Janeiro.
Mergulho na noite, na sala quente, embalado pela luz suave que me envolve no meio dos livros, anarquicamente dispostos no sofá, com a gata a meu lado.
Mergulho na noite para me encontrar nos interstícios dos silêncios.
A lua segue cheia, projectando alguma luminosidade sobre a rua numa noite sem grandes nuvens. Lembro-me do significado que tinha para ti o luar.
Da janela há muito esquecida da persiana que em tempo a protegeu vejo a árvore despida em frente. Estranho... abraço a lógica, mas é na sua ausência que verdadeiramente me encontro e revelo.
A lógica.
A lógica diz que à hora a que escrevo metade do mundo dorme... mas eis-me acordado.
Talvez seja aquilo a que a Matilde chamou o “intervalo ténue entre o sono e agilidade”.
Desculpa. Não é dos silêncios que te quero falar. Não a ti, que tanto te queixavas dos meus silêncios. ...
A madrugada vai longa e dirijo-me para o quarto onde mergulho, nu, na cama ainda por fazer desde manhã.
Escuta: esta noite sonhei.
Ao tempo que não sonhava. É verdade que é difícil: a duração dos meus sonos é pouco propícia às epifanias dos sonhos, remetendo-os para as horas de silêncio. Sonho de noite... acordado. Irónico, não é?!
É, deve ser isto a que a Matilde chamou o “intervalo ténue entre o sono e agilidade”. Só pode ser.
Escuta: hoje foi diferente.
Hoje sonhei enquanto dormia: entreguei-me nos teus braços, abandonei-me no teu corpo.
Reinventei-me enquanto me perdia.
Sabes, não sei se te apercebeste, mas durante o tempo em que estivemos juntos, fez sempre Verão... apesar de ser Outono.
Razão tinha o Valter quando descreveu sem o saber, naquela música do Paulo Praça, o que fazíamos quando estávamos juntos: “deslocávamos os cometas sem querer, as estrelas p'ra desenhos e a lua garantindo o amor.”
Lógica?!!! Estivesses a meu lado e imagino o teu riso único triturando as minhas certezas.
Um dia talvez perceba os insondáveis mistérios do amor, esse supremo e permanente mutante.
Escuta: hoje acordei com um indescritível desejo de abandonar os meus lábios na tua pele.
Pensei ligar-te. Queria encontrar-te... para me perder.
Logicamente.
Um beijo.
rui amaral mendes in esquissos