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segunda-feira, 31 de dezembro de 2018
Outra poesia de Duque de Rivas
Duque de Rivas
Decidme, zagales,
¿qué fuerza tendrán
los ojos de Lesbia,
que así me hacen mal?
Desde que los vide
ni sé descansar;
perdí mi reposo,
no puedo parar.
Sin duda que fuego
oculto tendrán,
pues, cuando me miran,
me siento abrasar.
Mas no da este fuego
incomodidad,
sino solamente…
no lo sé explicar.
Decidme, zagales,
¿qué fuerza tendrán
los ojos de Lesbia,
que así me hacen mal?
Letrilha
Diga-me, zagales,
que força terão
os olhos de Lesbia,
que assim me fazem mal?
Desde de que os vi
nem sei descansar;
perdi meu repouso,
não posso parar.
Sem dúvida que fogo
oculto terão,
pois, quando me olham
me sinto queimar.
Mas, não me dá este fogo
desconforto
sim somente ...
não o sei explicar.
Diga-me, zagales,
que força terão
os olhos de Lesbia,
que assim me fazem mal?
Ilustração: Gente – iG.
sábado, 29 de dezembro de 2018
E. E. Cummings
Foto: Irving Penn |
Eu gosto do meu corpo quando está com o seu
corpo. É uma coisa tão nova.
Músculos melhor e nervos mais.
eu gosto do seu corpo. Eu gosto do que faz,
eu gosto de seus comos. Eu gosto de sentir a espinha
do seu corpo e seus ossos, e o tremor
-firm-smooth ness e que eu vou de
novo e de novo
beijo, eu gosto de beijar isso e aquilo de você,
eu gosto, acariciando lentamente a penugem, chocante
do seu pêlo elétrico, e o que é que vem
por cima de carne separada ... E olhos grandes migalhas de amor, e possivelmente eu gosto da emoção de sob mim você é tão nova
E. E. Cummings
sexta-feira, 28 de dezembro de 2018
Photo: Bill Brandt |
Há uma regra inflexível no amor: o seu horizonte
tem a vastidão do mar, para lá do qual outros
horizontes se abrem se o muro, ao longo da
praia, não impuser os seus limites a quem
deseja a viagem. O espírito, porém, seguindo
um rumo platónico, voa sobre as ondas,
afastando-se da apressada respiração das marés;
e é no alto, onde se confundem nuvens e
gaivotas, que o olhar descobre a imensidão
do oceano para que o sentimento o empurra,
se não houver pela sua frente um porto,
ou uma ilha, que ponham fim à navegação.
Mas estas são apenas as convenções que
obrigam a imaginação; porque se o amor se
libertar das palavras que o oprimem, dando
ao corpo a mesma plenitude que se encontra
neste mar, está aberto o caminho para o abismo
em que o ser se dilui no puro espaço, onde
só o azul existe. Então, os dedos tocam
o teclado do infinito, e ouvir-se-á a música
dos murmúrios que nenhum ouvido recebe
se os sons da terra o magoam. E é como
se o dia durasse, para além do tempo e
das coisas da vida, até ao fim do mundo.
Nuno Júdice
quarta-feira, 26 de dezembro de 2018
rui amaral mendes in a noite o sangue [2016] ©
filial...
