Entraste na noite ao som do negrume dessa voz estridente,
talvez ardente, a letra a fazer-te a suturação da pele e da
boca agrafada à mecânica noite já esperada. Era uma nota
musical de gelo fino, quebrando-te as poucas seguranças
que detinhas - música altíssima, assim o verso, a multiplicação
desses versos e depois cities of dust, outra força cuja
fome nos fez descer ao fundo dos instintos: lembro-me
de te ter beijado com a língua de um eclipse marcando a
marron os teus lábios, os teus olhos, o azul mergulhador,
vencido pelas marés dos instintos agudos dessa voz, a essa
voz, semelhantes, uivos, cidades de pó, o pó, a misturada
luciferina ardência de um poema tão noturno que provocasse
nas avenidas da cidade a saída de todas as pessoas,
dos seus apartamentos, assim nuas, como traves erguidas
a um sol antiquíssimo, facas, despidas, todas, as cópulas
douradas sonhadas e ditas pelo grande xamã - a profecia
cumprida - a vida terrivelmente bela, assim, tão custosa
de ser olhada que, olhando-se, todos, cegos para este mundo,
a uma praia branca, de ferro, despertassem.
António Carlos Cortez
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