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segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Eugénio de Andrade

 Eugénio de Andrade



QUASE NADA

O amor
É uma ave a tremer
Nas mãos de uma criança.
Serve-se de palavras
Por ignorar
Que as manhãs mais limpas
Não têm voz…




ADEUS

Já gastamos as palavras pela rua, meu amor,
E o que nos ficou não chega
Para afastar o frio de quatro paredes.

Gastamos tudo menos o silêncio.
Gastamos os olhos com o sal das lágrimas,
Gastamos as mãos à força de as apertarmos,
Gastamos o relógio e as pedras das esquinas
Em esperas inúteis.


Meto as mãos nas algibeiras
E não encontro nada.
Antigamente
Tínhamos tanto para dar um ao outro;
Era como se todas as coisas fossem minhas:
Quanto mais te dava mais tinha para te dar.


Mas isso era no tempo dos segredos,
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário
Era no tempo em que os meus olhos
Eram realmente peixes verdes.

Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
Uns olhos como todos os outros.


Já gastamos as palavras.
Quando agora digo: meu amor
Já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
Tenho a certeza
Que todas as coisas estremeciam
Só de murmurar o teu nome
No silêncio do meu coração.


Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água
O passado é inútil como um trapo
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.




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