Contemplo
a mulher adormecida. Ocupa uma metade do terraço, longa e
voluptuosamente extensa, constelada de um siêncio que é todo aéreo e
ondulante. Em volta o mundo converteu-se num pomar unânime. É um
meio-dia interminável. Tudo está imóvel, fixo, como um centro. As
superfícies lisas, brancas, sem reflexos, sem sombras. Imperceptível,
insondável é o gesto fulgurante da imobilidade. A intensidade da
presença identifica-se com o vazio da ausência. O meu corpo entende o
corpo da mulher, enrola-se nas volutas da sua música silenciosa, adere
às paisagens brancas do seu corpo completo. Imóvel, não procuro
palavras, nem as mais leves e transparentes: sinto-me fluido,
extremamente aberto. Conheço as sensações da mulher nua: água, terra,
fogo e vento. Conheço-a e amo-a através delas, numa relação de
felicidade intensa e ao mesmo tempo imponderável. O sono da mulher é de
horizontes múltiplos e em si germina o centro abrindo o aberto sem
limites.
António Ramos Rosa
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