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segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Herberto Helder







































As mulheres têm uma assombrada roseira 
fria espalhada no ventre. 
Uma roseira às vezes, uma planta 
de treva. 
Ela sobe dos pés e atravessa 
a carne quebrada. 
Nasce dos pés, ou da vulva, ou do ânus -
e mistura-se nas águas, 
no sonho da cabeça. 
As mulheres pensam como uma impensada roseira 
que pensa rosas. 
Pensam de espinho para espinho, 
param de nó em nó.  
As mulheres dão folhas, recebem 
um orvalho inocente. 
Depois a boca abre-se. 
Verão, outono, a onda dolorosa e ardente 
das semanas, 
passam por cima. As mulheres cantam 
na sua alegria terrena. 

Que coisa verdadeira cantam? 
Elas cantam. 
São fechadas e doces, mudam 
de cor, anunciam felicidade no meio da noite, 
os dias rutilantes, a graça. 
Com lágrimas, sangue, antigas subtilezas 
e uma suavidade amarga -
as mulheres tornam impura e magnífica 
nossa límpida, estéril 
vida masculina. 
Porque as mulheres não pensam: abrem 
rosas tenebrosas, 
alagam a inteligência do poema com o sangue menstrual. 
São altas essas roseiras de mulheres, 
inclinadas como sinos, como violinos, dentro 
do som. 
Dentro da sua seiva de cinza brilhante. 

O pão de aveia, as maçãs no cesto, 
o vinho frio, 
ou a candeia sobre o silêncio. 
Ou a minha tarefa sobre o tempo. 
Ou o meu espírito sobre Deus. 
Digo: minha vida é para as mulheres vazias, 
as mulheres dos campos, os seres 
fundamentais
que cantam de encontro aos sinistros 
muros de Deus. 
As mulheres de ofício cantante que a Deus mostram 
a boca e o ânus 
e a mão vermelha lavrada sobre o sexo. 

Espero que o amor enleve a minha melancolia. 
E flores sazonadas estalem e apodreçam 
docemente no ar. 
E a suavidade e a loucura parem em mim, 
e depois o mundo tenha cidades antigas 
que ardam na treva sua inocência lenta 
e sangrenta. 
Espero tirar de mim o mais veloz 
apaixonamento e a inteligência mais pura. 
- Porque as mulheres pensarão folhas e folhas 
no campo. 
Pensarão na noite molhada, 
no dia luzente cheio de raios. 

Vejo que a morte se inspira na carne 
que a luz martela de leve. 
Nessas mulheres debruçadas sobre a frescura
veemente da ilusão, 
nelas - envoltas pela sua roseira em brasa - 
vejo os meses que respiram. 
Os meses fortes e pacientes. 
Vejo os meses absorvidos pelos meses mais jovens. 
Vejo meu pensamento morrendo na escarpada 
treva das mulheres. 

E digo: elas cantam a minha vida. 
Essas mulheres estranguladas por uma beleza
incomparável. 
Cantam a alegria de tudo, minha 
alegria 
por dentro da grande dor masculina. 
Essas mulheres tornam feliz e extensa 
a morte da terra. 
Elas cantam a eternidade. 
Cantam o sangue de uma terra exaltada. 



Herberto Helder

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