Tentei descrever o amor, do ponto de vista
da razão, subvertendo o que a natureza
humana dele pretende: um fim
para o desejo, para a desordem dos sentidos,
para a falta de entendimento de quem vive
solitário. Não sei o que descrevi, se
esse conjunto de emoções que se concentra
no instante da paixão, transformando
a alma numa fogueira feita
de mágoa e alegria; se o instante em
que toda a percepção é absorvida por ti,
mesmo que tu me peças que não perca
juízo e coração, ambos envoltos na
estranha tormenta que os teus olhos
desencadeiam.
Em tudo isto, é certo que reina
a cegueira que nasce desta contradição
entre tormento e júbilo. Saber que me amas, como
eu te amo, são os dois pratos da balança em
que ambos pesamos a relação que
nos envolve. Um trabalho de equilíbrio,
sustentando a esquiva memória que
se torna presente em cada novo
contentamento, obriga-me a repartir
o que dás por mim e por ti, para
que nada sobre do que nos junta.
É que o amor é isto que se consome
até esse nada que renasce, e o próprio nada
é tudo o que dele sai. Os teus lábios
que se fecham quando me olhas, e os teus olhos
que se abrem quando me falas; as tuas palavras
que me distraem do que me dizes; e o que dizes,
quando as minhas palavras te distraem. Assim
estive algum tempo a descrever o amor; até que o amor
me descreveu, e ambos nos tornámos claros
um para o outro, como o amor
descreve.
Nuno Júdice
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