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quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Ana Luìsa Amaral

 REFLEXOS

...
Olho-te pelo reflexo
Do vidro
E o coração da noite
E o meu desejo de ti
São lágrimas por dentro,
Tão doídas e fundas
Que se não fosse:
o tempo de viver;
e a gente em social desencontrado;
e se tivesse a força;
e a janela ao meu lado
fosse alta e oportuna,
invadia de amor o teu reflexo
e em estilhaços de vidro
mergulhava em ti.
Ana Luísa Amaral






"" Amore Mio ""

 O amor, quando se revela;

Não se sabe revelar;
Sabe bem olhar pra ela;
Mas não lhe sabe falar.
Quem quer dizer o que sente;
Não sabe o que há de dizer;
Fala: parece que mente;
Cala: parece esquecer.
Ah! mas se meus olhos falassem;
"Amore Mio" haveriam de dizer;
Ah! se ela adivinhasse;
Se pudesse ouvir um olhar;
E se um olhar lhe bastasse;
P'ra saber que a estão a amar!;
Mas quem sente muito cala.
Quem quer dizer o quanto sente;
Fica sem alma nem fala.
Fica só inteiramente!
Mas se esta poesia puder contar-lhe;
O que não ouso dizer-lhe.
Já não terei de falar-lhe;
Pois o seu coração;
Haverá de me compreender.
Minha imagem se configurará em seu olhar;
Seu coração pulsará em sintonia ao meu;
Seus lábios proferiram o meu nome;
E o seu desejo se identificará com o meu.
Os meus sonhos não serão somente meus;
Minha vida não será solidão;
Minhas mãos terão calor e afeto;
Meu sorriso não será sem compaixão.
As noites escuras traram novamente estrelas;
O crepúsculo não será tão infecundo;
A aurora trará à luz um novo tempo;
E minh'alma arderá no fogo da paixão... certamente, um NOVO MUNDO.
(Fernando Pessoa--)




terça-feira, 28 de setembro de 2021

Antonio variações - o corpo é que paga ( semi-original )



.O António nem sonhava que passados 30 anos da sua morte continua a ser ouvido e homenageado e com toda a justiça, foi um artista único.


Antonio Variações foi um gênio, estava anos luz à frente do seu tempo.

Alexandre O'Neill

 

Nos teus olhos altamente perigosos
vigora ainda o mais rigoroso amor
a luz de ombros puros e a sombra
de uma angústia já purificada
Não tu não podias ficar presa comigo
à roda em que apodreço
apodrecemos
a esta pata ensanguentada que vacila
quase medita
e avança mugindo pelo túnel
de uma velha dor
Não podias ficar nesta cadeira
onde passo o dia burocrático
o dia-a-dia da miséria
que sobe aos olhos vem às mãos
aos sorrisos
ao amor mal soletrado
à estupidez ao desespero sem boca
ao medo perfilado
à alegria sonâmbula à vírgula maníaca
do modo funcionário de viver
Não podias ficar nesta cama comigo
em trânsito mortal até ao dia sórdido
canino
policial
até ao dia que não vem da promessa
puríssima da madrugada
mas da miséria de uma noite gerada
por um dia igual
Não podias ficar presa comigo
à pequena dor que cada um de nós
traz docemente pela mão
a esta pequena dor à portuguesa
tão mansa quase vegetal
Não tu não mereces esta cidade não mereces
esta roda de náusea em que giramos
até à idiotia
esta pequena morte
e o seu minucioso e porco ritual
esta nossa razão absurda de ser
Não tu és da cidade aventureira
da cidade onde o amor encontra as suas ruas
e o cemitério ardente
da sua morte
tu és da cidade onde vives por um fio
de puro acaso
onde morres ou vives não de asfixia
mas às mãos de uma aventura de um comércio puro
sem a moeda falsa do bem e do mal
*
Nesta curva tão terna e lancinante
que vai ser que já é o teu desaparecimento
digo-te adeus
e como um adolescente
tropeço de ternura
por ti.

Alexandre O'Neill



 


Cecìlia Meireles

 Canção de Outono

Perdoa-me, folha seca,
não posso cuidar de ti.
Vim para amar neste mundo,
e até do amor me perdi.
De que serviu tecer flores
pelas areias do chão
se havia gente dormindo
sobre o próprio coração?
E não pude levantá-la!
Choro pelo que não fiz.
E pela minha fraqueza
é que sou triste e infeliz.
Perdoa-me, folha seca!
Meus olhos sem força estão
velando e rogando aqueles
que não se levantarão...
Tu és folha de outono
voante pelo jardim.
Deixo-te a minha saudade
- a melhor parte de mim.
E vou por este caminho,
certa de que tudo é vão.
Que tudo é menos que o vento,
menos que as folhas do chão...
Cecília Meireles








Nuno Júdice

 

Photo: Bill Brandt
















No seu ágil corpo 
de gazela correm as sensações 
doentes e as vigílias de 
um prazer antigo. E pede 
que a despertem, que 
a voz do desejo de novo 
a chame e a faça saltar 
muros, colinas e montanhas 
até se encontrar com 
o luminoso horizonte 
de um abraço. E ouve o apelo 
do amado: “Despe-te como os figos 
se despem da sua pele, e 
dá-me o teu fruto para que 
o saboreie até ao fundo.” 
Então, oferece-lhe a sua boca 
para que nela se cumpra
a promessa de uma flor.


