Devolve a luz que me roubaste. A luz da minha carne, da
minha cama, a luz que agora corre em incertos rumores.
De olhos absurdos, repara como a noite é a pele da minha
alma e como me visto com a recordação de outros dias.
Num altar de penumbra permanecem as minhas mãos, mas as preces são apenas a música do ar, minúsculos sons que se libertaram e que vão regressando à superfície dos objec-
tos.
Devolve a luz que me roubaste. A luz que tinha o rio que
há em mim, a luz de mim, a luz que cantava nos meus versos. Essa luz merecida pelos meus braços, pelos meus
sentidos, pelas minhas palavras.
Devolve-a. para que eu não tenha de encostar o rosto à
noite, e para que não sinta medo até amanhecer.
Devolve-a, porque o tempo é juiz desse teu roubo, e por-que tudo é escuro na sua consciência.
Devolve-a, porque os dias se acabam quando acaba a luz.
Devolve-a, porque a humilhação e as lágrimas são troféus
que o escuro reclama. E porque prefiro, então, cegar os
olhos.
Por favor, devolve a luz que me roubaste.
in ANO COMUM
1 comentário:
Uau! Verdadeiramente... lindo!
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