Seguidores

terça-feira, 1 de dezembro de 2020

Adeus. Eugénio de Andrade

 



                            

Adeus. Eugénio de Andrade

Esferagrafica-Mandy-Disher-Foto-04

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou
não chega para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.

Acreditava, porque ao teu lado todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade, uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor…,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza de que todas as coisas
estremeciam só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.


Adeus.


Eugénio de Andrade  



 




1 comentário:

mariferrot disse...

Um poema muito bonito em que o Poeta usa um adeus para encher o vazio que a alma sente com a mutação dos sentimentos !!! Tudo muda menos o invulgar "para-sempre" !!!...


Beijo Conde