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terça-feira, 6 de agosto de 2019

Antonio Ramos Rosa





Photo(gram): László Moholy-Nagy  























Se eu pudesse caminhar com palavras lentas sóbrias 
e se eu pudesse falar-te ou gritar 
como um vento selvagem 
se tu pudesses ver-me se eu te pudesse olhar 
- aqui onde escrevo e nada principia 
aqui onde o embate é nulo contra o bloco 
onde se cerra o muro onde a ferida não fala 

Nenhum impulso emerge do ilimite vazio 
nenhum punho se ergue entre as pregas do abismo 

Se escrevo ou falo ainda é o mutismo que fala 
se olho é através de um não olhar 
se prossigo sei que a minha sede é vã 
onde estou é aquém de toda a origem 
onde estás é além de todo o encontro 

E todavia escrevo terminando onde escrevo 
sem o gérmen que abriria o diálogo da água 
sem a dissonância viva de quem está ainda algures 
emparedado 
e crê que um grito alguém ainda o ouviria 

E todavia se escrevo é porque talvez espere 
avançar entre os muros para uma praia secreta 
que um sinal ilumine este deserto de cinza 
que uma pergunta abale este bloco inamovível 

Se eu pudesse falar-te através desta espessura 
se tu pudesses ver-me se eu te pudesse olhar 
oh quem pudera gritar como o vento selvagem 
quem pudera desatar o nó oculto sempre 
o nome oculto sempre! 

Fui eu que enterrei o meu nome sob a pedra 
Fui eu que me enterrei para sempre sob o nome 
Tudo em mim é ausência ou um contacto vão 

Por isso tu não me vês e eu não te vejo a ti 
Mas se eu te escrevo ainda estas palavras nuas 
estas palavras mais pobres do que a sombra vazia! 

Não será este caminho uma forma do grito? 

Aqui onde escrevo algo principia 
aqui o embate contra um bloco negro 
aqui se abre um muro aqui a ferida fala 
aqui designo a pedra da asfixia 

A forma desgarrada de um grito flutua 



António Ramos Rosa

1 comentário:

mariferrot disse...

Gritos abafados, a forma mais lenta de asfixia e a mais ruidosa na passagem do tempo !!!... Bj Conde <3