ensinaste-me nesse tempo que antecede
o florir das magnólias
a beber nos teus olhos as palavras
que te irrompem da boca
numa manifestação intempestiva
qual incontida mas concreta floração
dessa dimensão maior única
por dentro do amor
o florir das magnólias
a beber nos teus olhos as palavras
que te irrompem da boca
numa manifestação intempestiva
qual incontida mas concreta floração
dessa dimensão maior única
por dentro do amor
olho o rio em frente
penso nas palmas abraçando os pés
inseguros e frágeis que
sentes escaparem-te das mãos:
a areia do tempo
escorrendo-te por entre os dedos
penso nas palmas abraçando os pés
inseguros e frágeis que
sentes escaparem-te das mãos:
a areia do tempo
escorrendo-te por entre os dedos
na tua disputa contra a irrefutável
passagem do tempo
decretaste a irrelevância de me
saberes desprovido de úbere ventre
e declaraste-me aliado em luta
que era primacialmente tua
passagem do tempo
decretaste a irrelevância de me
saberes desprovido de úbere ventre
e declaraste-me aliado em luta
que era primacialmente tua
hoje carrego as cicatrizes de um corpo
que se expande para albergar
um objecto cardíaco reconstruído ressuscitado
uma reflexão líquida
do rio que me embala na noite
nutrindo os ramos filiais desse amor
com que me engravidaste
consumando a metamorfose
que se expande para albergar
um objecto cardíaco reconstruído ressuscitado
uma reflexão líquida
do rio que me embala na noite
nutrindo os ramos filiais desse amor
com que me engravidaste
consumando a metamorfose
rui amaral mendes in a noite o sangue [2016] ©
Paul Éluard (tradução Rui Amaral Mendes)
Photo: Man Ray |
Passei as portas do frio / J'ai passé les portes du froid
As portas da minha amargura / Les portes de mon amertume
Para vir enlaçar teus lábios / Pour venir embrasser tes lèvres
Cidade limitada ao nosso quarto / Ville réduite à notre chambre
Onde da insensata maré do mal / Où l'absurde marée du mal
Fica uma espuma reconfortante / Laisse une écume rassurante
Apenas te tenho a ti como anel de paz / Anneau de paix je n'ai que toi
Reaprendendo contigo o sentido / Tu me réapprends ce que c'est
Da condição humana quando renuncio / Qu'un être humain quand je renonce
A saber se tenho semelhantes/A savoir si j'ai des semblables.
Paul Éluard (tradução Rui Amaral Mendes)
Albano Martins
(da) eclosão...
A noite é uma página escrita onde há uma vírgula depois de cada
letra, um ponto depois de cada palavra, uma exclamação no fim
de cada frase.
Ao fim de cada período está o teu corpo, aberto num parêntese
longo, que explica a súbita eclosão de auroras nocturnas.
No fim de tudo estão os teus olhos, redondos como duas afirmações,
loiros e despenteados.
A noite é uma página escrita onde há uma vírgula depois de cada
letra, um ponto depois de cada palavra, uma exclamação no fim
de cada frase.
Ao fim de cada período está o teu corpo, aberto num parêntese
longo, que explica a súbita eclosão de auroras nocturnas.
No fim de tudo estão os teus olhos, redondos como duas afirmações,
loiros e despenteados.
Albano Martins
terça-feira, 25 de dezembro de 2018
O erotismo
O erotismo
Gosto do erotismo das palavras doces
que me chegam pelos ouvidos devagar,
bem
devagar...
Para dar tempo à alma para as descascar,
como se descasca uma manga madura sumarenta a pingar de doce...
E saborear devagar,
bem
devagar...
rui amaral mendes in a noite o sangue
Errâncias...
escrevo a destempo
das verdades que me habitam.
conjugo sujeito, predicado
complementos
das verdades que me habitam.
conjugo sujeito, predicado
complementos
unicamente nos momentos
em que substantivos e verbos
adjectivos e pronomes
palavras isoladamente neutras
em que substantivos e verbos
adjectivos e pronomes
palavras isoladamente neutras
se alinham
como astros num imenso cosmos
para conferir cor ao fogo que
carrego.
como astros num imenso cosmos
para conferir cor ao fogo que
carrego.
se silêncios entrego
não os cuides vazios:
permanece densa ensurdecedora
a verdade da essência que carregam.
não os cuides vazios:
permanece densa ensurdecedora
a verdade da essência que carregam.
a matéria do poema, sabes!,
são palavras que desejo livres
da ditadura das grilhetas
vazias das circunstâncias,
são palavras que desejo livres
da ditadura das grilhetas
vazias das circunstâncias,
celebrando a errância de alma minha
por dentro de veredas tuas,
temendo apenas o caos
que sobrevirá à tua ausência.
por dentro de veredas tuas,
temendo apenas o caos
que sobrevirá à tua ausência.
rui amaral mendes in a noite o sangue [2016] ©
Carl Sandburg
pedido...
Dá-me fome,
ó vossos deuses que se sentam e dão ao
mundo suas ordens.
