Na fotografia, só teu rosto ficou
desfocado. À tua volta, o candeeiro, a mesa,
os sofás, o cortinado, são nítidos, e quase...
poderia tocar em cada um deles
e sentir o macio do veludo, a madeira,
o frio do metal, como se as coisas
saíssem de dentro da imagem para
junto de mim. Mas o teu rosto, de linhas
esfumadas sob a mancha dos cabelos,
obriga-me a perguntar a que corpo
pertence, e em que dia obscuro tentei
captar a tua aparência, sem reparar que
te mexeste quando carreguei no botão,
talvez para que não ficasses presa
do meu olhar. Assim, ao ver-te sair
de uma caixa de papéis antigos, é
como se já soubesse que te iria
perder, ou como se tivesses querido
que um dia, ao olhar para o que ficou
da tarde em que nos amámos, tivesse
de perguntar quem és, como te chamas,
e que destino me impuseste quando
me obrigas a lembrar porque guardei,
no meio de papéis inúteis, a fotografia
em que apareces desfocada.
Nuno Júdice
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