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sábado, 30 de setembro de 2017

Nuno Judice







esquisso...
O rosto que tenho nos olhos,
ao sorrir-me em contraluz;
os lábios de onde o bâton 
desaparece quando a vida os retoca;
o nariz que desenho com o gesto
em que os meus dedos o lembram;
os cabelos que se desatam como
a mais doce das florestas;
o pescoço adivinhado
sob as folhas e flores da memória;
seios que emergem da espuma
e são as aves que em mim pousam;
um torso curvo nas voltas
e revoltas de um simples abraço;
o ventre em que se juntam
fogo e chama na mais lenta combustão;
e os joelhos que se abrem
no instante da explosão;
tudo, belo e excessivo,
que o teu corpo me dá,
sem mais nada,
além de amor
só.
Nuno Júdice  

Foto de Antonio Baptista.

Maria do Rosário Pedreira










Guarda tu agora o que eu, subitamente, perdi


Guarda tu agora o que eu, subitamente, perdi
talvez para sempre ― a casa e o cheiro dos livros,
a suave respiração do tempo, palavras, a verdade,
camas desfeitas algures pela manhã,
o abrigo de um corpo agitado no seu sono. Guarda-o
serenamente e sem pressa, como eu nunca soube.
E protege-o de todos os invernos ― dos caminhos
de lama e das vozes mais frias. Afaga-lhe
as feridas devagar, com as mãos e os lábios,
para que jamais sangrem. E ouve, de noite,
a sua respiração cálida e ofegante
no compasso dos sonhos, que é onde esconde
os mais escondidos medos e anseios.
Não deixes nunca que se ouça sozinho no que diz
antes de adormecer. E depois aguarda que,
na escuridão do quarto, seja ele a abraçar-te,
ainda que não te tenha revelado uma só vez o que queria.
Acorda mais cedo e demora-te a olhá-lo à luz azul
que os dias trazem à casa quando são tranquilos.
E nada lhe peças de manhã ― as manhãs pertencem-lhe;
deixa-o a regar os vasos na varanda e sai,
atravessa a rua enquanto ainda houver sol. E assim
haverá sempre sol e para sempre o terás,
como para sempre o terei perdido eu, subitamente,
por assim não ter feito.
Maria do Rosário Pedreira

Foto de Fatima Pereira.


RickY







Um Mundo de Sonho/Um Sonho de Mundo
Deslizo pelas rugas dos lençóis,
O lume do dia
Vem brincar sobre o teu corpo.
Olho-te…Espero-te…
Saímos,
Vulgos exploradores, 
Com vontade de descobrir recantos
Torná-los nossos.
Naquela loucura infantil
Característica dos amantes.
Conduzida por Ti, sorvo ruelas
Vislumbro varandins a dourar ao sol
Dirigimo-nos ao mar
Sabes sempre,
Adivinhas sempre, onde quero estar!
Sol, areia e salpicos salgados.
Envolto pelas lágrimas marinhas,
Reflectes-te em mil pedaços,
Cada qual com o seu brilho,
A sua cor…
As minhas mãos procuram as tuas,
Querem entrelaçá-las, guardá-las…
Hoje, tenho as tuas gargalhadas,
Diluídas na brisa fresca que teima em brincar com os meus cabelos.
Os raios de sol vêm,
Suavemente, 
Despedir-se de nós….
Deslizo pelas rugas dos lençóis
E, acordo d’um dia perfeito
No sonho de uma noite.

