Seguidores

sábado, 26 de maio de 2018

Nuno Júdice







Para definir a substância do teu corpo
teria de me afastar dos conceitos da filosofia mais pura,
do ser e das suas qualidades essenciais, e também
da imagem evanescente que envolve aquilo
a que se dá o nome de alma. Teria de seguir a corrente
de um rio subterrâneo, que atravessa a planície do tempo
sem se deixar limitar pelas suas margens; e ouviria,
sob o silêncio mais profundo de uma noite
sem lua, a lenta respiração da terra perpassar
nos teus lábios.

Poderia, então, apanhá-la com as mãos, como
se faz a um fruto, e senti-la-ia escorrer por entre
os dedos como a água mais límpida. Dir-me-ias
que estou longe, ainda, do que se entende por
amor. Pouco importa: o que vejo no teu rosto,
quando a ausência o converte num arquétipo, e
nele projecto todas as figuras do desejo, é 
o desenho dessa palavra que te veste com
as suas sílabas de sol, e percorre o poema
com a sua luz.

Nuno Júdice
Foto de Antonio Maria.


Sem comentários: