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segunda-feira, 18 de abril de 2022

António Carlos Cortez

 

São profundas as relações entre a música e a poesia. Mas 
não me refiro à questão órfica, nem sequer está para mim 
em causa a interdependência entre som e sentido. Uma poesia 
nasce da música, mas sobretudo, para mim, de certa 
música, quando há um ritmo que define como "melancólico-sensual", 
um ritmo que exige a escrita outra, a outra 
escrita que está por dentro da escrita e produzir, no cérebro 
empenhado em ser motor de imagens, deflagração 
de um incêndio erótico, a vários planos. Escrevo 
ouvindo música, sempre - e cada vez mais. Numa espécie 
de febre, numa espécie de violência sexual, de desejosa 
energia vital, como se, ouvindo, tudo quanto sou 
poderia ser transferido para certas distâncias - a de 70 e certas 
80, principalmente - e carnalmente eu fosse dadas como 
cenas carnais da música sonora, a música dançada nas 
grandes pistas dos vários, definidas da corpórea 
atividade dos corpos, isto é, a poesia é devedora de 
atmosferas onde fascínio e perigo se cruzam, onde a batida 
certa - a percussão de, por exemplo, os ferreiros, ou 
depeche mode, ou echo and the funnymen, ou OMD - 
me faz mergulhar no mais fundo das nossas terras e 
pequenas iluminações, a música fornece-me a toada certa 
para eu escrever como quem ama e não como quem escreve.

António Carlos Cortez







 

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