O Amor é um Acidente, uma Renúncia, um Hábito, uma Maldição
O amor é um acidente.
Eu estava sentada no regaço de uma mulher de cobre, uma escultura de
Henry Moore, e Bill debruçou-se sobre mim e beijou-me nos lábios. E de
repente eu amava-o. Amava-o e só isso importava. Reparei nas mãos dele,
mãos de pianista. Mãos preparadas para o amor. Ainda hoje gosto de lhe
ver as mãos enquanto folheia um livro, enquanto lê um jornal. As mãos
dele envelheceram, envelheceram a apertar outras mãos, milhares de
outras mãos, a jogar golfe, a assinar autógrafos e documentos
importantes. Envelheceram, sim, mas continuam belas. Continuam a
excitar-me.
O amor é uma renúncia. Amar alguém é desistir de amar outros, é desistir
por esse amor do amor de outros. Eu desisti de tudo. A partir desse dia
dei-lhe todos os meus dias. Entreguei-lhe os meus sonhos, os meus
segredos, as minhas convicções mais profundas. Não me queixo!
Não sou ingénua nem estúpida. Quando digo que o amor é uma renúncia,
quero dizer que foi assim para mim. Para Bill foi sempre uma outra
coisa. Eu sabia que ele reparava noutras mulheres, e que outras mulheres
reparavam nele. Um homem feio, com poder, é quase bonito. Um homem
bonito, com poder, é quase um Deus.
Apesar da minha educação cristã, ou por causa dela, sempre me recusei a
viver sujeita à ameaça do pecado. As grandes indústrias vêm tentando
convencer-nos de que é possível tirar o veneno ao prazer e ficar apenas
com o prazer: café sem cafeína, cerveja sem álcool, cigarro sem nicotina
- amor platónico. Quanta estupidez. Quem bebe café procura a exaltação
da cafeína. Quem pede uma cerveja numa tarde de sol quer refrescar o
corpo, sim, mas também quer soltar o espírito. Se é para pecar quero o
pecado inteiro.
Bill teve o seu castigo. Tivemos os dois. Foram dias difíceis, foram
noites ainda mais difíceis, mas passaram. Uma manhã acordei e já não
tinha lágrimas. Noutra manhã acordei e já não o odiava. Finalmente
acordei e estava de novo abraçada a ele.
O amor é um hábito. Como acham que cheguei até este dia? Foi o amor que me trouxe. Maldito seja.
José Eduardo Agualusa, in 'A Educação Sentimental dos Pássaros '
1 comentário:
O amor é uma renúncia. Amar alguém é desistir de amar outros, é desistir por esse amor do amor de outros. Eu desisti de tudo. A partir desse dia dei-lhe todos os meus dias. Entreguei-lhe os meus sonhos, os meus segredos, as minhas convicções mais profundas. Não me queixo!
Não sou ingénua nem estúpida. Quando digo que o amor é uma renúncia, quero dizer que foi assim para mim.
bjinhooooooooooo....
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