Dá-me fome, dor e desejo,
Encerra-me com vergonha e fracasso
De suas portas de ouro e fama,
Dá-me sua fome mais miserável e mais cansada! Mas me deixe um pouco de amor, Uma voz para falar comigo no final do dia, Uma mão para me tocar no quarto escuro Quebrando a longa solidão. No crepúsculo das formas diurnas Desfocando o pôr-do-sol Uma pequena estrela errante e ocidental Lançada das margens mutáveis da sombra. Deixe-me ir para a janela, Assista lá as formas do dia do crepúsculo E espere e conheça a vinda De um pouco de amor.
ó vossos deuses que se sentam e dão ao
mundo suas ordens.
Dá-me fome, dor e desejo,
Encerra-me com vergonha e fracasso
De suas portas de ouro e fama,
Dá-me sua fome mais miserável e mais cansada! Mas me deixe um pouco de amor, Uma voz para falar comigo no final do dia, Uma mão para me tocar no quarto escuro Quebrando a longa solidão. No crepúsculo das formas diurnas Desfocando o pôr-do-sol Uma pequena estrela errante e ocidental Lançada das margens mutáveis da sombra. Deixe-me ir para a janela, Assista lá as formas do dia do crepúsculo E espere e conheça a vinda De um pouco de amor.
Carl Sandburg
Give me hunger,
O you gods that sit and give
The world its orders.
Give me hunger, pain and want,
Shut me out with shame and failure
From your doors of gold and fame,
Give me your shabbiest, weariest hunger!
But leave me a little love,
A voice to speak to me in the day end,
A hand to touch me in the dark room
Breaking the long loneliness.
In the dusk of day-shapes
Blurring the sunset,
One little wandering, western star
Thrust out from the changing shores of shadow.
Let me go to the window,
Watch there the day-shapes of dusk
And wait and know the coming
Of a little love.
Carl Sandburg
domingo, 23 de dezembro de 2018
Nuno Júdice
entrega...
Numa noite antiga de verão em que todas as estrelas
brilhavam nos seus lugares, nessa noite de calor ouvi
as rãs na água dos arrozais, e as nuvens de mosquitos cobriam
o caminho por onde te via passar, descalça, correndo sobre a terra
até ao pátio da casa fechada onde só os fantasmas viviam,
esperando que lhes abrisses a porta para atravessarem o campo
dos enforcados. Mas tu não os vias, e continuavas
a correr até à estação onde já nenhum comboio parava,
e ias para o canto mais escuro do jardim, despindo a blusa
para libertares o peito do calor da noite, e ofereceres
às estrelas as pontas dos seios.
brilhavam nos seus lugares, nessa noite de calor ouvi
as rãs na água dos arrozais, e as nuvens de mosquitos cobriam
o caminho por onde te via passar, descalça, correndo sobre a terra
até ao pátio da casa fechada onde só os fantasmas viviam,
esperando que lhes abrisses a porta para atravessarem o campo
dos enforcados. Mas tu não os vias, e continuavas
a correr até à estação onde já nenhum comboio parava,
e ias para o canto mais escuro do jardim, despindo a blusa
para libertares o peito do calor da noite, e ofereceres
às estrelas as pontas dos seios.
Nuno Júdice
sexta-feira, 21 de dezembro de 2018
Maria Helena Guimarães
NATAL !
Acabei de fazer o Presépio.
Têm tantos anos as figuras
como terços de vida
eu conto, melancólica,
neste entardecer.
Sento-me e procuro
o espírito de Natal.
Há uma saudade remanescente
dos Natais da meninice,
de uma festa inocente
em que o Amor era simples,
a família era um porto
em que cada um desaguava
no abraço, na lágrima, no elo
que o ligava para além
das vicissitudes.
Por uma noite eramos crianças!
E entre as rabanadas e os formigos
havia o coração aberto,
o sentido desperto.
Todos eram abrigos
sem crenças, sem leis,
num enorme abraço,
unindo cada pedaço
espalhado pela vida.
Por uma noite,
a reavivar pertença
A reconstruir os laços
pelo tempo esparsos.
Tenho saudades de ser criança!
quinta-feira, 20 de dezembro de 2018
por Ricardo- águialivre
Ardendo comigo na chama da paixão
Queima aqui no peito, um lume de paixão
Resíduos naturais dos beijos que trocámos
Amor ardente, cinzas produzidas do vulcão
Que salpicam esse carinho que granjeámos
.
