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quarta-feira, 4 de maio de 2022

Nuno Júdice

 

Tentei descrever o amor, do ponto de vista 
da razão, subvertendo o que a natureza 
humana dele pretende: um fim 
para o desejo, para a desordem dos sentidos, 
para a falta de entendimento de quem vive 
solitário. Não sei o que descrevi, se 
esse conjunto de emoções que se concentra 
no instante da paixão, transformando 
a alma numa fogueira feita 
de mágoa e alegria; se o instante em 
que toda a percepção é absorvida por ti, 
mesmo que tu me peças que não perca 
juízo e coração, ambos envoltos na 
estranha tormenta que os teus olhos 
desencadeiam. 

Em tudo isto, é certo que reina 
a cegueira que nasce desta contradição
entre tormento e júbilo. Saber que me amas, como 
eu te amo, são os dois pratos da balança em
que ambos pesamos a relação que 
nos envolve. Um trabalho de equilíbrio,
sustentando a esquiva memória que 
se torna presente em cada novo 
contentamento, obriga-me a repartir 
o que dás por mim e por ti, para 
que nada sobre do que nos junta. 

É que o amor é isto que se consome 
até esse nada que renasce, e o próprio nada 
é tudo o que dele sai. Os teus lábios 
que se fecham quando me olhas, e os teus olhos 
que se abrem quando me falas; as tuas palavras 
que me distraem do que me dizes; e o que dizes, 
quando as minhas palavras te distraem. Assim 
estive algum tempo a descrever o amor; até que o amor 
me descreveu, e ambos nos tornámos claros 
um para o outro, como o amor 
descreve.


Nuno Júdice




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