Nuno Júdice

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

---------------- *Es o Mundo...

 

És o mundo

 


A doçura da tua boca,
O mel dos teus seios,
O açúcar de teu corpo
Me fazem pensar
Que o mundo é doce.

Breve ilusão! O mundo não é nada
Ou não passa de imensa abstração.
Na verdade, como o tempo,
É uma canção que passa.

No entanto estais aqui
E isto é o mundo:
O momento do amor e da ternura
O gozo dos sentidos!

E, quando tu desapareces,
O mundo some,
Pois, minha vida,
O mundo és tu:
Mulher, perfume e paixão!

Ilustração: ONU Mulher. 

AMANTES

 

AMANTES

 


O teu olhar me dizia o tempo lá fora:

Era sempre tempo de ficar em teus braços

E, em teus braços, esquecia a hora.

 

Tarde lembrava, em breves espaços,

Que, após a noite, a manhã havia

Mas os teus braços eram fortes laços.

 

E quando o sol presente se fazia

Em raios nos lençóis desarrumados

Para ficar – beijando – eu te pedia.

 

Vinha, então, a lua lembrar dias passados

Mostrando que o tempo era ilusão

E a vida dos casais de namorados


(De “Apocalypse”, Editora Per Se, 2013)

HAMILTON RAMOS AFONSO

 Fome

*
HAMILTON RAMOS AFONSO
*
Tenho a boca a protestar de fome
falta-lhe o alimento dos teus lábios
A verdade é que é só mais uma fome
que se alimenta obstinadamente
dos beijos trocados e do vento
que se instala na alma quando te ausentas.
Fome que se transforma em doença
quando voltar a saciar-me
à entrada do teu corpo




domingo, 26 de setembro de 2021

Eugénio de Andrade....... e......

 
















A Dahlia
(Photo: Pixabay)
Uma dália
(Foto: Pixabay)




sábado, 25 de setembro de 2021

Fernando Pessoa

 Tudo quanto sonhei tenho perdido

Antes de o ter.
Um verso ao menos fique do inobtido,
Música de perder.
Pobre criança a quem não deram nada,
Choras? E em vão.
Como tu choro à beira da erma estrada.
Perdi o coração.
A ti talvez, que não te tens dado,
Daria enfim...
A mim... Sei eu que duro e inato fado
Me espera a mim?
*
1920
Fernando Pessoa
In Poesias Inéditas (1919-1930). Fernando Pessoa. (Nota prévia de Vitorino Nemésio e notas de Jorge Nemésio.) Lisboa: Ática, 1956 (imp. 1990).




Maria Olinda Maia

 Outono...

O perfume de Outono chega
na brisa que toca na pele
na chuva de luz
das folhas,que acariciam os meus sentidos.
O vento a soprar a fragrância
dos tons,sons,
da alma
que abraça a melancolia do Outono.
Cada folha que toco
das páginas dos teus dedos
são folhas de palavras
que me envolvem em ti.

Maria Olinda Maia




sexta-feira, 24 de setembro de 2021

- Marina Tsvietáieva (Марина Цветаева)

 ENCONTRO

Vou chegar tarde ao encontro marcado,
cabelos já grisalhos. Sim, suponho
ter-me agarrado à primavera, enquanto
via você subir de sonho em sonho.
Vou carregar esse amargo – por largo
tempo e muitos lugares, de penedos
a praças (como Ofélia – sem lámurias)
por corpos e almas – e sem medos!
A mim, digo que viva; à terra, gire
com sangue no bosque e sangue corrente,
mesmo que o rosto de Ofélia me espie
por entre as relvas de cada corrente,
e, amorosa sedenta, encha a boca
de lodo – oh, haste de luz no metal!
Não chega este amor à altura do seu
amor ... Então, enterre-me no céu!
(18 de junho de 1923)
.
.
СВИДАНЬЕ
На назначенное свиданье
Опоздаю. Весну в придачу
Захвативши - приду седая.
Ты его высоко назначил!
Буду годы идти - не дрогнул
Вкус Офелии к горькой руте!
Через горы идти - и стогны,
Через души идти - и руки.
Землю долго прожить! Трущоба-
Кровь! и каждая капля - заводь.
Но всегда стороной ручьевой
Лик Офелии в горьких травах.
Той, что страсти хлебнув, лишь ила
Нахлебалась! - Снопом на щебень!
Я тебя высоко любила:
Я себя схоронила в небе!
(18 июня 1923)

- Marina Tsvietáieva (Марина Цветаева), em "Marina". [tradução Décio Pignatari]. Curitiba: Travessa dos Editores, 2005.


Marina Tsvietáieva