Palavras de ternura no crepúsculo sentido
Onde deixámos arder, o nosso sentimento
Fagulhas de lume, de um amor enaltecido
Ardendo lentamente no nosso pensamento
.
São os teus lábios fontes de água cristalina
Que os meus molham de doçura pura e fina
Queimando meu corpo em chama reluzente
.
Se uma fagulha envolvesse o teu entardecer
Decerto que nesse lume tu virias desfalecer
E comigo ardias em amor, feliz, docemente
.
Maria do Rosário Pedreira
Photo: Bill Brandt |
Erguem-se os ventos e contra mim se assanham,
se rebelam, gritam-me fúrias antigas, incontidas,
e assomam às portas assobiando velhas canções tristes.
Dizem que por eles morreram já algumas aves.
E que os trigos cederam à tentação de os seguir
e se perderam para sempre na planície, como as crianças.
Nunca lhes digas o meu nome, não lhes contes que existo.
Guarda-me agora em ti como um outro segredo -
o teu sono era quente, lembro-me da janela do teu quarto
a dar para o céu, os ventos passavam nela devagar,
mas nunca se detinham
e depois, de manhã, acordávamos sempre junto ao sol.
Maria do Rosário Pedreira
terça-feira, 18 de dezembro de 2018
Ana Alvarenga
O silêncio tem o sabor de amoras silvestres, negras e brilhantes como a noite que abraça os pensamentos.
Sentes o cheiro das estrelas?
Eu não o sinto; tenho a pele (ainda) impregnadados toques macios e deslizantes, do silêncio a massajar o corpo.
Pressentes o rasto dos sonhos?
Dos sonhos que desenhei para ti, em estátuas e em nuvens, no silêncio do traço fino.
E passeio nos telhados de casas vazias, encontro o silêncio - o teu e o meu -, que me grita, despenteia, empurra-me. Beija-me.
Ana Alvarenga
segunda-feira, 17 de dezembro de 2018
António Ramos Rosa
Quando o corpo é um sorriso aberto ao sol
o alento dança
e o coração estremece como um peixe livre
Pertencemos a um corpo de claridade nua
com a viva delicadeza vegetal
com a transparência do desejo na languidez de um leito
de lentidão aérea e voluptuosa inocência
Toda a terra se torna um país amoroso
e a boca fascinada é concha e água no instante amado
As fontes da palavra jorram de um ventre branco
ou dos cabelos que navegam entre nuvens e veias
Não precisamos procurar a raiz o anel o limite
porque toda a aparência respira nascendo do seu ser
e o fio subtil do silêncio conduz-nos ao jardim
das carícias e dos segredos nupciais
entre as flores do sono num tranquilo ardor
O que queria libertar-se para além dos espelhos
e dos véus das sombras pousou na límpida clareira
onde a corola da terra oferece o seu azul
e o mundo leve renasce navegando nas suas barcas imóveis
António Ramos Rosa
E. E. Cummings
Foto: Irving Penn |
Eu gosto do meu corpo quando está com o seu
corpo. É uma coisa tão nova.
Músculos melhor e nervos mais.
eu gosto do seu corpo. Eu gosto do que faz,
eu gosto de seus comos. Eu gosto de sentir a espinha
do seu corpo e seus ossos, e o tremor
-firm-smooth ness e que eu vou de
novo e de novo
beijo, eu gosto de beijar isso e aquilo de você,
eu gosto, acariciando lentamente a penugem, chocante
do seu pêlo elétrico, e o que é que vem
por cima de carne separada ... E olhos grandes migalhas de amor, e possivelmente eu gosto da emoção de sob mim você é tão nova
E. E. Cummings
Nuno Júdice
Photo: Imogen Cunningham |
Nua, encosta-se ao que pode ser uma parede
de pano, com erupções líquidas, uma doçura
de musgo, e a cor branca da primavera.
A mão, displicente, apoia-se na anca, numa
impaciência que transparece nos cabelos
soltos de uma noite de amor. A outra
mão, porém, segura um lírio sobre o seio;
e o olhar desce na sua direcção, como
se quisesse saborear o gesto em que uma
falsa timidez se manifesta. Há quanto
tempo está ali? Quem a deixou entregue
ao abandono da sua sombra?
