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quarta-feira, 27 de setembro de 2017














































Pediste-me um cigarro, durante o jantar, dizendo
que já não fumavas; mas foi da caixa da tua amiga
que tiraste o papel e o tabaco, para o enrolar com
os teus dedos, que deviam servir para outras coisas:
tirar fotografias, por exemplo, para que este instante
se não perdesse no decurso dos tempos, coberto
pelo silêncio que o tempo despeja sobre o tempo
que o precede. Mas não tens nada a ver com a
eternidade: a tua eternidade está nesse bairro
periférico em que vives, num quarto andar para
onde o teu vizinho te ajuda a subir as compras (não
há elevador): é possível que esteja apaixonado por
ti, e tu não sabes como lhe dizer que não é caso
para tanto, muito menos quando ele anda de tronco
nu (hábitos do talho onde tem o seu trabalho),
e quando muito daria para modelo de um Sansão,
de um Hércules, ou de um Atlas - mas já
ninguém quer saber de mitologias para nada. Por
isso é que te dedicas à teoria do ruído; e aconselho-
-te a abrir a janela, para perceberes que o ruído
não é nada, quando tem dentro de si todos os
silêncios que acabam com ele. Assim, nesse
abrir de janela, ouve o silêncio dos pássaros,
o silêncio das nuvens, o silêncio do azul-pálido
que elas escondem, o silêncio das árvores, e
dedica-te antes a procurar uma teoria do imenso
ruído que nasce deste silêncio. Tu, porém,
acabas de enrolar o cigarro, pedes-me lume, e
entre o acender do isqueiro e tu levares o cigarro
à boca houve um silêncio, sem ruído, o simples
instante em que os olhos se cruzam, e não
é preciso silêncio, nem ruído, para captar
a respiração que faz viver as almas, envolve
os seres, e rouba ao instante a sua efemeridade.



Nuno Júdice

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