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quarta-feira, 21 de janeiro de 2015

António Ramos Rosa //// A Festa do Silêncio

 
 
Escuto na palavra a festa do silêncio.
Tudo está no seu sítio. As aparências apagaram-se.
As coisas vacilam tão próximas de si mesmas.
Concentram-se, dilatam-se as ondas silenciosas.
É o vazio ou o cimo? É um pomar de espuma.
Uma criança brinca nas dunas, o tempo acaricia,
o ar prolonga. A brancura é o caminho.
Surpresa e não surpresa: a simples respiração.
Relações, variações, nada mais. Nada se cria.
Vamos e vimos. Algo inunda, incendeia, recomeça.
Nada é inacessível no silêncio ou no poema.
É aqui a abóbada transparente, o vento principia.
No centro do dia há uma fonte de água clara.
Se digo árvore a árvore em mim respira.
Vivo na delícia nua da inocência aberta.


António Ramos  Rosa 


Foi um momento     O em que pousaste   Sobre o meu braço,   Num movimento   Mais de cansaço   Que pensamento,   A tua mão   E a retiraste.   Senti ou não ?     Não sei. Mas lembro   E sinto ainda   Qualquer memória   Fixa e corpórea   Onde pousaste   A mão que teve   Qualquer sentido   Incompreendido.   Mas tão de leve!...     Tudo isto é nada,   Mas numa estrada   Como é a vida   Há muita coisa Incompreendida...     Sei eu se quando   A tua mão   Senti pousando   ‘Sobre o meu braço,   E um pouco, um pouco,   No coração,   Não houve um ritmo   Novo no espaço?   Como se tu,   Sem o querer,   Em mim tocasses   Para dizer   Qualquer mistério,   Súbito e etéreo,   Que nem soubesses   Que tinha ser.     Assim a brisa   Nos ramos diz   Sem o saber   Uma imprecisa   Coisa feliz.     FERNANDO PESSOA    In Poesias. Fernando Pessoa. (Nota explicativa de João Gaspar Simões e Luiz de Montalvor.) Lisboa: Ática, 1942 (15ª ed. 1995).  - 197.

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