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sexta-feira, 11 de novembro de 2016

CESÁRIO VERDE

POESIA
  

Eu que sou feio, sólido, leal,

A ti, que és bela, frágil, assustada,
Quero estimar-te, sempre, recatada...
Numa existência honesta, de cristal.


Sentado à mesa de um café devasso,

Ao avistar-te, há pouco fraca e loura,
Nesta babel tão velha e corruptora,
Tive tenções de oferecer-te o braço.


E, quando socorrestes um miserável,

Eu, que bebia cálices de absinto,
Mandei ir a garrafa, porque sinto
Que me tornas prestante, bom, sudável.


«Ela aí vem!» disse eu para os demais;

E pus me a olhar, vexado e suspirando,
O teu corpo que pulsa, alegre e brando,
Na frescura dos linhos matinais.


Via-te pela porta envidraçada;

E invejava, - talvez que não o suspeites! -
Esse vestido simples, sem enfeites,
Nessa cintura tenra, imaculada.
...
Soberbo dia! Impunha-me respeito
A limpidez do teu semblante grego;
E uma família, um ninho de sossego,
Desejava beijar o teu peito.


Com elegância e sem ostentação,

Atravessavas branca, esbelta e fina,
Uma chusma de padres de batina,
E de altos funcionários da nação.


«Mas se a atropela o povo turbulento!

Se fosse, por acaso, ali pisada!»
De repente, parastes embaraçada
Ao pé de um numeroso ajuntamento,


E eu, que urdia estes frágeis esbocetos,

Julguei ver, com a vista de poeta,
Um pombinha tímida e quieta
Num bando ameaçador de corvos pretos.


E foi, então que eu, homem varonil,

Quis dedicar-te a minha pobre vida,
A ti, que és ténue, dócil, recolhida,
Eu, que sou hábil, prático, viril.



CESÁRIO VERDE


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