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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Isabel De Carvalho Sousa

 borboleta

Como uma borboleta
num incendiado sol de Abril
quis que me visses.
Era meio dia no meu rosto
e por gosto riscavam gaivotas o azul
que prolongava o Rio.
Olhaste-me.
Ardeu o dia.

....................... XIV

 

XIV

 


De repente me vi no supermercado dos sonhos,

com prateleiras repletas de tudo que se pode imaginar,

e, estava tudo ali, era só pegar.

Examinei com cuidado cada mercadoria

na ilusão de que poderia,

entre os doces, as compotas, o mel e até o açúcar

encontrar alguma coisa com a tua doçura

e, nas bebidas, qualquer coisa

que pudesse me embriagar tanto.

Nem em sonho encontrei nada.

É por isto que te canto,

minha amada!

(De "Cem Poemas em Cem Dias", Editora Viseu, 2021).

O Carnaval acabou

 

MONDAY, FEBRUARY 28, 2022

O CARNAVAL ACABOU

 


O carnaval acabou, meu amor.

Já esqueci quando a última escola desfilou

e o som dos tamborins e das cuícas

só na minha memória fica.

Agora todo mundo anda mascarado

todo tempo

e as quadras não tem mais animação.

Nem se fala mais em fazer samba enredo

e fantasia só na imaginação.

Parece que os ricos

não querem deixar o pobre ser feliz

nem se pode mais ter futebol e carnaval.

Do jeito que andam

massacrando o nosso povo,

logo, logo aparece um decreto novo

cobrando imposto

para respirar pelo nariz.

O carnaval acabou, meu amor,

mas vou te beijar de qualquer jeito.

Pelo menos, por enquanto,

ao amor temos direito.

E é melhor aproveitar,

pois, do jeito que as coisas andam

vamos ter de andar de quatro

por ordem dos que mandam!

Hamilton Ramos Afonso

 Trilhos

*
Hamilton Ramos Afonso
*
Os trilhos que percorro no teu corpo
alimentam o querer-te e encontrar-te
rumo à jornada possível,
caminho certo para o estágio da delicadeza e da serenidade ,
em conjunção plena das palavras derramadas
que se unem , generosamente, com o farto alimento espiritual
na Alma, entranhando os nossos Seres num Mundo
cada vez mais estranho …



*

domingo, 27 de fevereiro de 2022

Miguel Torga................. e...

 Miguel Torga

Quase um Poema de Amor
Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.
Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
— Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.












sábado, 26 de fevereiro de 2022

Suceso VIII Jorge Boccanera

 Evento VIII


às vezes sou a voz do outro lado do telefone
muitas vezes um sopro
uma enorme cidade onde, às vezes, te encontro
por suposição uma data
uma saudação rápida que cruza o céu velozmente
dois olhos que te olham
um café que te aguarda depois da chuva
uma fotografia de uma mão em tua mão
desesperadamente uma canção, eteceterá

e sempre ou quase sempre
não mais que o silêncio
onde só podes pendurar tuas roupas intímas.




É um amor que curto à bessa...

 O Seu amor


Eu nunca fui bem comportado...
Eu nunca estive dentro dos padrões...
Esta é a minha verdade.

Assim como não serei jamais
O homem que as mulheres esperam.
Talvez, na verdade, eu seja
Aquele que como a abelha
Passeia pelas flores,
Porém, sou uma abelha consciente
Que ama o perfume, a flor
E quer o mel da vida.

Ah! Você, querida, é o mel das flores
Por saber que cheguei tarde
E o meu amor, se, às vezes, arde,
Pela distância ou pela ausência,
Tem o sabor da consistência
E, mesmo sendo livre,
Tem no teu prazer
Sua maior ciência
E, em te amar,
Sua maior liberdade!




Felicidade mental

 Felicidade mental



Tão perto na distância

Não há palavras nem versos
Nem imagens ou códigos
Que possam dizer
Do prazer de estar com você.

E é, poristo, que o tempo distante
Não me importa.
Eu só vivo
Quando fecho a porta
Que me abre para os desejos teus
Que, por uma mágica da vida, são os meus
E tanto é o entusiasmo
Que, muitas vezes, só em pensar tenho orgasmos
Que jamais serão iguais aos que tenho (terei) com você!




La vida en juego Angel González

 A vida em jogo


Onde ponho a vida, ponho o fogo
de minha paixão focada e sem saída.

Onde ponho o amor, toco a ferida.

Onde ponho a fé, me ponho em jogo.

Ponho em jogo minha vida, e perco, e logo
começo outra vez, sem vida, outra partida.

Perdida a de ontem, a de hoje perdida,
não me dou por vencido, e sigo, e jogo
o que me sobra: um resto de esperança.