No entanto, com um sorriso irónico,
convida-nos a entrar; e talvez
nos diga o que espera ainda, enquanto
o tempo passa pelo rio do seu corpo.
Nuno Júdice
domingo, 16 de dezembro de 2018
Edna St. Vincent Millay
Não posso deixar de lembrar
Quando o ano envelhece -
outubro - novembro -
Como ela não gostou do frio! Ela costumava observar as andorinhas Descendo pelo céu E virando da janela Com um pequeno suspiro agudo. E muitas vezes quando as folhas marrons Eram frágeis no chão, E o vento na chaminé Fez um som melancólico, Ela tinha um olhar sobre ela Que eu gostaria de poder esquecer - O olhar de uma coisa assustada Sentado em uma rede! Oh, linda ao cair da noite A neve cuspidinha! E bonito os ramos nus Esfregando para lá e para cá! Mas o rugido do fogo E o calor do pêlo
E a ebulição da chaleira
era bonita para ela! Não posso deixar de lembrar Quando o ano envelhece - outubro - novembro - Como ela não gostou do frio!
Edna St. Vincent Millay
sábado, 15 de dezembro de 2018
Nuno Júdice
abandono...
Na cama, onde o teu corpo, de costas, se abandona
aos meus olhos, e os cabelos se espalham pela almofada
és a mais bela das mulheres nuas. Os pés, sobre
os lençóis que o amor amarrotou, cruzam-se,
num breve descanso; e o rosto, de olhos
fechados, esconde o desejo que a tua brancura
me oferece, contra a parede que inscreve
o único limite do nosso amor. O braço direito
caído para o chão, agarra um vazio que encho
de palavras; e o braço esquerdo, sob os seios,
indica-me o caminho em que cada repetição
é uma descoberta. Se te voltares, abrindo os braços,
e mostrando o peito, saberei o rumo seguir,
nesta viagem em que és a proa e o vento; mas
se ficares assim, secreto retrato no atelier
do coração, apenas te peço que entreabras
os lábios, para que um murmúrio nasça
de dentro da tela. Então, cobrir-te-ei as pernas
com o lençol, espalhar-te-ei pela almofada
os cabelos, escondendo a nuca e o ombro; e
deixarei que este poema se derrame sobre ti,
ateando este fogo com que a tua nudez
me incendeia.
aos meus olhos, e os cabelos se espalham pela almofada
és a mais bela das mulheres nuas. Os pés, sobre
os lençóis que o amor amarrotou, cruzam-se,
num breve descanso; e o rosto, de olhos
fechados, esconde o desejo que a tua brancura
me oferece, contra a parede que inscreve
o único limite do nosso amor. O braço direito
caído para o chão, agarra um vazio que encho
de palavras; e o braço esquerdo, sob os seios,
indica-me o caminho em que cada repetição
é uma descoberta. Se te voltares, abrindo os braços,
e mostrando o peito, saberei o rumo seguir,
nesta viagem em que és a proa e o vento; mas
se ficares assim, secreto retrato no atelier
do coração, apenas te peço que entreabras
os lábios, para que um murmúrio nasça
de dentro da tela. Então, cobrir-te-ei as pernas
com o lençol, espalhar-te-ei pela almofada
os cabelos, escondendo a nuca e o ombro; e
deixarei que este poema se derrame sobre ti,
ateando este fogo com que a tua nudez
me incendeia.
Nuno Júdice
sexta-feira, 14 de dezembro de 2018
Cidália Ferreira
Perdi-me no vendaval
Rolou pelo meu rosto como a chuva que cai
Tocada pelo vento, em palavras de vendaval
Onde tanta alegria que sentia, assim se esvai
Junto com a chuva, um coração sentimental
Um sabor amargo, qual sal, em mar revolto
Ondas de magnitude que me levam o sorrir
Quando num soluço peço perdão, mas solto
Uma lágrima, de revolta, por não conseguir
Chove intensamente dentro do meu coração
Que se manifesta, no meu entristecido rosto
Não queria, nem pedi. Perdi-me na emoção
E rolou pelo meu rosto lágrima de desgosto.
Cidália Ferreira
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