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sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010



A mecânica dos corpos

Acaricio tuas formas
suaves
como dunas
que não existem;
beijo teus mamilos
eretos e rosados
como um amanhecer.
teu corpo, emblema
crepitante;
minha alma
treme
no puro estado de beleza.
Teus olhos.
Repousa em ti o impulso
de uma corrente
azul. Descendendo
a mim
tua voz.
A harmonia
conquista os espaços
dos tempos
indisponíveis.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Vigilia



No lençol,
entre luz e sono,
na brancura exasperada da vigília
pouco restou por aqui.

Frio?
Abandono?
Ou o eco amargurado da quezília?
tocou-me apenas, fragilmente, um raio de sol,
e algum perfume de ti.


Foto:Elena Platonova

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010


MEMORIA DE ELECTRA

Mariela Dreyfus



Sou um homem
Que construiu um templo
no qual minha virilidade não tem limites.
Cinco virgens me rodeiam
de dia as desnudo para contemplá-las
de noite cubro seus corpos
com meu sêmen impaciente e renovado.
Esta necessidade
me vem de muito criança;
quando procurava sonhar
e me despertavam os gemidos
de minha mãe e seu amante.
Hoje sou um homem.
Que ninguém se atreva
A profanar meus reinos.

sábado, 20 de fevereiro de 2010





Dupla canção

I
Tenho uma sede de vinho capitosos
-um venusiano furor, lutas lascivas,
olhos enlouquecidos pelo êxtase,
bocas ébrias, frenéticos abraços.

Tu, Dinarzada, tu fogosa minha ardente,
Tu, Melusina, vida dos meus desejos:
Doa-me teu lagar quente e recôndito!
Quero pressionar tuas uvas!
e os teus vinhos
espremer!
fulgurante filtro cálido
para minha sede de sucos cítricos!
II
Tenho uma sede de budistas nirvanas
-surdez em ouvir, preguiça silenciosa,
olhos obscurecidos de êxtase
espiritual ardor, luta psíquica.
Tu, viagem, azul, desmaio, noite intacta,
Música ..., oh, tu meu inacessível dono:
Leve-me aos teus refúgios impassíveis!
Quero arranhar tuas fibras!
e o prodígio
de tuas entranhas exprimir
-dom inefável
para a minha sede de fugas e sonhos!

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Soneto de Áspera Resignação



Não me digas segredos nessa voz
em que dizes também o que não dizes.
Fica o silêncio ainda mais atroz
depois de entremostradas as raízes.

Prefiro que não digas nada, nada.
Que não sejas arbusto nem canção,
mas sombra entreaberta, recortada
por um lívido e breve coração.

Já que não podes dar-me o que eu sonhara
- inteireza de ramos e raiz -,
ao menos dá-me, intacta, a sombra clara
onde se esbatam vultos e perfis.

Pois nesta solidão melhor é ter
a sombra que um segredo de mulher.

David Mourão-Ferreira

Foto:Elena Vasileva

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Lembra-te



Lembra-te
que todos os momentos
que nos coroaram
todas as estradas
radiosas que abrimos
irão achando sem fim
seu ansioso lugar
seu botão de florir
o horizonte
e que dessa procura
extenuante e precisa
não teremos sinal
senão o de saber
que irá por onde fomos
um para o outro
vividos

Mário Cesariny

Foto:Michael Vahle

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

A palavra seda



A atmosfera que te envolve
atinge tais atmosferas
que transforma muitas coisas
que te concernem, ou cercam.

E como as coisas, palavras
impossíveis de poema:
exemplo, a palavra ouro,
e até este poema, seda.

É certo que tua pessoa
não faz dormir, mas desperta;
nem é sedante, palavra
derivada da de seda.

E é certo que a superfície
de tua pessoa externa,
de tua pele e de tudo
isso que em ti se tateia,

nada tem da superfície
luxuosa, falsa, acadêmica,
de uma superfície quando
se diz que ela é “como seda”.

Mas em ti, em algum ponto,
talvez fora de ti mesma,
talvez mesmo no ambiente
que retesas quando chegas,

há algo de muscular,
de animal, carnal, pantera,
de felino, da substância
felina, ou sua maneira,

de animal, de animalmente,
de cru, de cruel, de crueza, que sob a palavra gasta
persiste na coisa seda.

João Cabral de Melo Neto

Foto: A. Brito

domingo, 14 de fevereiro de 2010

Desejo vermelho




Só as noites
Longas como tuas pernas
Me parecem eternas
Na minha solidão de quem quer
Só a tua companhia, formosa mulher!