E sempre vou em frente. Mantenho minha postura.

Sem sair nunca. A esperança é a morte.

Se sai o amor, a primavera avança.





Tu cuerpo está a mi lado... Jaimes Sabines

 Teu corpo está a meu lado


Teu corpo está ao meu lado ...
fácil, doce, calado.
Tua cabeça no meu peito se arrepende
com os olhos fechados
e eu te olho e fumo
e acaricio os teus cabelos, enamorado.
Esta ternura mortal com que me calo
te abraça, embora eu tenha
imóveis os meus braços.
Miro meu corpo, o músculo
em que repousa o teu cansaço,
teu branco seio macio e apertado
e o leve e macio respirar do teu ventre!
sem meus lábios.
Te digo à meia voz
coisas que invento a cada instante
e fico deveras triste e só
e te beijo como se fosse o seu retrato.
Tu, sem falar, me olhas
e te abraças a mim até chorar
Sem lágrimas, sem olhos, sem espanto.
E eu volto a fumar, enquanto as coisas
se põem a escutar o que falamos.

 Jaimes Sabines



sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

Pedro Tamen

 Entrega

E nisso haver. E nisso persistir.
Pensar perder-me em nada diluído
pela bola de neve que me desses
instantânea mas branca. Conseguir
amores de bruma e de estampido
num espaço que não sei e onde teces
a tua tempestade.
Correr a mão
pelo corpo que tens em tempos quedos,
deixá-la ir pelos agostos fartos
pelas horas de ceifas e de verão.
Deixar que a tua pele me guie os dedos
para chegar aos olhos e fechar-tos.
Pedro Tamen




quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

De Dom Maurilio Galvão

 

THURSDAY, FEBRUARY 24, 2022

Talvez não compreendas dá uma saudade de Dom Maurilio Galvão

 


Alejandro Céspedes

E, sem embargo, todas as indigências nos levam ao amor.

Talvez não compreendas

que tudo o que está à margem nos situa

no meio de seu sumidouro escuro.

Talvez não compreendas, amar é a intenção,

porém o amor é sombreado por perguntas,

as cem mil faces da mesma ruína.

Compartilhamos suas ruínas sem insistir nelas,

sem levantar ficções nem causas refratárias, sem ressentimentos

porque pintamos as balizas de preto

que teriam nos salvado de encalhar na perda,

sem todas as suas metástases, sem ardor nem ridículo,

sem encher nossa inocência com napalm…

No melhor renasceríamos. Talvez não compreendas

Que no melhor renasceríamos

sem avaliar a água que despejamos,

sem dar à balança o pão que não comemos,

sem levantar as forcas do receio,

sem expiar nelas os pecados que nos inocularam

esses ganchos do antigo abandono que nos tornam parentes

de qualquer solidão insuportável.

Talvez não compreendas...

O sangue não nos mancha.

A chuva não nos molha.

A luz só serve

para beijar a boca da ferida.

Ilustração: Portal Raízes.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022

Hamilton Ramos Afonso

 O Sentido das palavras.

*

*
Todos os dias procuro a inspiração,
na taça onde me é servido o sumo das palavras...
Abro então a janela ,
solto a ténue distância que o vidro ,
embaciado , opõe ao campo franco e aberto,
onde mergulho o sedento olhar,
que perscruta o campo visual,
de frente,
de esguelha atento a todos os relances,
que me despertam os sentidos
e invadem os olhos,
a pele
o coração...
Volto para dentro,
para a nudez das paredes sem quadros pendurados ,
com os ouvidos preenchidos pelos ruídos da agitação da rua,
e coligindo as palavras ,
dou-lhes sentido
empresto-lhes o som duma boca
que leva até ti
a mais viva prova de amor...




*

Piada da bicha pobre e da bicha rica

terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Com vocês Robert Desnos

 

MONDAY, FEBRUARY 21, 2022

Com vocês Robert Desnos

 


CONTE DE FÉES

Robert Desnos

Il était un grand nombre de fois

Un homme qui aimait une femme

Il était un grand nombre de fois

Une femme qui aimait un homme

Il était un grand nombre de fois

Une femme et un homme

Qui n'aimaient pas celui et

celle qui les aimaient

 

Il était une fois

Une seule fois peut-être

Une femme et un homme

qui s'aimaient

 

CONTO DE FADAS

Houve uma vez

e foi muitas vezes

Um homem que amava uma mulher

Houve

E foi muitas vezes

Uma mulher que amava um homem

Houve

E foi muitas vezes

Uma mulher e um homem

Que se amavam.

 

Houve uma vez

E talvez não tenha sido uma vez

Uma mulher e um homem

que se amavam.

Ilustração: https://tv.joycemeyer.org/.