Seguidores

terça-feira, 3 de novembro de 2020

Nuno Júdice

 




                                        


































Se pudéssemos dominar as palavras como 
se domina um cavalo, com a rédea da retórica 
a puxar os impulsos do sentimento e as esporas 
da emoção a fazerem correr a frase até 
ao fim do verso, o poema seria como a planície 
por onde a imaginação cavalga sem freio nem destino, 
liberta de cavaleiro e sela. 

Ou então, se tivéssemos pela frente o oceano 
da página e aí lançássemos a barca da estrofe, sem 
antes ter perguntado qual o tempo que iria fazer 
durante a viagem, veríamos nascer o temporal 
de dentro de um céu de substantivos escuros 
como nuvens, e o medo do naufrágio 
pesar-nos-ia no ritmo de uma queda de sílabas. 

Mas se estivesses aqui, com o teu olhar 
pousado num campo de palavras, não apenas 
as que designam flores ou aves mas outras 
como a terra, a lama, a erva, o verde sombrio 
de um arbusto próximo, eu faria do poema 
a raiz desse tronco que os invernos não arrancaram, 
e alimentá-la-ia com a seiva do amor; e sentiria 
nas suas folhas
os cabelos da tua noite, 
as nervuras da tua mão, o fruto dos teus lábios.



Nuno Júdice

Sem comentários: