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quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Nuno Júdice, in “Poesia Reunida”

 

Carta (Esboço)


Lembro-me agora que tenho de marcar um 
encontro contigo, num sítio em que ambos 
nos possamos falar, de facto, sem que nenhuma 
das ocorrências da vida venha 
interferir no que temos para nos dizer. Muitas 
vezes me lembrei de que esse sítio podia 
ser, até, um lugar sem nada de especial, 
como um canto de café, em frente de um espelho 
que poderia servir de pretexto 
para reflectir a alma, a impressão da tarde, 
o último estertor do dia antes de nos despedirmos, 
quando é preciso encontrar uma fórmula que 
disfarce o que, afinal, não conseguimos dizer. É 
que o amor nem sempre é uma palavra de uso, 
aquela que permite a passagem à comunicação ; 
mais exacta de dois seres, a não ser que nos fale, 
de súbito, o sentido da despedida, e que cada um de nós 
leve, consigo, o outro, deixando atrás de si o próprio 
ser, como se uma troca de almas fosse possível 
neste mundo. Então, é natural que voltes atrás e 
me peças: «Vem comigo!», e devo dizer-te que muitas 
vezes pensei em fazer isso mesmo, mas era tarde, 
isto é, a porta tinha-se fechado até outro 
dia, que é aquele que acaba por nunca chegar, e então 
as palavras caem no vazio, como se nunca tivessem 
sido pensadas. No entanto, ao escrever-te para marcar 
um encontro contigo, sei que é irremediável o que temos 
para dizer um ao outro: a confissão mais exacta, que 
é também a mais absurda, de um sentimento; e, por 
trás disso, a certeza de que o mundo há-de ser outro no dia 
seguinte, como se o amor, de facto, pudesse mudar as cores 
do céu, do mar, da terra, e do próprio dia em que nos vamos 
encontrar, que há-de ser um dia azul, de verão, em que 
o vento poderá soprar do norte, como se fosse daí 
que viessem, nesta altura, as coisas mais precisas, 
que são as nossas: o verde das folhas e o amarelo 
das pétalas, o vermelho do sol e o branco dos muros. 

Nuno Júdice, in “Poesia Reunida” 





Para que sirvo eu ?

 

PARA QUE SIRVO EU?



Para que sirvo eu se sou como todos os outros
Se simplesmente me afasto ao ver como te vestes
Se me fecho em mim mesmo pra não te ouvir chorar
Para que sirvo eu?

Para que sirvo eu se sei e não ajo
Se vejo e não digo, se através de ti contemplo
Se me faço de surdo ao céu troante
Para que sirvo eu?

Para que sirvo eu enquanto choras suavemente
E escuto na minha mente o que dizes durante o sono
E logo regelo como os que nada fazem
Para que sirvo eu?

Para que sirvo eu então aos outros e a mim
Se tive todas as chances e falhei mesmo assim
Se tenho as mãos atadas e não me interessa
Quem as atou nem porquê nem onde devia eu estar?

Para que sirvo eu se digo disparates
E rio na cara do que a tristeza traz
E apenas volto as costas enquanto morres em silêncio
Para que sirvo eu?


Versão de HMBF.


What Good Am I? é uma das canções emblemáticas do álbum Oh Mercy (1989). Bob Dylan tinha há muito recusado o título de cantor de protesto, colado por uma imprensa ávida de rótulos num tempo em que os profetas eram muitos e para todos os gostos. Colocando-se à margem desse caudal messiânico tão profuso no mundo artístico das décadas de 1960 e de 1970, Dylan optou por uma postura cada vez mais recolhida, isolada e enigmática. No entanto, os seus discos da década de 1980 ficaram altamente marcados por letras de teor religioso. Esta é uma delas, encenando um diálogo íntimo e autocrítico consigo mesmo ou com as forças exteriores que o habitam. Optei pelo verbo servir respeitando esse mesmo contexto confessional, do servo de uma causa que se questiona a si próprio acerca do valor e da eficácia das suas acções. Assim sendo, o sentido da bondade confunde-se com o da utilidade. É-se bom na medida em que se é útil enquanto servo de uma causa. 

de Mário de Andrade

 de Mário de Andrade

TÃO LONGE, TÃO PERTO.


