CONFISSÃO SEM ARREPENDIMENTO
Eu sou ridículo.
Eu sei que sou ridículo-
já me disse isto mil vezes-
sempre que empurro com a barriga
e procrastino a hora de enfrentar a realidade.
Sei que sou ridículo faz tempo.
Não foi algo que chegou com a idade,
nem neste momento.
Talvez seja um ridículo congênito,
seja uma herança da infância
ou mesmo da mocidade.
Não tenho mais lembrança
se a certeza veio das mentiras infantis,
dos devaneios pueris
ou, quem sabe, de me sentir feliz
surrupiando bugigangas.
Fui ridículo como adolescente
nas primeiras tentativas de amor
ou, quando me escondi na dispensa,
para escapar do ex-marido da amante,
ou, quem sabe, pouco depois
quando passado o pior, distante,
cheguei à conclusão
de que o crime compensa.
Ridículo fui quando,
no hotel, me perdi
com uma doce lourinha de esquerda
no aniversário de uma grande mulher de direita
que eu amava.
E, mais ainda, quando ela enraivecida
me xingou e me deu um banho de cerveja
ante uma plateia estarrecida,
uma reação que a fez ainda mais querida.
Todavia, não me impediu
de dois dias mais tarde,
de forma mais ridícula ainda
e sem alarde,
me deixar explorar
e explodir de paixão
na boca que, entre as minhas pernas,
se abria ávida e linda
para voltar a provar
de uma maravilhosa sensação
não esquecida.
Eu sei que fui mais ridículo,
muito mais
quando deixei outra mulher,
que amei, sem dimensão
para trás.
E chorei tanto,
ninguém sabe o quanto
nem do jeito que chorei,
quando soube, no Natal,
que ela morreu
e nunca, nunca me esqueceu.
Porém, não me culpo
de ser capaz de amar,
simultaneamente, mais de uma
e, muitas vezes, não saber
quem amo mais.
Sou ridículo sim!
Me deixe em paz.
Que ser ridículo é algo
profundamente
humano.
Sou ridículo sim,
confesso,
para todo mundo e para mim,
e nada, nem ninguém, mais engano.
E serei ridículo
por todos os meus anos
que ainda, na vida, existir.
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