Ricky

Foto de Fatima Pereira.


sexta-feira, 29 de setembro de 2017

Joaquim Pessoa







O Amor é...
O amor é o início. O amor é o meio. O amor é o fim. O amor faz-te pensar, faz-te sofrer, faz-te agarrar o tempo, faz-te esquecer o tempo. O amor obriga-te a escolher, a separar, a rejeitar. O amor castiga-te. O amor compensa-te. O amor é um prémio e um castigo. O amor fere-te, o amor salva-te, o amor é um farol e um naufrágio. O amor é alegria. O amor é tristeza. É ciúme, orgasmo, êxtase. O nós, o outro, a ciência da vida.
O amor é um pássaro. Uma armadilha. Uma fraqueza e uma força.
O amor é uma inquietação, uma esperança, uma certeza, uma dúvida. O amor dá-te asas, o amor derruba-te, o amor assusta-te, o amor promete-te, o amor vinga-te, o amor faz-te feliz.
O amor é um caos, o amor é uma ordem. O amor é um mágico. E um palhaço. E uma criança. O amor é um prisioneiro. E um guarda.
Uma sentença. O amor é um guerrilheiro. O amor comanda-te. O amor ordena-te. O amor rouba-te. O amor mata-te.
O amor lembra-te. O amor esquece-te. O amor respira-te. O amor sufoca-te. O amor é um sucesso. E um fracasso. Uma obsessão. Uma doença. O rasto de um cometa. Um buraco negro. Uma estrela. Um dia azul. Um dia de paz.
O amor é um pobre. Um pedinte. O amor é um rico. Um hipócrita, um santo. Um herói e um débil. O amor é um nome. É um corpo. Uma luz. Uma cruz. Uma dor. Uma cor. É a pele de um sorriso.

Joaquim Pessoa, in 'Ano Comum'

FOTO DO AUTOR DO POEMA

Foto de Antonio Baptista.

Léon Felipe







“Sei todas as histórias”


Eu não sei muitas coisas, é verdade.
Apenas falo do que tenho visto.
E já vi:
que o berço do homem o embalam com histórias,
que os gritos de angústia do homem os afogam com histórias,
que o pranto do homem o tapam com histórias,
que os ossos do homem os enterram com histórias,
e que o medo do homem…
inventou todas as histórias.
Sei muito poucas coisas, é verdade,
mas adormeceram-me com todas as histórias…
e sei todas as histórias.


Léon Felipe  

Foto de Antonio Baptista.

quinta-feira, 28 de setembro de 2017

Nuno Júdice








































Numa noite antiga de verão em que todas as estrelas
brilhavam nos seus lugares, nessa noite de calor ouvi
as rãs na água dos arrozais, e as nuvens de mosquitos cobriam
o caminho por onde te via passar, descalça, correndo sobre a terra
até ao pátio da casa fechada onde só os fantasmas viviam,
esperando que lhes abrisses a porta para atravessarem o campo
dos enforcados. Mas tu não os vias, e continuavas
a correr até à estação onde já nenhum comboio parava,
e ias para o canto mais escuro do jardim, despindo a blusa
para libertares o peito do calor da noite, e ofereceres
às estrelas as pontas dos seios. 


Nuno Júdice

quarta-feira, 27 de setembro de 2017























Ele disse que 
quando 
lhe tocava nas zonas quentes a luz do vento abria as searas profundas 
encapelava o ouro, os corredores do ar 
através das palavras - perguntou: 
porquê? O sangue bate mão na mão, perguntou se aquilo era tocar em tudo, 

disse: toco num objecto ele brilha 
objectos que se crispam perguntou se os objectos eram espasmos 
do espaço. Disse, os corpos são varas de ouro plantadas. 
A seiva rutila nelas. Tocava, abalava organismos, elementos 
límpidos, varas vivas. 
O ar sem fundo erguia-se de dentro dos sítios. Disse: 
o génio ininterrupto de multiplicares 
o teu espaço luminoso - e 
cada vara brilha de si mesma e da outra vara próxima. 
Em que recessos te queimo, virgens, em que 
inexplicáveis redes de imagens 
buracos 
de vento nas searas eriçadas varas com força? 
Tu de onde o ar se levanta 
se te afastas do teu nome até seres inominável quando toco 
o teu nome se 
te aproximas com o nome que tu és, essa abundância. 
Ele disse: o remoinho da estrela na sua clareira. 
Porque se fundem com os dedos as matérias selvagens, ah 
como refulge o bocado de carne, que chegue 
devagar à boca, refulja 
ela também aquela que devora. 
Células terríveis, como vibram, células das coisas que trazes 
à sua pulsação. O mover 
dos dedos move o mundo, disse que era o nexo oculto na arte 
de cada coisa. 
A leveza da mão desequilibra a chama, a atmosfera dá-lhe 
tanta potência. Se te 
toco, disse. Se 
te devasto no recôndito empunhando as unhas contra a cabeça 
coroada quando te deslocas a fôlego 
e peso, as translações radiais de ti a mim. Toda 
a electricidade 
corre pelas fibras dos substantivos, acende-os, trança-os, transforma-os 
numa 
constelação vergada. Tu 
transformas-te - alargas os braços apanhando a claridade onde 
os longos arcos 
reflexos: 
o garfo na boca, a labareda cortada na testa, os laços de carne sob o vestido 