Este feliz desejo de abraçar-te,
Pois que tão longe tu de mim estás,
Faz com que te imagine em toda a parte
Visão, trazendo-me ventura e paz.
Vejo-te em sonho, sonho de beijar-te;
Vejo-te sombra, vou correndo atrás;
Vejo-te nua, oh branco lírio de arte,
Corando-me a existência de rapaz…
E com ver-te e sonhar-te, esta lembrança
Geratriz, esta mágica saudade,
Dá-me a ilusão de que chegaste enfim;
Sinto alegrias de quem pede e alcança
E a enganadora força de, em verdade,
Ter-te, longe de mim, juntinho a mim.

( "Eterna Presença" Poema de Mário de Andrade )





quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

ALMIR GUINETO - Conselho(PARTIDO ALTO-LENTA-CLASSICO)





Ouvir esta musica é fácil, difícil é controlar as lagrima de tão boa recordação....




Almir Guineto é um poeta não precisa falar mais nada

Raul Solnado - Ida ao Medico





Raul Solnado, foi um exelente humorista



Será sempre recordado por todos os que sabem apreciar um grande humorista e actor! Descansa em paz...

Diálogo Entre Quatro Mães Católicas

 Diálogo Entre Quatro Mães Católicas



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Quatro mães católicas, bebendo o seu cafezinho, falam embevecidas do sucesso dos seus filhos.

A primeira diz:

- Meu filho é padre e as pessoas quando se dirigem a ele chamam-no de “Reverendíssimo”.

A segunda conta:

- Meu filho é bispo e as pessoas quando se lhe dirigem tratam-no por “Sua Excelência”.

A terceira declara:

- Meu filho é cardeal e as pessoas dirigem-se a ele dizendo: “Sua Eminência”.

A quarta mãe continua bebendo café e não diz nada.

As outras olham-na interrogativamente.

Então ela sussurra:

- Meu filho é um homem muito bem apessoado, um metro e noventa, ele é um grande striper.

Quando se despe completamente todas gritam:

- “Oh, Meu Deus!"





Laura Santos

 VAZIO

Teus olhos, duas andorinhas inquietas;
Num sono de pálpebras abertas...
Os meus; dois lagos no encontro...
Por vezes secos num martírio de fogo.
O que falamos é pouco, tudo reduzido
ao meu olhar não luminoso.
Tanto ficou por dizer...
Apenas meu rosto ansioso por te procurar,
Meu corpo macerado de te desejar...
Meu coração cansado de tanto apertar
o vazio.
Laura Santos




Salomão(da Bíblia, Velho Testamento)

 Cântico dos cânticos (trecho)

Quão belos são os teus pés
nas sandálias que trazes, ó filha de príncipe!
As colunas das tuas pernas são como anéis
trabalhados por mãos de artista.
o teu umbigo é uma taça arredondada,
que nunca está desprovida de vinho.
O teu ventre é como um monte de trigo
cercado de lírios.
Os teus dois seios são como dois filhinhos
gêmeos duma gazela.
O teu pescoço é como uma torre de marfim.
Os teus olhos são como as piscinas de Hesebon,
que estão situadas junto da porta de Bat-Rabim.
O teu nariz é como a torre do Líbano,
que olha para Damasco.
A tua cabeça levanta-se como o monte Carmelo;
os cabelos da tua cabeça são como a púrpura
um rei ficou preso às suas madeixas.
Quão formosa e encantadora és,
meu amor, minhas delícias!
A tua figura é semelhante a uma palmeira.
Eu disse. Subirei à palmeira,
e colherei os seus frutos.
Os teus seios serão, para mim, como cachos de uvas,
e o perfume da tua boca como o das maçãs.

