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quinta-feira, 25 de maio de 2023

Nuno Júdice

 

Deito esta bebida na taça das tuas mãos:
um líquido de vogais e consoantes, com 
a sua espuma de sílabas; e levo-a aos teus lábios,
para que a sua cor abstracta os tinja de 
música, e o seu vermelho se dilua no breve 
silêncio de um rio insonoro.

Também eu partilho a bebida, e 
uma embriaguez de sentidos corre, com as 
suas asas invisíveis, ao longo das frases 
que o verso interrompe, com o seu gume
de metal. Deixo que ela fermente 
num alambique de ocasos; e roubo à tua beleza 
a inspiração que faz efémeras
as estações impetuosas do ocidente.

Alinho na mesa da estrofe as taças 
que este amor encheu. Vejo-as transbordarem 
quando o teu corpo se ergue de um vazio 
de papel, como se o poema te fizesse 
renascer. Puxo-te para fora das palavras, e dou-te 
esta forma que a tua imagem ocupa,
com o seu impulso de nuvem
na migração da vida.

E esvazio as tuas mãos, para 
que as enchas com o calor que a tarde fez 
cair, por entre os teus cabelos,
até aos ombros nus que uma árvore veste,
com a sombra das suas folhas.


Nuno Júdice




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