com uma cor olhada instantânea. 
Disse que a mão compõe a sintaxe de botões luzindo que 
quando lhes tocava
o nome do mundo crescia tanto -



Herberto Helder













































Pediste-me um cigarro, durante o jantar, dizendo
que já não fumavas; mas foi da caixa da tua amiga
que tiraste o papel e o tabaco, para o enrolar com
os teus dedos, que deviam servir para outras coisas:
tirar fotografias, por exemplo, para que este instante
se não perdesse no decurso dos tempos, coberto
pelo silêncio que o tempo despeja sobre o tempo
que o precede. Mas não tens nada a ver com a
eternidade: a tua eternidade está nesse bairro
periférico em que vives, num quarto andar para
onde o teu vizinho te ajuda a subir as compras (não
há elevador): é possível que esteja apaixonado por
ti, e tu não sabes como lhe dizer que não é caso
para tanto, muito menos quando ele anda de tronco
nu (hábitos do talho onde tem o seu trabalho),
e quando muito daria para modelo de um Sansão,
de um Hércules, ou de um Atlas - mas já
ninguém quer saber de mitologias para nada. Por
isso é que te dedicas à teoria do ruído; e aconselho-
-te a abrir a janela, para perceberes que o ruído
não é nada, quando tem dentro de si todos os
silêncios que acabam com ele. Assim, nesse
abrir de janela, ouve o silêncio dos pássaros,
o silêncio das nuvens, o silêncio do azul-pálido
que elas escondem, o silêncio das árvores, e
dedica-te antes a procurar uma teoria do imenso
ruído que nasce deste silêncio. Tu, porém,
acabas de enrolar o cigarro, pedes-me lume, e
entre o acender do isqueiro e tu levares o cigarro
à boca houve um silêncio, sem ruído, o simples
instante em que os olhos se cruzam, e não
é preciso silêncio, nem ruído, para captar
a respiração que faz viver as almas, envolve
os seres, e rouba ao instante a sua efemeridade.



Nuno Júdice

terça-feira, 26 de setembro de 2017

creio... António Botto






























O mais
importante na vida 
É ser-se criador - criar beleza. 

Para isso, 
É necessário pressenti-la 
Aonde os nossos olhos não a virem. 

Eu creio que sonhar o impossível 
É como que ouvir uma voz de alguma coisa 
Que pede existência e que nos chama de longe. 

Sim, o mais importante na vida 
É ser-se criador. 
E para o impossível 
Só devemos caminhar de olhos fechados 
Como a fé e como o amor. 



António Botto

segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Silêncio que se vai cantar o fado








Amália atinge-nos em cheio com esta canção, a letra é dela, a voz ... do "outro mundo". Ouvi-la, faz-nos doer por dentro, as suas palavras, cantadas desta maneira, vão ao encontro dos nossos sofrimentos de amor, de todos, do primeiro ao último das nossas vidas.




Herberto Helder







































As mulheres têm uma assombrada roseira 
fria espalhada no ventre. 
Uma roseira às vezes, uma planta 
de treva. 
Ela sobe dos pés e atravessa 
a carne quebrada. 
Nasce dos pés, ou da vulva, ou do ânus -
e mistura-se nas águas, 
no sonho da cabeça. 
As mulheres pensam como uma impensada roseira 
que pensa rosas. 
Pensam de espinho para espinho, 
param de nó em nó.  
As mulheres dão folhas, recebem 
um orvalho inocente. 
Depois a boca abre-se. 
Verão, outono, a onda dolorosa e ardente 
das semanas, 
passam por cima. As mulheres cantam 
na sua alegria terrena. 

