
De que mais precisa um homem senão de um pedaço de mar - e um barco com o nome da amiga, e uma linha e um anzol pra pescar?
E enquanto 
pescando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas
 mãos, uma pro caniço, outra pro queixo, que é para ele poder se perder 
no infinito, e uma garrafa de cachaça pra puxar tristeza, e um pouco de 
pensamento pra pensar até se perder no infinito...
De que mais 
precisa um homem senão de um pedaço de terra - um pedaço bem verde de 
terra - e uma casa, não grande, branquinha, com uma horta e um modesto 
pomar; e um jardim - que um jardim é importante - carregado de flor de 
cheirar?
E enquanto 
morando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas 
mãos para mexer a terra e arranhar uns acordes de violão quando a noite 
se faz de luar, e uma garrafa de uísque pra puxar mistério, que casa sem
 mistério não tem valor de morar...
De que mais 
precisa um homem senão de um amigo pra ele gostar, um amigo bem seco, 
bem simples, desses que nem precisa falar - basta olhar - um desses que 
desmereça um pouco da amizade, de um amigo pra paz e pra briga, um amigo
 de paz e de bar?
E enquanto 
passando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de suas
 mãos para apertar as mãos do amigo depois das ausências, e pra bater 
nas costas do amigo, e pra discutir com o amigo e pra servir bebida à 
vontade ao amigo?
De que mais 
precisa um homem senão de uma mulher pra ele amar, uma mulher com dois 
seios e um ventre, e uma certa expressão singular?
E enquanto 
pensando, enquanto esperando, de que mais precisa um homem senão de um 
carinho de mulher quando a tristeza o derruba, ou o destino o carrega em
 sua onda sem rumo?
Sim, de que 
mais precisa um homem senão de suas mãos e da mulher - as únicas coisas 
livres que lhe restam para lutar pelo mar, pela terra, pelo amigo...
Vinícius de Moraes
 
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