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sexta-feira, 29 de março de 2019

Fernando Campos de Castro






CARTA A PESSOA  



Meu caro Fernando
É de lodo e nódoa este País que vejo
babado e sabujo gastando-te o nome

Despuradamente
remexem - te a arca acordando os silêncios
de todos os teus versos outrora negados
e não deixam mais que descanses em paz
os ossos cansados e essa tua cirrose
tão laboriosamente bebida e consentida

Àvidos de nome e para darem nas vistas
rasgam - te as ceroulas que nunca despiste 
para a tua Ofélia que amas - te demais
e outorgam - te paixões individualistas
e homo- fatais

E certos ratos de bibliotecas pardas
exauridos de raiva e de ciúme indispostos
quase negam as quadras grandiosas e simples
com que o povo te lembra , te soletra e canta
( tu que foste poeta para todos os gostos )

Sequiosos de fama e de dinheiro famintos
Masturbam discursos sobre o teu passado 
e esfregam -se nas praias do teu frágil corpo
curvado à angústia de tanto desprezo
e à febre de um sonho etilizado

E tudo isto , Fernando , por que nunca te amaram
nem compreenderam que no verso mais triste 
escuro ou sombrio que te acontecia
palpitava inteira , universal e pura
a razão de ser da poesia

Por uma vez , agora , levanta -te Fernando
levanta - te do túmulo e vem cuspir -lhes na cara 
o teu sorriso inquieto , descomunal e mudo
mesmo doente e bêbado
esclerótico e tudo


Fernando Campos de Castro
Do livro  "" VIOLAÇÃO DA NOITE  ""  pags, 93/94




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