Que coisa verdadeira cantam? 
Elas cantam. 
São fechadas e doces, mudam 
de cor, anunciam felicidade no meio da noite, 
os dias rutilantes, a graça. 
Com lágrimas, sangue, antigas subtilezas 
e uma suavidade amarga -
as mulheres tornam impura e magnífica 
nossa límpida, estéril 
vida masculina. 
Porque as mulheres não pensam: abrem 
rosas tenebrosas, 
alagam a inteligência do poema com o sangue menstrual. 
São altas essas roseiras de mulheres, 
inclinadas como sinos, como violinos, dentro 
do som. 
Dentro da sua seiva de cinza brilhante. 

O pão de aveia, as maçãs no cesto, 
o vinho frio, 
ou a candeia sobre o silêncio. 
Ou a minha tarefa sobre o tempo. 
Ou o meu espírito sobre Deus. 
Digo: minha vida é para as mulheres vazias, 
as mulheres dos campos, os seres 
fundamentais
que cantam de encontro aos sinistros 
muros de Deus. 
As mulheres de ofício cantante que a Deus mostram 
a boca e o ânus 
e a mão vermelha lavrada sobre o sexo. 

Espero que o amor enleve a minha melancolia. 
E flores sazonadas estalem e apodreçam 
docemente no ar. 
E a suavidade e a loucura parem em mim, 
e depois o mundo tenha cidades antigas 
que ardam na treva sua inocência lenta 
e sangrenta. 
Espero tirar de mim o mais veloz 
apaixonamento e a inteligência mais pura. 
- Porque as mulheres pensarão folhas e folhas 
no campo. 
Pensarão na noite molhada, 
no dia luzente cheio de raios. 

Vejo que a morte se inspira na carne 
que a luz martela de leve. 
Nessas mulheres debruçadas sobre a frescura
veemente da ilusão, 
nelas - envoltas pela sua roseira em brasa - 
vejo os meses que respiram. 
Os meses fortes e pacientes. 
Vejo os meses absorvidos pelos meses mais jovens. 
Vejo meu pensamento morrendo na escarpada 
treva das mulheres. 

E digo: elas cantam a minha vida. 
Essas mulheres estranguladas por uma beleza
incomparável. 
Cantam a alegria de tudo, minha 
alegria 
por dentro da grande dor masculina. 
Essas mulheres tornam feliz e extensa 
a morte da terra. 
Elas cantam a eternidade. 
Cantam o sangue de uma terra exaltada. 



Herberto Helder

sábado, 23 de setembro de 2017

Isabel Carvalho de Sousa







LUA

Vestes a noite
com a tua claridade nua
teu feitiço.
Vagueias em mim
pelos sentidos
e eu percorro o deserto
à procura de mim
e do mistério.

Chamo-te
envolvo-me
e sinto-te Lua
neste eterno retorno
que me sabe a ti


Isabel de carvalho sousa

Foto de Antonio Baptista.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Paul Éluard













































Aqui a acção simplifica-se
Derrubei a paisagem inexplicável da mentira
Derrubei os gestos sem luz e os dias impotentes
Lancei por terra os propósitos lidos e ouvidos
Ponho-me a gritar
Todos falavam demasiado baixo falavam e escreviam

Demasiado baixo

Fiz retroceder os limites do grito

A acção simplifica-se
Porque eu arrebato à morte essa visão da vida
Que lhes destinava um lugar perante mim
Com um grito

Tantas coisas desapareceram
Que nunca mais voltará a desaparecer
Nada do que merece viver

Estou perfeitamente seguro agora que o Verão
Canta debaixo das portas frias
Sob armaduras opostas
Ardem no meu coração as estações
As estações dos homens os seus astros
Trémulos de tão semelhantes serem

