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quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Nuno Júdice







Photo: William Mebane [for The New York Times]

Eu diria que tudo pode vir de um acaso, que tanto
pode ser o acaso da flor que de súbito nasceu de um tronco
já seco, ou o encontro no sorriso de um rosto de
entre os muitos que atravessam a rua. É um acaso que
me apareceu de dentro de um livro: esse bilhete de cinema
com a sua solidão inteira, como se ainda estivesse à espera
de quem não chegou, e me fez voltar a subir a avenida
em busca de quem nunca encontrei. Podia
ter acontecido que a descesses do outro lado, e seria
essa a explicação para o desencontro; mas pouco importa o que
foi, quando os lugares ficaram vazios, e os actores
se beijaram em vão na tela para que nunca os víssemos,
da obscuridade da plateia. No entanto, dir-me-ias, foi
também o acaso que te fez perder o autocarro, deixando
que o tempo ardesse até ao fim no cigarro que não
cheguei a acender, terias saído de entre a multidão
dos que regressavam a casa; mas eu misturara-me 
com eles, e deixara-me ir também ao acaso,
enquanto a noite caía, e o filme em que nunca
nos encontrámos chegava ao fim.


Nuno Júdice

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