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Sonho Azul



Voando
fechado no tempo,
Encontro momentos há muito perdidos.
Nos vales do paraíso
Infiltro a magia da liberdade
Nas veias da imaginação
E navego pela leveza do esplendor.
Acendo a tocha da reflexão
Embalo os sentimentos nos fluidos do silêncio
E abro a janela da criação

Vem comigo desvendar os mistérios da primavera
Delicadamente sentada no brilho das águas cristalinas,
Vaguear por entre os sons da inocência
E saborear a profundidade da beleza do carinho.
Vem decifrar as doces linhas dos enigmas
Que se escondem na beleza dos murmúrios do vento
E nas cores quentes do por do sol.
Vem percorrer as ondas do magnetismo absorvente
Do brilho dos olhares apaixonados pela sensual motivação
Da união de dois sentimentos.
Vem absorver essas gotas criadoras de sonhos interruptos
Que derrubam montanhas inexploráveis
Criando riachos por onde deslizas delicadamente deitada.
Vem provar o amor.

Jorge Viegas

Foto retirada do Google

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Coração sem imagens



Deito fora as imagens,
Sem ti para que me servem
as imagens?

Preciso habituar-me
a substituir-te
pelo vento,
que está em toda a parte
e cuja direcção
é igualmente passageira
e verídica.

Preciso habituar-me ao eco dos teus passos
numa casa deserta,
ao trémulo vigor de todos os teus gestos
invisíveis,
à canção que tu cantas e que mais ninguém ouve
a não ser eu.

Serei feliz sem as imagens.
As imagens não dão
felicidade a ninguém.

Era mais difícil perder-te,
e, no entanto, perdi-te.

Era mais difícil inventar-te,
e eu te inventei.

Posso passar sem as imagens
assim como posso
passar sem ti.

E hei-de ser feliz ainda que
isso não seja ser feliz.

Raul de Carvalho

Foto:Paul Dzik

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010





Podia perfeitamente suprimir-te de minha vida,
Não responder teus chamados, não abrir a porta de casa,
Não pensar em ti, não te desejar,
Não te buscar em nenhum lugar nem voltar a te ver,
Circular somente por ruas onde não passas,
Eliminar de minha memória cada instante que temos compartilhado,
Cada recordação de tua recordação,
Esquecer teu rosto até ser capaz de não te reconhecer,
Responder com evasivas quando me perguntem por ti
E fazer como se não tivesses existido nunca.
Porém, te amo.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010


Apaga-me os olhos, ainda posso ver-te.
Tranca-me os ouvidos, ainda posso ouvir-te,
e sem pés posso ainda ir para ti,
e sem boca posso ainda invocar-te.
Quebra-me os ossos, e posso apertar-te
com o coração como com a mão,
tapa-me o coração, e o cérebro baterá,
e se me deitares fogo ao cérebro,
hei-de continuar a trazer-te no sangue.

Rainer Marie Rilke

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010









No Teu Corpo

Só no teu corpo o luar brilha.
Só no teu corpo há estrelas.
Há céu apenas no teu corpo
E mar e luz e fantasia.

Só no teu corpo o sol flutua.
Só no teu corpo o ar balança.
Há mundo apenas no teu corpo
E som e festa e magia.

Só no teu corpo as coisas vivem.
Só no teu corpo os homens sonham.
Há terra apenas no teu corpo
E silencio e gozo e vida.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010


Livro das horas



Aqui, diante de mim,
Eu, pecador, me confesso
De ser assim como sou.
Me confesso o bom e o mau
Que vão em leme da nau
Nesta deriva em que vou.

Me confesso
Possesso
Das virtudes teologais,
Que são três,
E dos pecados mortais
Que são sete,
Quando a terra não repete
Que são mais.

Me confesso
O dono das minhas horas.
O das facadas cegas e raivosas
E das ternuras lúcidas e mansas.
E de ser de qualquer modo
Andanças
Do mesmo todo.

Me confesso de ser charco
E luar de charco, à mistura.
De ser a corda do arco
Que atira setas acima
E abaixo da minha altura.

Me confesso de ser tudo
Que possa nascer em mim.
De ter raízes no chão
Desta minha condição.
Me confesso de Abel e de Caim.

Me confesso de ser Homem.
De ser o anjo caído
Do tal céu que Deus governa;
De ser o monstro saído
Do buraco mais fundo da caverna.

Me confesso de ser eu.
Eu, tal e qual como vim
Para dizer que sou eu
Aqui, diante de mim!

Miguel Torga

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Distante...tão distante



Eu te queria como um segredo que não soubesse desvendar;
Como uma sereia que não soubesse onde era o seu mar
Ou uma estrela que não conseguia avistar...
Eu te queria assim como só sabem querer os grandes amantes
E sonhava em te ver e te encontrar por todos os instantes,
Mas, por ironia, quando te encontrei sem esperar
Tive a sensação de que, por mais perto, estavas mais distante
E continuastes a ser, como sempre foi, a mulher dos meus sonhos
Que, de fato, irá continuar onde sempre esteve ...tão distante!

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010





Maçã-do-amor



Abrir pétalas com
a língua
explorar
seus cheiros e sabores

levar seu néctar
para além desse momento
para colmeias
perdidas no inconsciente

nos momentos em que
nada valer a pena
ou quando você não estiver
mais presente
minha língua
lamberá a lembrança
como lambemos aquela
maçã-do-amor

lembra-se?

Carlos Alberto Pessoa Rosa