Salomão(da Bíblia, Velho Testamento)
Foto:Sascha Hüttenhain






. Ricardo- águia livre

 Passear contigo pelos caminhos da ventura

De mão dada, queria ir passear contigo
Pelas ruelas e caminhos da felicidade
Esquecer mágoas, tristezas, a saudade
Nostalgias sofridas pela vil agrura
Poder dedicar-te poemas de candura
Abrir o coração, sussurrar o que sinto
Mostrar-te como lacrimeja o meu olhar
Como escorre verdade do meu pensar
Queria amar-te, ir passear contigo
Desbravar os caminhos da saudade
Mas hesito. Penso que não consigo
A nostalgia não nos deixa caminhar
Pelos carreiros dos sorrisos da ventura
Pelos horizontes do amor e ternura
Onde, contigo, tanto desejava estar.


Ricardo- águialivre




terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Tango "La Cumparsita". Ayelen Sanchez y Walter Suquia. Танго. Ажелен Сан...




segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

ENSAIO PARA A PASSAGEM DE ANO...


............A festejar e brindar em casa, como convém. 

Escolham o/a vosso/a  partenaire e demos então início ao ensaio:

 senhoras e senhores:

La Cumparsita.




segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

Eugénio de Andrade

 Eugénio de Andrade



QUASE NADA

O amor
É uma ave a tremer
Nas mãos de uma criança.
Serve-se de palavras
Por ignorar
Que as manhãs mais limpas
Não têm voz…




ADEUS

Já gastamos as palavras pela rua, meu amor,
E o que nos ficou não chega
Para afastar o frio de quatro paredes.

Gastamos tudo menos o silêncio.
Gastamos os olhos com o sal das lágrimas,
Gastamos as mãos à força de as apertarmos,
Gastamos o relógio e as pedras das esquinas
Em esperas inúteis.


Meto as mãos nas algibeiras
E não encontro nada.
Antigamente
Tínhamos tanto para dar um ao outro;
Era como se todas as coisas fossem minhas:
Quanto mais te dava mais tinha para te dar.


Mas isso era no tempo dos segredos,
Era no tempo em que o teu corpo era um aquário
Era no tempo em que os meus olhos
Eram realmente peixes verdes.

Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
Uns olhos como todos os outros.


Já gastamos as palavras.
Quando agora digo: meu amor
Já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
Tenho a certeza
Que todas as coisas estremeciam
Só de murmurar o teu nome
No silêncio do meu coração.


Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água
O passado é inútil como um trapo
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.




Maria do Rosário Pedreira ///// Imutável.....


Nada mudou. Ao fim de tantos anos, o meu
passado é ainda o mesmo passado - nenhum
rosto diferente para desviar o rio da memória,
nenhum nome depois. Para te esquecer,
devia ter partido há muito tempo, como viajam
as aves de verão em verão. E tentei; mas as malas
abertas sobre a cama eram livros abertos, e eu
nunca deixei um livro pela metade. Por
ter ficado, nada mudou jamais - e o meu passado é
ainda o nosso passado; e o rosto que tinha antes
de me deixares é o que o espelho me devolve no
presente - embora outros me digam que o
que vêem na superfície fria desse lago é um vinco
na água, uma mulher muito mais velha do que eu.
Maria do Rosário Pedreira





