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domingo, 20 de janeiro de 2013

Mar, Mar e Mar



Domingo, Janeiro 20, 2013





Tu perguntas, e eu não sei,
eu também não sei o que é o mar.

É talvez uma lágrima caída dos meus olhos
ao reler uma carta, quando é de noite.
Os teus dentes, talvez os teus dentes,
miúdos, brancos dentes, sejam o mar,
um mar pequeno e frágil,
afável, diáfano,
no entanto sem música.

É evidente que minha mãe me chama
quando uma onda e outra onda e outra
desfaz o seu corpo contra o meu corpo.
Então o mar é carícia,
luz molhada onde desperta
meu coração recente.

Às vezes o mar é uma figura branca
cintilando entre os rochedos.
Não sei se fita a água
ou se procura
um beijo entre conchas transparentes.

Não, o mar não é nardo nem açucena.
É um adolescente morto
de lábios abertos aos lábios da espuma.
É sangue,
sangue onde outra luz se esconde
para amar outra luz sobre as areias.

Um pedaço de lua insiste,
insiste e sobe lenta arrastando a noite.
Os cabelos de minha mãe desprendem-se,
espalham-se na água,
alisados por uma brisa
que nasce exactamente no meu coração.
O mar volta a ser pequeno e meu,
anémona perfeita, abrindo nos meus dedos.

Eu também não sei o que é o mar.
Aguardo a madrugada, impaciente,
os pés descalços na areia.


Eugénio de Andrade


NOTA:   
Parafraseando Pessoa, o mar espelha precisamente o céu, pois o céu é maior que o mar.

1 comentário:

disse...

O mar carícia do amor, por iso espelha o céu, é imenso maior que a terra.Nada na terra sabe abranger tão elevado grau do divino.
Lindo mil vezes lindo.

Beijos obrigado por ter o previlégio de ter lido este poema. já lá vai muitos anos que não o lia. beijossssssssssss