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domingo, 9 de outubro de 2022

rui amaral mendes in a noite o sangue [2016] ©

 



lembro aquela primeira em vez 
em que me persuadiste a fechar os dedos 
por onde passava a areia que contava 
o correr louco dos dias 

falaste de uma brisa matinal 
de palavras feitas 
com que despertavas diariamente 
da matéria do tempo 

pensei na Elsinore de Cesariny 
e na floração da magnólia de Luiza 

exigiste 
lume 
para te dar chão 
vento 
para navegar as águas 

exigiste 
presente 
para exorcizar 
os espectros que teimosamente 
habitavam os pretéritos 

telúrico 
senti a noite  
penetrar a pele 

um ar quente          silente
embrenhando-se na carne 
e uma humidade 
entranhando-se nos ossos 
despindo o céu de luz 
num início de verão 

questionei o significado da
aparentemente estranha 
metáfora dos elementos 
e demandamos juntos 
o sentido das circunstâncias 

fomos conduzidos pelo 
indelével toque das mãos 
pelas emanações da pele 
autenticada pelo amor 
através da madrugada 
até um tempo novo 
em que dos olhos fizemos 
pontos de luz 
e intimamente próximos 
dissipamos o nevoeiro


rui amaral mendes in a noite o sangue [2016] © 






É quando estás de joelhos
que és toda bicho da Terra
toda fulgente de pêlos
toda brotada das trevas
toda pesada nos beiços
de um barro que nunca seca
nem no cântico dos seios
nem no soluço das pernas
toda raízes nos dedos
nas unhas toda silvestre
nos olhos toda nascente
no ventre toda floresta
em tudo toda segredo
se de joelhos te entregas
sempre que estás de joelhos
todos os frutos da Terra


[De David Mourão-Ferreira in 'A arte de amar']




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