E o meu grito nu sobe um degrau
Da escadaria imensa da alegria

E esse fogo nu que pesa
Torna a minha força suave e dura

Eis aqui a amadurecer um fruto
Ardendo de frio orvalhado de suor
Eis aqui o lugar generoso
Onde só dormem os que sonham
O tempo está bom gritemos com mais força
Para que os sonhadores durmam melhor
Envoltos em palavras
Que põem o bom tempo nos meus olhos

Estou seguro de que a todo o momento
Filha e avó dos meus amores
Da minha esperança
A felicidade jorra do meu grito
Para a mais alta busca
Um grito de que o meu seja o eco.


Paul Éluard

quinta-feira, 21 de setembro de 2017

Eugénio de Andrade







sinais...
Este rosto rente à terra
esta poeira
fresca ainda do rebanho,

este tumulto de palavras
cálido
para escrever na pele,

esta língua de argila
porosa
e cativa,

são sinais de outro verão.
Ternamente incestuoso vai chegar
o inverno
vai chegar cego pela mão do vento
vai chegar
aos tropeções
o sangue dos espelhos.

O sol 
não tardará a ser água.

Entre o feno fremente e a fonte furtiva
no alto fim de setembro

procura
o lugar
onde um corpo entre noutro corpo

repousa no ardor
adormece no rumor
na coroa de fogo das colinas.

O verão é branco e liso
e sempre ficam sinais.


Eugénio de Andrade  


quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Pablo Neruda - Gosto de ti calada







          GOSTO DE TI CALADA


          
            
Gosto de ti calada porque estás como ausente
e me ouves de longe, e esta voz não te toca.
Parece que os teus olhos foram de ti voando
e parece que um beijo fechou a tua boca.

Como todas as coisas estão cheias da minha alma
tu emerges das coisas, cheia da alma minha.
Borboleta de sonho, pareces-te com a minha alma
e pareces-te com a palavra melancolia.

Gosto de ti calada e estás como distante.
E estás como queixando-te, borboleta em arrulho.
E ouves-me de longe, e a esta voz não te alcança:
Vais deixar que eu me cale com o silêncio teu.

Vais deixar que eu te fale também com o teu silêncio
claro como uma lâmpada, simples como um anel.
Tu és igual à noite, calada e constelada.
O teu silêncio é de estrela, tão longínquo e tão simples.

Gosto de ti calada porque estás como ausente.
Distante e dolorosa como se houvesses morrido.
Uma palavra então, um teu sorriso bastam.
E estou alegre, alegre porque não é verdade.

                   Pablo Neruda   






terça-feira, 19 de setembro de 2017

Hamilton Ramos Afonso






Dá-me um rosto



Percorre-me o corpo com as tuas maos…
Começa no rosto,
dá-me a conhecer quem sou,
planta nos meus olhos o brilho da felicidade,
estampa no meu rosto um sorriso
e apaga-o com o teu…
…degusta-o com os lábios e a língua,
usa com leveza os teus dentes
e marca o teu território…
Constrói nele a casa
que te vai servir de habitação,
com alicerces bem fundos,
como se fosses árvore e te enraizasses em mim
janelas e portas bem rasgadas para o sol entrar,
em raios de luz que nos envolvam ,
que te iluminem as mãos e te revelem o caminho…
Traça o rumo com o teu corpo,
deixando no meu o rasto da posse
e depois apaga a luz…
Chama por mim,
para que me habitue a encontrar-te ,
mesmo na escuridão ,
porque se o não fizeres deixarei de fazer sentido
e partirei…

Hamilton Ramos Afonso

Arte : Francine Van Hove


Foto de Hamilton Ramos Afonso -poesia.

Antonio Ramos Rosa







lugar...
Onde é aqui, 
o centro, 
onde se respira, 
a cama limpa 
o corpo inteiro e nu. 
Onde é a fome e o braço toca 
o esplendor. 
Respira o ventre, 
a vela incha 
ao sol e ao mar sem fim.

