Se pudéssemos dominar as palavras como
se domina um cavalo, com a rédea da retórica
a puxar os impulsos do sentimento e as esporas
da emoção a fazerem correr a frase até
ao fim do verso, o poema seria como a planície
por onde a imaginação cavalga sem freio nem destino,
liberta de cavaleiro e sela.
Ou então, se tivéssemos pela frente o oceano
da página e aí lançássemos a barca da estrofe, sem
antes ter perguntado qual o tempo que iria fazer
durante a viagem, veríamos nascer o temporal
de dentro de um céu de substantivos escuros
como nuvens, e o medo do naufrágio
pesar-nos-ia no ritmo de uma queda de sílabas.
Mas se estivesses aqui, com o teu olhar
pousado num campo de palavras, não apenas
as que designam flores ou aves mas outras
como a terra, a lama, a erva, o verde sombrio
de um arbusto próximo, eu faria do poema
a raiz desse tronco que os invernos não arrancaram,
e alimentá-la-ia com a seiva do amor; e sentiria
nas suas folhas os cabelos da tua noite,
as nervuras da tua mão, o fruto dos teus lábios.
Nuno Júdice
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