Seguidores

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Poema de Maria do Rosário Pedreira

 

Poema de Maria do Rosário Pedreira:



 Poema de Maria do Rosário Pedreira:

[Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.]

Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti.
Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis
que alagámos de beijos quando eram outras horas
nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse
de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa
ser apenas mais um poema — como esses que eu escrevia
assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu
tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa

 

que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu,
trazem entre as penas a saudade de um verão carregado
de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas
brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de árvores
que perfurem a noite — porque a morte deve ser clara
como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre
me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes
a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me

 

a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem
toques com os teus lábios a minha boca fria, E promete-me
que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos
como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois
os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar
para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando
na poeira, cuidará que são flores que o vento despiu, estrelas
que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol,
ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.




1 comentário:

adry disse...

Grande, muito Grande.
Meritória presença neste espaço poético.
Já tinha saudades.
Muito bom.
Beijo.👀😘