Onde é aqui, 
a fome nua, 
a árvore exacta 
no centro 
da alegria, 
a luz e o olhar 
aberto ao mar.

Onde é onde
a mão sabe
a carícia da anca
e a língua fabrica
o seu sabor a sol.
Onde o fogo acende
o pulso do poema.

António Ramos Rosa

Foto de Antonio Baptista.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

António Lobo Antunes





Gosto de tudo em ti... “*****

Passam pela nossa vida,
ao sabor do acaso,
nas veredas e alamedas
em que o quotidiano é fértil
pessoas que nos seduzem 
e deixam marca, indelével
na nossa alma logo 
à primeira impressão

Não pelos belos laços, 
da apresentação física
mas pelos padrões
que cultivamos nas
relações humanas

Gente cuja inteligência
nos impele a beber, com avidez
as suas palavras, matando a sede
que temos de partilhar sabedoria
aprendendo e ensinando as
vivências de cada um

Gente com sentido de humor e
que faz da ironia uma arma para 
desarmar aqueles que se preocupam
com a aparência, importando-lhes
mais as cores garridas da beleza fisica
mesmo qua alma não tenha conteúdo

Gente capaz de sorrir de forma bonita
espalhando luz e cor sem gastar energia
apenas porque sorrir lhes é, também,
essencial para a sua serenidade.

Gente que espalha ternura sem medo
e não se inporte que a inveja 
confunda o seu gesto com capacidade 
de sedução para se servir do que seduziu...

Gente que confia, que respira confiança
em si própria, porque só quem em si confia
é capaz de confiar nos outros.

Gente que gosta de si própria 
para melhor ser capaz, 
de gostar dos seus semelhantes.

Gente que sendo amiga não tem pudor,
nem receio de demonstrar o seu afecto, 
por um amigo ou por alguém a quem ama, 
no mais nobre gesto para o demonstrar, 
o almofadado a ternura,
laço do abraço...



António Lobo Antunes   


Foto de Aida Freitas.


HAMILTON RAMOS AFONSO








O JARDIM DO TEU CORPO

Os dedos nus 
das minhas mãos 
sulcam serenamente
a nudez do teu corpo
como um jardineiro prepara 
terna e carinhosamente
a terra dos canteiros
onde semeia os alfobres 
das plantas do jardim…
Deslizam, 
pelo teu corpo
acariciando cada centimetro de ti,
como o jardineiro rega 
carinhosamente as plantas
que mais tarde irão abrir em flor,
vermelhas e perfumadas 
como a paixão que se apossa
dos meus dedos e da tua pele.
Fazem com que a planta
do amor se abra 
em belas e coloridas pétalas
para nosso deleite
e ambos colhemos
o nectar das nossas bocas ,
como as abelhas o fazem 
ávidamente nas flores do jardim 
em frenéticos bailados

HAMILTON RAMOS AFONSO
Arte: Alex Alemany
Foto de Antonio Baptista.


sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Cristovam Pavia





artífice...
Esculpi-te na água
De todas as nascentes. 
Nas raízes das árvores, nas folhas e nos frutos, 
Nos troncos mais firmes 
E nas copas brancas. 
Esculpi-te nos ventos que vão para sempre 
E nos que regressam à rosa quebrada 
Carregados de cores. 
Esculpi-te nas rosa-dos-ventos. 
Esculpi-te no fogo diurno. 
No avesso do fogo. 
Esculpi-te na terra. 
Esculpi-te na sombra, no silêncio...
- Levantaram-se chamas.



Cristovam Pavia



GOSTAVA...................







GOSTAVA

De adormecer ao teu lado,
acordar com o perfume do teu corpo
beijar-te.
Sentir-me em brasa,
e poder apagar o fogo
que me envolve no meu leito,
delirar com o teu olhar,
lindo e sedutor.
Ser correspondido
para a realidade do meu desejo
se concretizar.
do querer para o ser
e loucos fazer Amor.



.............................................................



Foto de Sebastiao Oliveira.