Anoitece...
Os homens temem as longas viagens, ...
os ladrões da estrada, as hospedarias, 
e temem morrer em frios leitos 
e ter sepultura em terra estranha.
Por isso os seus passos os levam 
de regresso a casa, às veredas da infância, 
ao velho portão em ruínas, à poeira 
das primeiras, das únicas lágrimas.
Quantas vezes em 
desolados quartos de hotel 
esperei em vão que me batesses à porta, 
voz da infância, que o teu silêncio me chamasse!
E perdi-vos para sempre entre altos prédios, 
sonhos de beleza, e em ruas intermináveis, 
e no meio das multidões dos aeroportos. 
Agora só quero dormir um sono sem olhos
e sem escuridão, sob um telhado por fim. 
À minha volta estilhaça-se 
o meu rosto em infinitos espelhos 
e desmoronam-se os meus retratos nas molduras.
Só quero um sítio onde pousar a cabeça. 
Anoitece em todas as cidades do mundo, 
acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos 
onde o meu coração, falando, vagueia.
Manuel António Pina   

 
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