Deito esta bebida na taça das tuas mãos:
um líquido de vogais e consoantes, com
a sua espuma de sílabas; e levo-a aos teus lábios,
para que a sua cor abstracta os tinja de
música, e o seu vermelho se dilua no breve
silêncio de um rio insonoro.
Também eu partilho a bebida, e
uma embriaguez de sentidos corre, com as
suas asas invisíveis, ao longo das frases
que o verso interrompe, com o seu gume
de metal. Deixo que ela fermente
num alambique de ocasos; e roubo à tua beleza
a inspiração que faz efémeras
as estações impetuosas do ocidente.
Alinho na mesa da estrofe as taças
que este amor encheu. Vejo-as transbordarem
quando o teu corpo se ergue de um vazio
de papel, como se o poema te fizesse
renascer. Puxo-te para fora das palavras, e dou-te
esta forma que a tua imagem ocupa,
com o seu impulso de nuvem
na migração da vida.
E esvazio as tuas mãos, para
que as enchas com o calor que a tarde fez
cair, por entre os teus cabelos,
até aos ombros nus que uma árvore veste,
com a sombra das suas folhas.
Nuno Júdice
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