade,
Fraternidade
e
foda-se!!!

Mas não desespere:
Este país … ainda vai ser “um país do caralho!”

Atente no que lhe digo!