domingo, 27 de dezembro de 2020

por Anselmo Borges

 A mulher de Jesus

Uma coisa bem natural: querer saber como se relacionou Jesus com a sexualidade. Uma questão que foi por séculos tabu. Até metia medo pensar nisso. Por um lado, afirmava-se que Jesus é verdadeiramente homem, mas, logo a seguir, nem pensar em sexo quando se falava dele. Praticava-se o docetismo, uma heresia que afirmava que Jesus tinha aparência de homem, mas, verdadeiramente, era outra coisa: apenas parecia um homem.
Agora, o tema está sobre a mesa e pergunta-se abertamente: se Jesus era um verdadeiro homem, como viveu a sexualidade, como se relacionou com as mulheres? Numa obra recente, Jesús y las Mujeres, Antonio Piñero, um dos mais respeitados especialistas em cristianismo primitivo, com a vantagem de não ser crente, pergunta inclusivamente se Jesus era homossexual ou bígamo, negando, com fundamento, uma coisa e outra.
Os exegetas mais conceituados reconhecem que, também no que se refere às mulheres, Jesus operou uma revolução. Por princípio, as mulheres não deviam falar com um homem em público, o seu testemunho não tinha força, eram definidas como uma "lua", recebendo o seu brilho do "sol", que era o homem, eram impuras por causa da menstruação. Jesus não atendeu à impureza ritual, falou com a samaritana, uma mulher que tinha tudo contra ela - herética, estrangeira, com vários homens na sua vida -, teve discípulos e discípulas, fazendo-se acompanhar por eles e por elas nas suas tarefas apostólicas. Como escreve o teólogo X. Pikaza, "Jesus rompeu com todas as tradições culturais do seu tempo e trata a mulher como igual"; "homens e mulheres aparecem no seu projecto como iguais, sem prioridade de um sexo sobre o outro"; "não quis sacralizar a sociedade patriarcal da sua época" e "fundou um movimento de homens e mulheres, contra os rabinos da sua época, que não admitiam as mulheres nas suas escolas". E A. Piñero: "Jesus foi um rabino relativamente anómalo no panorama dos doutores da Lei do século I, porque teve um ministério activo no qual as mulheres não só estavam presentes, mas eram discípulas." Inclusivamente constata-se que as mulheres foram as discípulas mais fiéis e destemidas: "De facto, ao chegar a provação da Cruz, os Doze abandonam-no; elas, pelo contrário, permanecem fiéis até ao fim" (Pikaza) e foi Maria Madalena quem primeiro teve a convicção avassaladora de fé de que ele está vivo em Deus.
O Talmude diz: : "Quem não tem mulher é um ser sem alegria, sem bênção, sem felicidade, sem defesas contra a concupiscência, sem paz; um homem sem mulher não é um homem." Mas existe igualmente consenso quanto ao celibato de Jesus, pelo menos durante a vida pública, o tempo da pregação, desde o baptismo até à morte. Escreve o famoso exegeta americano John P. Meier: "Jesus nunca se casou, o que o transforma num ser atípico e, por extensão, marginal na sociedade judaica convencional." Maria Madalena teve um papel especial na sua vida, mas não foi sua mulher. E o famoso papiro, presumivelmente do século IV, em língua copta, de que tanto se fala desde 2012?: "Jesus disse-lhes: a minha mulher.../poderá ser minha discípula..." Conclui A. Piñero: "O cepticismo radical é a posição mais recomendável quanto ao conteúdo deste brevíssimo documento."
Decisivo é que Jesus, infringindo os preceitos patriarcais, deu início a um movimento inclusivo de homens e mulheres, sem discriminação. A Igreja Católica ainda não tirou daí todas as consequências.
por ANSELMO BORGES
DN.
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Comentários

  • por ANSELMO BORGES
    DN. . BIOGRAFIA : Anselmo da Silva Borges (Paus, Resende, 20 de Julho de 1944) é um padre católico, professor universitário e ensaísta português.
    É doutor em Filosofia pela Universidade de Coimbra, sendo professor da Faculdade de Letras desta Universidade. É padre da Sociedade Missionária da Boa Nova, tendo sido ordenado em Fátima, em 15 de Agosto de 1967, após frequentar os Seminários de Tomar (Convento de Cristo), de Cernache de Bonjardim e de Cucujães.