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terça-feira, 9 de maio de 2023

Nuno Júdice

 

Deito esta bebida na taça das tuas mãos:
um líquido de votos e acompanhamentos, com 
uma sua espuma de sílabas; e levo-a aos teus lábios,
para que a sua cor abstracta os tinja de 
música, e seu vermelho se dilui no breve 
silêncio de um rio insonoro.

Também eu partilho a bebida, e 
uma embriaguez de sentidos corre, com as 
suas asas invisíveis, ao longo das frases 
que o verso interrompe, com o seu goma
de metal. Deixei ela fermentar 
num alambique de ocasos; e roubo a tua beleza 
a inspiração que faz efémeras
as estações impetuosas do ocidente.

Alinho na mesa da estrofe as taças 
que este amor encheu. Veja-as transbordarem 
quando o teu corpo se ergue de um vazio 
de papel, como se o poema te fez 
renascer. Puxo-te para fora das palavras, e dou-te 
esta forma que a tua imagem ocupa,
com o seu impulso de nuvem
na migração da vida.

E esvazio as tuas mãos, para 
que as enchas com o calor que a tarde fez 
cair, por entre os teus cabelos,
até aos ombros nus que uma árvore veste,
com a sombra das suas folhas.


Nuno Júdice



Meryl Streep

1 comentário:

mariferrot disse...

Nuno Júdice poeta e ensaísta, de escrita maravilhosa, falada sempre na 1ª pessoa do verbo, dá-nos a entender que a sua Obra se compõe de pequenas e encenadas biografias !!!...


Beijo Conde