Photo: Erwin Blumenfeld |
Faço uma linha a meio do corpo, como num
tratado de tordesilhas, para dividir o que me
pertence e o que apenas pertence ao espelho
que te reflecte, quando passas a meio do quarto,
e de um lado és presente e material aos
meus olhos, e do outro lado és só imagem,
como se estivesses a entrar numa espécie de
realidade em que não existe hoje nem ontem,
mas apenas a beleza que dura para além do
tempo e das circunstâncias em que te vejo.
É um tratado que faço entre mim e mim para
te dividir, e saber que este corpo que hoje
possuo logo deixará de me pertencer quando
o deitar no poema, como alguma vénus de
rubens ou banhista de renoir, envoltas
em véus ou em arbustos, à luz das velas ou
do sol. E sinto o que tenho quando te perco,
e o teu corpo se imprime para lá dessa linha
abstracta que te separa de ti própria, quando
em ti se juntam a realidade e o seu reflexo.
Mas se tiro da tua frente esse espelho, é
dentro de mim que tu te reflectes, e sou eu
o espelho em que entras para deixares de
fazer parte de mim, e seres quem aqui vive,
e para sempre respira neste último verso.
Nuno Júdice
3 comentários:
Os espelhos de Nuno Júdice mostram faces a brilhar e almas com transparência, com retrato de corpo e meio reflectem Eu com eu !!!... <3
Beijo Conde
Um passado que está passado de lágrimas vive arrasado, saudoso e comovente, que já não vem é ponto assente,mas que sempre nos ampara quando o sentimos presente !!!... <3
Beijo Conde
Nuno Júdice é de escrita brilhante, com caneta de aparo fino deixa correr a sua poesia sempre expressa na 1ª pessoa !!!... <3
Beijo Conde
Enviar um comentário